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UM LUGAR PARA OS “EGRESSOS”: A REPÚBLICA EM MONDAÍ E O CONTRAT JEUNE MAJEUR NA FRANÇA

CIRCULAÇÃO E DEVIR 121 2.1 CLARISSA: A VIDA COMO BEST-SELLER

1.3 UM LUGAR PARA OS “EGRESSOS”: A REPÚBLICA EM MONDAÍ E O CONTRAT JEUNE MAJEUR NA FRANÇA

A Terra Nova-SC iniciou suas atividades em 1965, quando um

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O Departamento, na França, é uma unidade administrativa local com competência em matéria de ação social, gestão de estradas, portos, aeroportos, ensino e manejo territorial, entre outros.

grupo ligado ao movimento missionár io Die Rufer da Alemanha recebeu um convite da Convenção Batista Pioneira do Sul do Brasil para fazer missões. Desde que foi fundada como entidade, através do empenho dos missionários, da própria comunidade de Mondaí e de recursos advindos da Alemanha, a associação passou por muitas transformações na estrutura e também nos projetos a serem desenvolvidos. Criada inicialmente para dar oportunidade a meninas e adolescentes que desejavam cursar o ensino fundamental (Internato Feminino) e também para oferecer qualif icação aos filhos de pequenos agricultores (Centro de Aprendizagem), em 2000, a Terra Nova passou a atender as primeiras crianças e adolescentes encaminhados pela Justiça da Infância e Juventude. Em 2005, como forma de se adequar aos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de prestar atendimento em pequenos grupos, a Terra Nova teve toda sua estrutura física reestruturada. Essa reforma possibilitou que a Associação, no ano seguinte, pudesse oferecer o atendimento do abrigo em forma de casas- lares (uma unidade masculina e outra feminina). Não se tratava exatamente de implementar casas-lares, mas sim de fazer algo diferente, oferecendo a crianças e adolescentes um outro tipo de experiência de acolhimento. Para tanto, os profissionais que trabalham na Associação, em especial a diretora administrativa e pedagoga, que está na instituição desde 1979, foram buscar inspiração em outras entidades que estivessem desenvolvendo um trabalho semelhante. Depois de algumas visitas e pesquisas, os profissionais conseguiram planejar e implementar um serviço de acolhimento que funciona a partir de “unidades familiares”. Trata-se de quatro casas-lares, com capacidade de oito a dez crianças/adolescentes por unidade, construídas em formato de um “L”, de maneira que duas casas sempre se encontram, pelos fundos, e as mães sociais podem se comunicar. Dessa forma, no interior de cada casa, há um espaço para as crianças/adolescentes, com quartos de dormir, banheiro e uma sala-cozinha-copa em conjunto e também uma porta, a qual separa este espaço daquele reservado à família biológica da mãe social. Durante o período em que a mãe social está trabalhando, a porta permanece aberta; quando ela está de folga, a porta permanece fechada. No espaço ocupado pela família da mãe-social, também há uma sala- cozinha-copa, dois quartos, um banheiro e uma saída separada, pela qual ela pode sair durante sua folga e também se comunicar com a outra mãe social47.

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Este breve histórico da Associação foi construído com base nas entrevistas realizadas com a diretora administrativa da instituição e também no texto

A Terra Nova fica localizada no quilômetro 02 da Rodovia SC- 283, numa área ampla e cercada por muito verde. A escolha por este local teve uma dupla motivação: que as crianças tivessem espaço para realizar suas atividades, mas que também ficassem próximas da cidade, com a vantagem de “ter acesso à inserção na comunidade”. “Então, a gente resolveu construir aqui não tão perto da rua, as pessoas que passam normalmente não veem o que acontece, mas perto suficiente para a gente poder se movimentar na cidade, mas dando uma proteção para as nossas crianças, poderem ser e viver do jeito que elas são e com a sua história, sendo ajudadas”, explica a diretora da Associação. De fato, quem transita pela estrada nem sempre percebe que ali está localizada uma instituição dedicada à proteção de crianças e adolescentes. Ela não lembra em nada a ideia que, em geral, se faz dos serviços de acolhimento institucional localizados nos centros urbanos. Somente ao cruzar o portão de entrada é que, aos poucos, se pode perceber o movimento das crianças entre as casas e também avistar a roda de chimarrão que vai sendo formada ao longo do dia pelas mães sociais, enquanto velam as brincadeiras dos pequenos. Em 2012, quando realizei minha pesquisa de campo, as quatro casas-lares acolhiam 36 crianças e adolescentes, atendendo duas comarcas (Mondaí e Itapiranga), cada uma comportando três municípios. Além dos serviços, mais comumente disponíveis nas casas-lares (atendimento psicológico e assistencial), a Terra Nova dispõe de oficinas de música e de informática e de um acompanhamento pedagógico permanente para as crianças e os adolescentes acolhidos, cujas atividades são realizadas em uma biblioteca localizada na própria Associação.

