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NICOLE: “A GENTE NÃO TEM COMO ESQUECER, MAS EU NÃO GOSTO DE LEMBRAR”

EXPERIÊNCIAS DE “CUIDADO”: CIRCULAÇÃO E DEVIR “Vais encontrar o mundo, disse-me o meu pai, à

2.5 NICOLE: “A GENTE NÃO TEM COMO ESQUECER, MAS EU NÃO GOSTO DE LEMBRAR”

“Todo mundo disse que eu ia ficar uns dois, três dias lá para depois sair... eu saí no mesmo dia”. Essa foi a primeira lembrança da Nicole logo que lhe perguntei sobre o dia da sua saída da casa-lar. Ela sabia que não f icaria nem mais um dia depois da realização da audiência, em que ela e o pai firmaram o desejo de viver juntos depois de seis anos sem se ver. Era uma terça-feira, dia 27, que ela jamais esquecerá pois, no dia seguinte era o seu aniversário e o desacolhimento foi seu “presente antecipado”. “Foi tudo! Imagina, tava no abrigo num dia e no outro em casa. Ao contrário das outras jovens que participaram da pesquisa, a Nicole permaneceu na casa-lar por apenas três meses e 27 dias, os quais, para ela, foram sentidos como longos anos. Mas antes de ir para a casa-lar, a jovem também passou pela Casa de Passagem, um mês e 16 dias, uma experiência que para ela foi “horrível”. O desacolhimento foi muito esperado pela jovem, tanto que cada dia que passava foi contado com precisão e nem mesmo seus amigos da casa-lar acreditaram que ela sairia tão rápido quanto imaginava. “Daí, nesse dia eu já tava adivinhando, eu disse que eu ia sair de lá. Ninguém acreditou em mim. Daí eu me despedi de todo mundo. Nesse dia, à noite, a jovem finalmente havia chegado na primeira casa em que morou com o pai, no balneário Ingleses, Florianópolis, logo que deixou a casa-lar. Essa era uma casa menor do que aquela em que estão hoje, só tinha um

dormitório, o qual o pai precisou dividir para fazer um quarto para a filha. Ter um quarto para a adolescente foi uma das condições impostas pelo juiz ao pai para que este pudesse levá-la para viver com ele. “Era tipo um quarto grandão, daí o meu pai dividiu, daí fez um quarto para mim pequenininho. Daí a gente saiu de lá e veio para cá. Ele já tava trocando de casa”.

O meu primeiro encontro com a Nicole estava agendado para uma quinta-feira, às 10h da manhã. Ela tem escola à tarde e, por isso, uma “condição” que o pai dela me colocou foi de que nossos encontros fossem sempre pela manhã, para que ela não perdesse aula. O pai é pedreiro e não teve a oportunidade de completar o ensino fundamental e talvez por isso ele tenha o estudo como um valor. Pai e filha já estavam morando num pequeno apartamento no Rio Vermelho-SC. Trata-se, na verdade, de uma casa grande que é subdividida em pequenos apartamentos e o deles é o primeiro no andar térreo. A Nicole tem 17 anos e é uma jovem sorridente, filha única, com cabelos loiros e, como ela mesma diz, é totalmente a cara do pai. A jovem fala muito em ser independente, em não ter que depender do pai para fazer as coisas, de poder ter um emprego para se virar sozinha. O pai da jovem, por outro lado, não quer que ela trabalhe por enquanto, acha que ela precisa primeiro estudar e por isso investe nos estudos dela. É possível dizer que a Nicole se encontra numa outra condição em relação às jovens que participaram da pesquisa. Ela é mais nova, ainda está estudando, pretende fazer faculdade e é dependente financeiramente do pai. Liberdade e autonomia são valores centrais para a jovem e por isso os estilos de vida que ela vai construindo são, na maioria das vezes, pautados por esses. Nesse aspecto, ela se aproxima das duas jovens de Porto Alegre (como pretendo mostrar na sequência), cujas experiências são fortemente marcadas pela conquista da independência e pela liberdade de poder fazer suas escolhas e, portanto, numa maneira geral de conduzir suas próprias vidas.

