• Nenhum resultado encontrado

OLÍVIA: “OU O ESTADO ME SUSTENTA OU DEIXA QUE EU ME VIRO!”

EXPERIÊNCIAS DE “CUIDADO”: CIRCULAÇÃO E DEVIR “Vais encontrar o mundo, disse-me o meu pai, à

2.7 OLÍVIA: “OU O ESTADO ME SUSTENTA OU DEIXA QUE EU ME VIRO!”

A primeira tentativa de reencontrar a Olívia se deu via Facebook simultaneamente ao contato com as outras jovens egressas que moram no Rio Grande do Sul. No entanto, ao contrário do que aconteceu com a Nina, por exemplo, a Olívia estava sem disponibilidade de horário para uma visita, uma vez que estava trabalhando o dia todo, inclusive nos fins de semana. Ainda durante a pesquisa do mestrado, fiquei sabendo, através da mãe social da Casa-Lar Adventista, que a Olívia e mais duas jovens egressas do Lar de Nazaré haviam sido encaminhadas para uma casa-lar, cuja mãe social já havia trabalhado como auxiliar na Casa- lar Adventista. Mas depois desse período, entre 2005 e 2006, não tive mais notícias suas, a não ser algumas informações via redes sociais (sobretudo fotografias), as quais pareciam sinalizar que a jovem ainda estaria morando com a família da mãe social e participando das atividades da Igreja Adventista. Mas estas eram apenas pistas, talvez até mesmo desatualizadas, acerca dos seus modos de vida após o desacolhimento.

Diante do insucesso dessa primeira tentativa de reencontrar a jovem, cheguei a pensar em desistir de retomar este contato, uma vez que já estava pesquisando um grande número de experiências. No entanto, o caso da Olívia tinha um diferencial que merecia um novo investimento: 1) Eu a conhecera numa casa-lar, coordenada por freiras, cujas atividades haviam sido suspensas devido à indisciplina das adolescentes e após esse desacolhimento, digamos forçado, estas foram distribuídas emergencialmente por diferentes instituições. 2) Mesmo após completar 18 anos, a Olívia permaneceu morando com a família da mãe social, sendo assumida como filha. Diante desses fatores, passado um tempo, retomei o contato com a jovem, ainda via Facebook, explicitando o fato de estar realizando uma pesquisa com jovens que haviam passado por serviços de acolhimento e consultei-a sobre sua

disponibilidade para participar quando eu retornasse a Porto Alegre. Nossos encontros, ao contrário do que aconteceu com todas as outras jovens que participaram da pesquisa, não se deram na sua casa, mas sim em um bar próximo ao Hospital Santa Casa, local onde a jovem estava trabalhando na época. Nós nos encontrávamos à noite, após o expediente de trabalho da Olívia, numa região bem conhecida e central de Porto Alegre. A Olívia é uma jovem negra, de estatura mediana, extremamente comunicativa e que dificilmente passa despercebida nos lugares por onde circula. Sua fala sempre num tom alto é acompanhada de uma riqueza de gestos e expressões e de fartas risadas. Assim como a Nina, ela também fuma muito e o cigarro entre os dedos complementa a sua performance enquanto fala em detalhes e sem “papas na língua” sobre suas experiências familiares, de abrigamento e de afetos. Ela diz que faz e que acontece, é “goeluda”, “barraqueira”, mas se esforça para poder ajudar os outros e para se virar.

Há pouco tempo começou a suspeitar sobre sua história familiar. Ao contrário do que havia acreditado por toda a sua vida, a sua irmã era a sua mãe que, por não ter condições de criá-la, entregou-a para a sua avó. Nessa circulação, a avó se tornou a mãe e a bisavó assumiu o lugar da avó. Depois do falecimento da avó (que seria a mãe), a bisavó teria ficado com a sua guarda e também com uma pensão, da qual a jovem só tomou conhecimento em 2011. A Olívia começou a desconfiar de que sua irmã era de fato sua mãe quando o seu irmão (que seria seu tio) insistiu para que a jovem mantivesse contato com esta. Mesmo se mostrando pouco interessada na manutenção desse laço, uma vez que para ela seria uma nova frustração saber que a mãe tinha se passado por irmã sem nunca tê-la apoiado, ela decidiu se reencontrar com a irmã que havia permanecido um tempo presa. “Eu chego lá, a mulher é idêntica a mim, jeito, personalidade, falou tá falado, entendeu? E tu sabe quando tu sente uma coisa. E eu nunca senti com ninguém. E daí, eu bati o olho assim, só que eu não me flagrei na hora. E daí comecei a pensar, pensar. Alguma coisa tá errada”.