A transformação em abrigo, aos poucos, trouxe para os profissionais que trabalham na instituição uma série de questionamentos relacionados à chegada da maioridade dos adolescentes acolhidos, os quais lhes fizeram repensar sua forma de trabalho. Antes, pelo sistema antigo, eles haviam se acostumado com uma outra lógica de funcionamento, baseada na ideia de que as crianças retornavam para a casa dos seus pais, tão logo terminassem a oitava série. Era um acolhimento temporário e que tinha um desfecho certo: o retorno das crianças para a casa dos pais. A partir do momento em que se tornou um abrigo, tudo isso foi colocado em xeque, como lembra a diretora: “Agora, nós tínhamos um abrigo, para onde a justiça encaminha crianças e adolescentes para sempre, não tem férias escolares, tem a saída só se o

disponível no seguinte site:

processo andar. Então, nós tínhamos que redefinir toda a nossa forma de trabalho”. A estas mudanças, somou-se uma outra, que era crucial: a redução da maioridade no Brasil para 18 anos. Os profissionais não sabiam o que fazer com todos os adolescentes que haviam crescido na Associação e que começavam a atingir 18 anos. “O que fazer com eles?”, essa era a pergunta que todos começaram a se fazer diante do cenário que começava a ser desenhado, mesmo tendo em vista todo o investimento da Associação no retorno familiar. Com a chegada da maior idade, os casos de destituição do poder familiar e a redução das possibilidades das adoções tardias se tornavam ainda mais evidentes e demandavam urgência em termos de encaminhamento, como explica a diretora da Terra Nova:

Muitos deles [adolescentes] a gente conseguiu manter pelo sistema, porque a gente trabalhava antes o vínculo parental-familiar, e a gente conseguiu encaminhar para um tio, para a vó ou para um irmão mais velho. Às vezes, nesse decorrer do tempo, os pais estavam separados e um estava com a sua vida familiar novamente equilibrada, então, a gente inseria ali. Mas, de repente, começaram a surgir casos, onde o pátrio poder foi retirado e onde o contato familiar foi cortado. A idade era tão alta, que não havia abertura para ninguém adotar.

Diante desse cenário, e da forma como este interrogava os profissionais, teve início a busca por uma alternativa para a s ituação dos jovens que completavam 18 anos e ainda permaneciam na Associação. Assim como aconteceu com o projeto do abrigo em 2005, a criação da república lhes colocava um desafio ainda maior, como relata a diretora: “Quando a gente mudou para esse sistema aqui, eu sempre dizia assim: olha, eu sei o que nós fazemos; o que nós vamos fazer agora, eu não sei. Então, todo mundo é cobaia.” No entanto, mesmo sem conseguir fazer projeções do trabalho que teriam pela frente e dos resultados desse investimento, a diretora lembra que havia um objetivo claro e que para eles era incontornável: “ajudar os jovens que a Associação havia cuidado por oito ou dez anos”. A Associação, diante de todos os obstáculos postos pelo desacolhimento na maioridade, não poderia “colocar na rua”, os jovens que não tinham, segundo a diretora, chances de deixar a casa. Ainda que, na sua perspectiva, a família seja o mais importante (o investimento nos vínculos familiares), a Associação teria, de alguma maneira, que assumir esses jovens, mesmo que esta

responsabilidade já não fosse sua. Não fazer isso seria “desumano”, como argumenta a diretora:

Então, em cima disso, a gente decidiu: não vamos jogar eles para a rua. Isso, para mim, era coisa desumana, porque eu ainda acredito que a família é mais importante e que a gente tem que medir todos os esforços possíveis e impossíveis para manter esses vínculos. Porque, o que acontece com esses jovens que não têm vínculo nenhum? Se eu olho, hoje, o jovem, se perde o seu trabalho, se sua primeira e xperiência de trabalho não deu certo, você tem onde voltar, onde ficar, alguém que te motiva, alguém que te consola, alguém que vê junto para tentar consertar o que você fez. E esses jovens, a gente lava a mão porque não tem mais responsabilidade?