A Nicole, ao contrário das outras jovens, nunca falou exatamente sobre os motivos que culminaram no seu acolhimento, embora tenha me dado pistas de que enfrentava problema com o padrasto e, posteriormente, com sua fuga junto com o namorado da sua prima. É importante esclarecer que a jovem é egressa da Casa de Acolhimento Darcy Vitória de Brito, instituição na qual eu tive acesso aos prontuários dos adolescentes que haviam sido desacolhidos. Então, de certa forma, conheço a versão “institucional” do seu acolhimento; no entanto, como na presente pesquisa pretendo ouvir os sujeitos e as maneiras como constroem seu modo de vida, penso que devo compartilhar com o leitor

aquilo que a própria jovem desejou relatar em nossos encontros. Até mesmo porque não apenas o dito, mas sobretudo os silêncios e as lacunas acerca de determinadas experiências nos informam de uma maneira importante sobre o que a jovem pode enquanto sujeito. E isso ficou muito evidente para mim, em dois momentos durante os nossos primeiros encontros. Primeiro, quando ela me contava sobre suas mudanças de cidade e seu desejo de conhecer mais estados, uma vez que já havia visitado São Paulo e havia adorado a experiênc ia. Quando lhe perguntei de onde havia surgido essa oportunidade de conhecer a capital paulista, ela prontamente me respondeu: “com a minha prima”. E eu continuo: “antes de ir para a casa-lar?”. E a jovem completa, mostrando seu incômodo e preocupação em relação a uma possível public ização dos motivos que a levaram para a casa-lar: “Tipo assim, aconteceu umas coisas lá comigo, que você já sabe ou não? Você não sabe? Ah tá. Eu pensei que todo mundo sabia. Porque daqui a pouco todo mundo vai saber e daí vão me chamar de putinha”.

O segundo momento foi quando, ao narrar sua experiência de acolhimento, a jovem fez questão de dizer que não gostava de psicólogas, porque, para ela, falar sobre a sua própria vida é uma experiência horrível. “Não gosto de psicóloga. Tem que ficar falando da vida própria é horrível. Tipo agora eu tô falando com você, mas é depois do abrigo e não antes, porque eu fui para lá. Porque eu não gosto de falar disso, não gosto de me lembrar. A gente não tem como esquecer, mas eu não gosto de lembrar”. O encontro com a psicóloga funcionava como um acionador de memórias que ela não pretendia negar, mas tampouco desejava pensar sobre elas e como elas haviam mudado sua postura diante da vida. “No primeiro dia, eu chorei, porque tinha que falar tudo. Daí eu não gostava de lembrar, eu gosto de guardar para mim o que aconteceu comigo. Mas mesmo assim vem na minha cabeça, mas isso é normal. Não tem como sair da minha cabeça. É difícil afastar da gente. Ninguém consegue. Eu prefiro mais lembrar das coisas boas, quando eu saí do abrigo só aconteceram coisas boas”. Para a Nicole, mais do que recontar sua história, a partir da sua experiência prévia ao acolhimento, ela gosta de pensar na superação de tudo que passou e construir sua vida a partir do momento que foi desacolhida, ainda que essa seja uma tarefa um tanto pesada. “Se eu não superasse, eu ia ficar sem destino. É o que eu mais quero, ficar não lembrando. Mas assim mesmo vem na minha cabeça. A coisa mais horrível é ficar lembrando da situação, ficar lembrando se podia fazer diferente, poderia ter feito coisas que eu não fiz, mas na hora eu não pensei. Na hora que eu era para ter tido coragem, eu não tive. Eu era muito imatura”. Diante dessas

duas situações, me pareceu ainda mais evidente que, para que a minha “invenção”, nos termos wagnerianos, acerca das suas experiências, em algum momento, viesse a se encontrar com a “invenção” dela, eu deveria estar mais atenta aos aspectos que para ela de fato aparecessem como relevantes. E para a jovem, contava muito mais falar sobre seu processo de amadurecimento e mudança, do seu vir a ser, e como ela podia se ver, hoje, em relação àquelas experiências. “Na minha avaliação, do ano passado até agora, que isso aconteceu ano retrasado, eu acho que eu tô mais madura, porque antes eu não era assim. Era tipo bem frágil. Aquela menina frágil que precisa de todo mundo do seu lado, um braço forte, uma pessoa adulta. Agora, eu não preciso de nada disso. Eu sei que sou por mim mesma. Só não sou madura totalmente, porque eu ainda não sei as consequências da vida...”.