Mas mesmo tendo dúvidas em relação ao desfecho dessa circulação, ela diz não ter curiosidade sobre sua paternidade, porque, nos momentos em que ela mais teria precisado de uma mãe, a sua esteve ausente: “Os momentos que eu mais precisei de uma mãe, eu nunca tive: primeira menstruação, primeiro amor, primeiro tema...”. No lugar da mãe, ela conviveu com a figura da avó ou bisavó que novamente introduziu, por outras tantas vezes, a jovem na prática da circulação de crianças. “A minha avó me deu desde pequena, com quatro ela já me deu, com nove eu voltei e ela me colocou para estudar”. Conforme os

relatos da Olívia, a avó sabia que ela era o terror e, por isso, fazia terror com ela também. E foi por pensar que a jovem estaria, já com nove anos, envolvida com um traficante e correndo o risco de ficar grávida que a avó acabou a “entregando” para o Conselho Tutelar. Na presença do conselheiro, a Olívia, numa atitude próxima à da Clar issa, implorou para ser levada para qualquer lugar, mesmo um abrigo, desde que não precisasse mais conviver com avó: “Me leva para qualquer lugar longe dessa velha! Essa velha é louca! Essa velha já desgraçou a minha vida e olha, tio, que eu só tenho nove anos. Imagina daqui a 10 anos, tio”.

Por solicitação da avó ou mesmo por vontade própria, a Olívia acabou sendo levada para uma casa de acolhimento que funcionava em condições precárias na rua Miguel Tostes, em Porto Alegre. Numa casa “caindo os pedaços”, na qual “faltava luz todos os dias”, foi onde a Olívia permaneceu por um ano e seis meses até que o juiz percebeu que o perfil da jovem não correspondia ao da instituição, ali definitivamente não era o lugar dela. “Quando o juiz descobriu, quando pegaram os papéis da mãe e descobriram que eu tava lá, o meu perfil... Porque casa de acolhimento é o quê? Abusados, drogados e a Olívia não tinha nada disso. A Olívia simplesmente não tinha família. Tudo bem que com oito anos é difícil ir para adoção, mas ali não era o lugar dela”. Interessante observar a maneira pela qual a jovem vai construindo aquilo que ela pode enquanto sujeito, na medida em que também procura caracterizar o papel dos serviços de acolhimento como lugar para abusados e drogados. Ela simplesmente não tinha família, mas o que isso quer dizer? O que isso nos diz sobre aquilo que ela pode ser? Seria possível pensar que, em relação aos casos de acolhimento, o seu não parecia se configurar como um problema, como sugere a palavra “simplesmente”. Ou ainda, que não seria motivo suficiente para uma intervenção como esta.

Foi então que a Olívia, aos 13 anos, foi transferida da casa de acolhimento para o Lar de Nazaré71, o qual abrigava somente meninas (seis) e ficava localizado na zona sul de Porto Alegre. Tratava-se de uma pequena casa de alvenaria localizada no mesmo terreno de uma casa de formação de freiras, as quais administravam a casa-lar e ajudavam no

71

Os motivos que levaram ao encerramento das atividades da casa-lar até hoje não ficaram e xatamente ou oficialmente esclarecidos, mas as informações que pude obter na época, em 2005, através da assistente social da instituição, é que as “freiras não conseguiam dar conta da indisciplina das meninas”, em especial nas “situações de surto de algumas adolescentes que precisavam ser medicadas”.

cuidado e formação das adolescentes, juntamente com uma as sistente social. A Olívia diz não lembrar de as freiras terem conversado previamente com as adolescentes sobre o fechamento da casa-lar e que, portanto, recebeu a notícia com grande surpresa depois de retornar de um fim de semana fora da instituição. “A Laurem chegou bem assim para mim: as irmãs falaram um negócio para nós, que a casa vai fechar”. Para a jovem, os motivos para tal desfecho também nunca ficaram muito claros, mas ela suspeita que as irmãs não conseguiam conviver com os hábitos das adolescentes, sobretudo no que se refere à questão da sexualidade. “Eu saía, mas só que assim, eu ia para a casa da Michele, depois eu ia para a casa-lar e assinava, só que claro, a Laurem pulava o portão, a Janice chamava os homens para a frente do portão, as irmãs não aguentaram, porque elas eram freiras!”