A inspiração para criar o projeto da república veio da experiência da Alemanha, a qual a diretora da Terra Nova tinha tido oportunidade de acompanhar em uma das visitas ao país. Ao pesquisar sobre o tema, a profissional descobriu que havia algo semelhante no Brasil: a república: “então assim, para não fazer uma coisa ilegal, nós tentamos ver o que existia no Bras il. Em uma pesquisa na Internet, nós buscamos alguns planos de trabalho de república do Estado de São Paulo, que tinha experiência, Minas Gerais também. Então, nós resolvemos adequá-la à nossa realidade”. Sem muitos recursos para alugar uma casa na cidade, onde esses jovens pudessem ser acolhidos, os profissionais resolveram aproveitar uma casa de madeira que já estava disponível na área da Associação para que os jovens, conforme a demanda, pudessem ocupá- la. Embora estivesse localizada no mesmo terreno das casas-lares, a República foi pensada para promover a autonomia dos jovens. Dessa forma, quando deixa a casa-lar para morar na república, o jovem passa a morar sozinho e, aos poucos, assume a responsabilidade das suas próprias despesas. Em 2012, quando estive em Mondaí, quatro jovens, acolhidos anteriormente no próprio abr igo da Associação, já haviam passado pela república. A diretora da Associação, naquele momento, já podia fazer uma avaliação dessas primeiras experiências, identif icando pontos nos quais eles precisavam melhorar, como, por exemplo, a inserção no mercado de trabalho e um maior investimento na visão de “perspectiva de futuro”.

Nesse ponto, antes de me dedicar mais detidamente sobre a república em Mondaí, gostaria de refletir sobre a emergência da noção

de contrato no campo de Proteção à Infância na França, em função da criação do Contrat Jeune Majeur, especialmente sobre como esta fornece elementos para pensar alguns aspectos da experiência de Mondaí. A aproximação das duas experiências me parece interessante uma vez que, por um lado, ambas parecem distantes (no contexto das políticas de proteção à infância e da própria assistência social) e, por outro, compartilham de algumas preocupações semelhantes. Na França, o futuro dos jeunes majeurs se tornou objeto da legislação de proteção à infância e à juventude francesa; no Brasil, é em função da ausência de uma legislação específica que surgem experiências alternativas como a Associação Terra Nova, preocupada em criar uma casa alternativa para acolher os jovens maiores de 18 anos. No entanto, assim como na França, a república em Mondaí aponta para os primeiros sinais de uma tendência nas políticas voltadas aos jovens maiores de 18 anos no Brasil (já difundida em outros países, como França e Alemanha) que seria a articulação entre proteção e contratualização. Em função desta, há todo um investimento para a responsabilização dos próprios sujeitos pela sua inserção social. E este acaba por se tornar um objeto privilegiado da tensão permanente no ato da proteção, a qual, segundo Bessin (2011), se inscreve entre um polo mais securitário e outro mais protecional: surveiller e veiller sur (vigiar e cuidar).

O Contrat Jeune Majeur emerge, na França, num contexto conformado por uma série de transformações (de ordem sobretudo legislativa) nas políticas de Proteção à Infância. A primeira destas, em 1974, refere-se ao rebaixamento da maioridade civil (de 21 para 18 anos), o qual acabou por provocar uma reviravolta nos modos de prise en charge das crianças protegidas pelos dispositivos de proteção à infância. Tal decisão política foi seguida da promulgação de dois decretos, que terminam por criar uma nova categoria jurídica: o jeune majeur (termo usualmente utilizado pelos administradores e pelos profissionais que atuam diretamente no acompanhamento desses sujeitos). Os jeunes majeurs são os jovens com idades entre 18 e 21 anos que apresentam dificuldades de inserção social por falta de recursos ou de um apoio familiar suficiente. Logo, é importante enfatizar que tal categoria não contempla apenas os jovens que, durante a infância e adolescência, foram acolhidos em serviços de acolhimento, mas sim todos os jovens que se encontram em situação de dificuldade de inserção. Para suprir os efeitos da redução da maioridade e das lacunas que esta deixou em termos da proteção e assistência aos jovens maiores de 18 anos é que surge a possibilidade de os próprios sujeitos demandarem a continuidade de uma medida que os proteja após a