Dessa forma, acerca do dito, é possível entender que antes do acolhimento, a Nicole morava com a mãe e o padrasto e havia mudado algumas vezes de bairro (ora em Coqueiros, ora no Centro) e até mesmo ido para o município de São José. A jovem nasceu no Rio Grande do Sul e, quando tinha quatro anos, ela se mudou com os seus pais para Florianópolis. Segundo ela, a mãe desejava se mudar para Florianópolis, mas o pai queria permanecer no Rio Grande do Sul. “Tava até tudo bem lá no Rio Grande, quando chegou aqui... piorou tudo”. Foi então que, quando ela tinha nove anos, depois de uma grande briga entre o casal, o pai da Nicole saiu de casa. “A minha mãe ficava gritando que ele batia nela, mas ele nunca bateu, nem encostou a mão dele nela. Uma vez que ele bateu mas foi... porque ela merecia! É verdade, ela merecia! Tá louco!”. A jovem lembra que o pai não queria sair, mas acabou deixando a casa depois que os tios da Nicole o obrigaram.

Depois que o pai saiu de casa, a Nicole nunca mais o viu, porque, segundo ela, a mãe a privava desse contato, sobretudo depois que passou a viver com o seu padrasto. “Foram muitos anos, muitos aniversários, ano novo, tipo nos meus aniversários, eu queria tanto que o meu pai estivesse lá. Como ele ia estar se a minha mãe privava ele disso? E o meu padrasto ajudava, ainda”. A jovem não gosta do padrasto desde o primeiro dia em que o conheceu, pois, como ela mesma diz, ele soube transformar a sua vida num verdadeiro inferno. “Acho que foi quatro anos aturando aquela coisa lá, brigando comigo, tá louco! Se ele for para onde eu estava morando ele vai ser varrido de lá. Apanha para caramba. Aquela coisa lá, que fez mal para mim”. A convivência com o companheiro da mãe a cada dia se tornava ainda mais insuportável a ponto de a jovem ter, por vezes, pensado em fugir de casa, mas como não tinha para onde ir, acabava desistindo da ideia. “Eu pensava em

fugir, mas para onde? Não tem como. Se os meus parentes não estão nem aí para mim, para onde que eu ia? Para debaixo da ponte?”. Sem contato e notícias do pai e com cada vez menos esperança de reencontrá- lo, Nicole se viu sem saída numa teia que parecia estar sendo tecida pela própria mãe para afastar pai e filha. “Ele tinha o telefone da minha mãe, ligava para mim, ele queria me ver, mas a minha mãe não deixava, inventava um monte de desculpas, daí no outro dia falava que ele ia me pegar lá e não ia me pegar. Ele não sabia que ela tinha falado isso para mim. A esperança de ver ele de novo foi embora. Na minha vida, eu não tinha expectativa de nada. Eu ia estudar e voltava lá para aquela casa, porque eu não podia sair”.

Enquanto morava com a mãe, a Nicole quase nunca saía de casa, passava boa parte do tempo envolvida com os afazeres domésticos e mal tinha tempo para estudar. Ela não sabia andar de ônibus, era um “bicho do mato”, como ela mesma diz, só pegava ônibus com a mãe ou os parentes, “eu não saía muito, era mais em casa enfurnada”. A jovem conta que sua mãe, por não ter estudado, hoje trabalha numa empresa de limpeza. Já o seu próprio futuro ela pretende construir de uma maneira totalmente diferente. “Ela não se formou, então, é bem difícil pegar trabalho para quem não estuda, por isso que eu quero me formar. Eu não quero ser igual a ela”. E esse emprego no centro de Florianópolis, a mãe havia conseguido depois que elas tinham se mudado para a residência em Coqueiros. Segundo a jovem, a mãe teria se “esforçado um monte” para conseguir essa oportunidade, mas isso acabou afastando ainda mais as duas, porque, em função do trabalho, a mãe não lhe dava atenção. “Por isso que se eu voltasse atrás, eu não queria que ela trabalhasse. Eu podia trabalhar, mas ela não podia. Se ela não trabalhasse ia ser bem melhor”. Devido ao trabalho, a mãe passava o dia fora de casa, só retornando no fim do dia; nos fins de semana, quando tinha folga, as dificuldades na relação entre mãe e filha pouco se alteravam. “Se ela trabalhasse ou se ela não trabalhasse, ela tinha o mesmo tratamento”. E essa relação entre as duas, segundo sua avaliação, vem mesmo de antes do seu nascimento. Na época, a mãe teria feito tratamento para engravidar da Nicole e o parto foi marcado por complicações, as quais colocaram em risco a vida das duas. Para a jovem, esse teria sido o motivo pelo qual a mãe não lhe deu valor até agora. “Eu acho que ela botou na cabeça que eu seria a causa da morte dela. Porque ela já não podia, daí teimou em fazer esse tratamento”. Mesmo que a mãe nunca tenha lhe dito nada nesse sentido, a Nicole diz que podia sentir isso no modo de agir da mãe com ela e também muito em função do que o pai lhe conta sobre a época em que viviam os três juntos. “Ela não era tipo

uma mãe cuidadosa, essas coisas. É o que o meu pai mais fala. Eu não sei de nada”. No entanto, quando insisto com a jovem que, depois que o pai dela havia deixado a casa, ela ainda pôde conviver alguns anos com a mãe e talvez isso lhe ajudasse a fazer sua própria avaliação, ela reitera a posição do pai, mas permanece em dúvida: “a mesma coisa que ele falou. Minha mãe não cuidava de mim. Ele tinha que chegar para me trocar, me dar banho, senão, se deixasse, eu ficava chorando até ele chegar lá. Eu não sei se é verdade, eu não lembro de nada, eu era criança”. Mas ela conseguiu lembrar que, depois da partida do pai, as coisas ainda pioraram, pois ela era mais “grudada” com ele do que com a mãe e por isso justamente é que a filha sentiu a falta dele quando ficou com nove, dez anos.

A prima da Nicole foi a primeira pessoa que ficou com a sua guarda, quando a jovem saiu da casa da mãe. A prima não era muito mais velha que a Nicole, mas, por ser maior de idade, pôde assumir essa responsabilidade. No entanto, a Nicole relata que, na verdade, era o namorado da prima quem mais queria ficar com a sua guarda, mas isso acabou não acontecendo, pois ela se desentendeu com a prima e acabou fugindo da casa, localizada no balneár io Ingleses (Florianópolis). Ficou 15 dias perambulando pela rua, dormia escorada e comia com a ajuda das pessoas que encontrava pelo caminho. Depois disso, a jovem foi levada para a Casa de Passagem que, segundo ela, foi a pior exper iência da sua vida, sobretudo, porque se lembra de ter apanhado muitas vezes. “Tinha que pegar fila para tudo, tinha que acordar na mesma hora e, quando não acordava, a mulher chegava e gritava. É horrível. Eu também apanhei muito. Fiz acho que uns três B.Os (Boletim de Ocorrência)”. Numa das ocasiões em que foi necessário registrar o boletim de ocorrência, a jovem lembra que uma das meninas que morava na instituição veio para cima dela e a ameaçou com uma gilete. “A menina pegou aqui no meu pescoço, ainda bem que uma educadora lá foi para cima dela, mas me cortou só aqui, nem tenho mais a marca, foi nesse dedo aqui”. Ela permaneceu na Casa de Passagem durante um mês aguardando vaga em uma casa-lar, para ser transferida. Nesse período, alimentava a esperança de que algum conhecido a tirasse de lá, antes mesmo de ela ir para outro abrigo. “Eu sempre ficava lá toda hora, olhando para os ônibus para ver se tinha algum conhecido, e nada, nada...”. Foi na Casa de Passagem que ela recebeu pela última vez a visita da mãe; depois disso, as duas não se reencontraram, até mais recentemente. Depois da Casa de Passagem, a jovem foi encaminhada para a Casa de Acolhimento Darcy Vitória de Br ito, cuja experiência foi um pouco melhor do que a vivida anteriormente, mas, ainda assim, ela