maior idade. Em função da criação da categoria jeune majeur, surge também, na França, todo um novo “mercado de serviços” especializados, tais como os services de suite, com modos de funcionamento específicos tanto em termos educativos quanto materiais (GUIMARD, PETIT-GATS, 2011).

Para melhor compreender a experiência francesa, cabe retomar alguns pontos-chave sobre o funcionamento do sistema de proteção francês, o qual é organizado sobre dois eixos: um administrativo no âmbito do Departamento (Aide Sociale à l’Enfance – ASE) e outro judiciár io no âmbito do Estado (Protection Judiciaire de la Jeunesse – PJJ). Ambos, até 2007, eram encarregados de fornecer um apoio material, educativo e psicológico aos menores e suas famílias, quando estas são confrontadas por dificuldades que colocam em risco sua saúde, segurança, educação e seu desenvolvimento. Isso signif ica que os jovens de 18 a 21 anos poderiam se beneficiar, até aquele momento, de uma proteção por parte dessas duas instituições, obtendo um status administrativo ou jurídico de jeune majeur. No nível judiciário, esses sujeitos poderiam demandar uma Action de Protection des Jeunes Majeurs (APJM) e, no administrativo, estava a possibilidade do Contrat Jeune Majeur (CJM). É importante lembrar que essa proteção, através do APJM e do CJM, foi criada para amenizar os efeitos da redução da maior idade de 21 para 18 anos e se constitui como uma medida transitória para:

[...] palier les inconvenients que la loi entraîne pour les jeunes pris en charge par les services de protection [...]. Dans tous le cas il s‟agit d‟une mesure facultative: le jeune demande à faire valoir un droit qui peut lui être accordé, si le Juge des Enfants (JE) ou le Conseil Géneral (CG) selon les cas, estime cette demande motivée” (JUNG, 2010, p.11)48.

No entanto, em função de muitas reviravoltas no sistema de proteção francês, sobretudo em função da Reforma da Proteção da Infância em 2007, assiste-se a um desengajamento do Estado nos procedimentos civis e no apoio educativo oferecido, até então, aos

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“Amenizar os inconvenientes que a lei provoca para os jovens que são atendidos pelos serviços de proteção [...]. De todo modo, trata-se de uma medida facultativa: o jovem pede que se faça valer um direito que lhe pode ser acordado, se o Juge des Enfants (JE) ou o Conseil Géneral (CG), segundo o caso, avalia esta demanda como pertinente .” (tradução minha)

jeunes majeurs pela PJJ, a qual passa a se responsabilizar apenas pela ação penal. Diante de tal cenário, os Departamentos são confrontados com um aumento da demanda de proteção aos jeunes majeurs, uma vez que o recurso ao judiciár io se torna subsidiário e se justifica, como bem lembra Jung, apenas nos casos de fracasso da medida administrativa. Tendo em vista tais mudanças, a Reforma da Proteção Francesa tem suscitado uma série de debates, por parte dos profissionais, os quais se focalizam em dois aspectos: o “quadro contratual” e a “suspensão da prise en charge” (JUNG, 2010; GUIMARD, PETIT-GATS, 2011). No que se refere à suspensão da prise en charge, de um lado estão aqueles que defendem que a proteção aos jeunes majeurs deve ter fim aos 21 anos ou mesmo antes, uma vez que o prolongamento desta implicaria no risco de produzir os chamados “assistidos sociais”; de outro lado, há os que sustentam que o fim da proteção aos 21 anos seria prematura, tendo em vista a situação econômica, social e familiar do jovem. Para estes últimos, os jovens não estariam prontos e ainda precisariam ser protegidos.