diz que se sentia muito presa e controlada. “Eu já fiquei presa na minha vida toda, eu não queria passar por isso novamente. Eu acho horrível isso”. Embora a casa-lar fosse próxima do centro de Florianópolis e, portanto, perto de tudo, ela não podia ir a lugar algum que não fosse da escola para a instituição de acolhimento. “Eu era controlada e não podia ir para nenhum lugar. Não gostava de lá. Eu não gosto de ser controlada. Eu gosto de fazer o que eu quero, quando eu quero. Eu não podia namorar, não podia ter celular, não podia sair, tinha que ir do colégio para o abrigo e só”.

Durante o tempo em que ficou na casa-lar, não fez muitas amizades. Segundo ela, ficou próxima de duas ou três meninas, mas como ela aprendeu a não se apegar às pessoas que conhece, ela não sofreu com a separação e tampouco sente vontade de retornar à casa-lar para visitá-las. “Amigas a gente faz sempre, né? Em qualquer lugar que a gente vai, a gente faz amigas. Eu não sou muito apegada, para eu me apegar à pessoa, eu tenho que ver se a pessoa é legal, importante, essas coisas, se não for...”. Para a Nicole, os abrigos servem para manter as crianças e adolescentes, durante um tempo, longe dos parentes e de todo perigo, mas no seu caso, a intervenção teria sido desnecessária pois ela não estava correndo nenhum perigo. “Eu sei me virar. Eu não sou tão frágil assim quanto eles pensam, mas eles querem proteger de tudo, então, eu não posso fazer nada. Eu fui obrigada”. A experiência de ter passado três meses na casa-lar foi horrível e, por isso, caso o pai não a tivesse levado para morar com ele, ela teria fugido, mesmo sabendo das dificuldades enfrentadas para tal empreendimento. “Eu não ia ficar mais nenhum minuto. Eu tinha pensado até em fugir de lá, porque só ficar no abrigo, fica depressivo, né? Porque não sai para nenhum lugar e se sair tem que ser bem planejado, é muito ruim. Eu saía muito poucas vezes. Todo mundo que tava lá já fugiu de lá e voltou. Eu tava até pedindo umas ajudinhas.” No entanto, ela sabia que a fuga implicaria ter um lugar para onde ir e também, depois que soube que o pai iria buscá-la, ela desistiu da ideia. “Mas também se a gente fugir tem que saber aonde a gente vai. Se eu fosse para os meus parentes, eles iam me dedurar com certeza, eles já não gostam de mim, para que ficariam me acobertando? E também depois que eu soube que o meu pai tava lá, daí eu não quis mais aprontar”.

Na casa-lar, a Nicole, assim como outras “egressas” que participaram da pesquisa, também teve a chance de ser adotada por uma mulher que já tinha dois filhos e que ia até a casa-lar acompanhando uma amiga que tinha uma irmã acolhida na instituição. A jovem entendia a adoção, naquele momento, como talvez a única possibilidade

de deixar a casa-lar e ter uma vida nova, de conhecer coisas que ela não conhecia. Ao mesmo tempo, nunca chegou a acreditar de fato nessa possibilidade, sobretudo porque para ela só havia uma família, aquela que ela já conhecia e que era marcada pela consanguinidade. “Tinha uma mulher que queria me adotar, ela viu a minha situação e tudo, mas ainda bem que o meu pai chegou a tempo. Mas eu nunca pensei que eu ia ser mesmo adotada, a possibilidade de ter uma outra família que não seja do meu sangue. Daí, ela viu que o meu pai tava lá, daí eu acho que ela parou de pensar nisso. Também eu não queria ser adotada”. Quando a jovem diz que não pensava em outra possibilidade de ter família que não fosse aquela do seu próprio sangue, ela está nos informando sobre o