Em relação ao quadro contratual, alguns observam que os limites postos por este, sobretudo o endurecimento destes limites nos últimos tempos, somados ao contexto econômico atual, tendem a inserir os jeunes majeurs numa lógica meritocrática, na qual a relação educativa se reduz a um trabalho normativo (GUIMARD, PETIT-GATS, 2010, p.116). Isso signif ica que, diante do aumento da demanda aos Departamentos (com o fim da Action de Protection des Jeunes Majeurs (APJM), a proteção aos jeunes majeurs se concentra no Contrat Jeune Majeur), os profissionais que trabalham diretamente com estes sujeitos avaliam que, no que se refere à atual concepção ou princípio de funcionamento do Contrat Jeune Majeur, há uma sobreposição das questões econômicas sobre aquelas de ordem educativa. E, seguindo tal lógica, aqueles que têm mais chance de contratar com os departamentos não são os jovens que encontram maiores dificuldades de inserção, mas sim, os que estão mais preparados, com um projeto consistente e os meios para a execução deste. “Le risque de la contractualisation du projet est de favoriser les jeunes qui possédent le plus de ressources et tenir pour responsables ceux qui n‟accèdent pas à une réussite sociale et professionnelle”49 (GUIMARD, PETIT-GATS, 2011, p.163).

Como forma de situar a análise da experiência da república em

49

“O risco da contratualização do projeto é de favorecer os jovens que possuem mais recursos e tomar como responsáveis aqueles que não acedem a um ê xito social e profissional”(tradução minha).

Mondaí, pode ser produtivo esclarecer mais alguns detalhes acerca do Contrat Jeune Majeur. A duração deste pode variar de um mês a um ano, sendo passível de renovação até que o jovem complete 21 anos de idade. Para que seja firmado, é preciso que os jovens cumpram uma série de “ritos administrativos”. O primeiro destes consiste em escrever uma carta endereçada ao inspetor da ASE, na qual o jovem deve justif icar sua demanda e apresentar o seu projeto escolar e profissional. Tais cartas são sempre manuscritas; algumas são elaboradas pelos jovens individualmente e em outras é possível perceber a intervenção do educador, o qual acompanhou o jovem durante o período de acolhimento. O segundo rito contempla a “avaliação da demanda”, efetuada por um assistente social da ASE e formalizada numa entrevista presencial. O terceiro remete à “assinatura do contrat”. Nesta ocasião, se fazem presentes diferentes protagonistas (o jovem, o profissional da ASE e o educador do foyer onde o jovem havia sido acolhido até a maior idade). A assinatura do Contrat é um “ato solene”, no qual é realizada uma última entrevista com o jovem e, consequentemente, a última avaliação por parte do inspetor da ASE. A assinatura do contrat marca, formalmente, o acesso do jovem a um outro status (jeune majeur), o qual vem acompanhado do anúncio do fim de certos privilégios próprios da minoridade (em especial o f im da obr igação de assistência), do acesso a novos direitos (direito de voto, segurança social, etc.) e do reconhecimento de certos deveres (declaração de impostos) (GUIMARD, PETIT-GATS, 2011, p.42).

O Contrat Jeune Majeur, com suas processualidades, coloca-se como um tema privilegiado para problematizar a tensão entre distintos pontos de vista (dos jovens, dos profissionais que trabalham nas diferentes instituições e também aqueles da ASE) acerca das políticas de proteção na França e do caráter contratual que estas têm assumido em relação aos jeunes majeurs. Essa tensão, evidenciada nos trabalhos de Nathalie Guimard e Juliette Petit-Gats (2010; 2011), assim como no de Céline Jung (2010), também pôde ser observada nas minhas visitas aos serviços de acolhimento dedicados ao acompanhamento dos jeunes majeurs50. A partir dos relatos dos educadores e diretores dessas

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A pesquisa de campo em Paris foi realizada junto a três estabelecimentos do

Centre Français de Protection à L'Enfance – CFPE (Re lais Alésia, La Villa

Jeanne e Les Nouveaux Cèdres), SOS Villages D'Enfants e Association Jean-

Cotxet (Foyer Educatif Amandiers -Bellevile).

O CFPE congrega seis diferentes tipos de estabelecimentos que se ocupam de proteger e acolher crianças e adolescentes, dentre os quais selecionei três, tendo

instituições51, foi possível perceber o quanto tal tensão também vai

sendo alimentada em função da posição ambivalente que o jovem