A Olívia lembra também das situações em que as irmãs iam jantar com os padres que moravam numa residência próxima e que todas as adolescentes iam para a janela gritar. “Mas só um pouquinho, vocês vão putiar e a gente não pode! Só vocês podem! Irmã!! Guria, elas não aguentaram!” No dia em que deixou a casa-lar, foi tudo muito rápido, a jovem conta que não teve tempo para nada, nem mesmo para chorar. Todas apenas pegaram as suas coisas e foram encaminhadas para a família, ou para uma outra casa-lar que, até o momento, não existia pois não havia vaga para todas. Um dos funcionários da Fundação de Assistência Social e Cidadania de Porto Alegre, na época, entrou em contato com a dona de uma creche e pediu que ela conseguisse acolher as adolescentes o mais rápido possível: “Ele largou nas mãos dela e falou: é o seguinte, não tenho onde colocar as quatro meninas. Era período de férias da creche e, por isso, ela cedeu o salão para a gente ficar durante um mês”, lembra a jovem. E, aqui, mais uma vez emerge muito claramente a questão da temporalidade, ou melhor, da dif iculdade em conjugar o tempo dos sujeitos e aquele das políticas públicas, marcado pela urgência em garantir, no limite, os direitos do sujeito, sem, no entanto, ter em vista a dimensão vivencial destes. Em termos de intervenção, havia apenas um problema (o que fazer com as adolescentes que haviam sido desacolhidas) e um único caminho para solucioná-lo (buscar uma outra instituição o mais rápido possível). Quando a jovem diz que não houve tempo “nem para chorar”, ela torna evidente que não só elas não haviam sido informadas sobre a mudança, como esta estava baseada apenas na pressuposição daquilo que elas poderiam desejar enquanto sujeitos. O que era para ser provisório, por no máximo um mês, acabou se estendendo por seis meses, tempo suficiente para a Olívia começar a pensar que poderia, a partir daquele

momento, se virar sozinha, uma vez que havia descoberto a pensão deixada pela sua avó. “Foi onde eu comecei a pensar que eu tinha dinheiro, eu bem assim: não, eu vou sair daqui, né? Eu vou alugar uma casa para mim. Só um pouquinho, ou eu dependo do Estado ou eu não dependo de ninguém! Ou o estado me sustenta, ou deixa que eu me viro!”. Antes mesmo de sair da casa-lar, a jovem foi avisada da existência da pensão que, até então, segundo ela, já havia rolado na “mão de deus e todo mundo” e por isso ela já havia perdido não só dinheiro, mas muito tempo. Para a jovem, a condição de assistida e de dependente só seria mantida caso fosse em relação ao Estado. Ela aceitara, num primeiro momento, as condições da assistência, sobretudo o controle, uma vez que estas eram postas pelo Estado e consequentemente ela tinha uma expectativa nessa relação: ela assumia as condições da assistência e em troca era sustentada pelo Estado. Quando se viu independente desse ciclo de reciprocidade, ela optou por poder sustentar a si mesma e manter a sua liberdade. Nesse momento a jovem estava diante da possibilidade de conduzir sua própria vida.

Passados seis meses, novamente as adolescentes foram transferidas para uma outra casa-lar, dessa vez uma família acolhedora, com a presença de uma mãe social. Tal experiência não teve muito sucesso, segundo a Olívia, porque a ONG responsável pela casa colocou um casal de pais com uma criança de um ano para conviver com quatro adolescentes. Começou a se travar uma espécie de guerra familiar, da qual participavam a Olívia, a mãe social e seu companheiro e mais uma das adolescentes que havia deixado o Lar de Nazaré. “A Nathalia e o cara fizeram uma amizade assim de pai e f ilho da noite para o dia. Eu para chamar alguém de mãe e pai tem que ter, como eu não tive, não é qualquer uma. E a mãe social fazia todas as vontades da Nathalia. Ou seja, a Nathalia botava pilha neles para vir contra mim”. A convivência era de “guerra total” entre os quatro e as outras adolescentes permaneciam de fora. Até que um dia, a Olívia quebrou um dos vidros da casa jogando bola e tal ato, segundo ela conta, teria levado o companheiro da mãe social ao surto, dizendo-lhe tudo aquilo que ela mais detestava ouvir. “Porque tu, nem mãe tu tem! Tu é merda nesse mundo! Eu tive que largar todo o meu conforto para vir te criar”. Mas como ela sabia que ele não poder ia encostar nenhum dedo nela, pois ela estava sob a custódia do juiz, ela retrucou as ofensas e provocou ainda mais a ira dele: “Por que tu não vem bater em mim? Bate em mim! Pois é, eu sou tão merda que, através da bosta que eu sou, tu recebe!”. Em função ou não das brigas, o casal terminou por se separar e as atividades da casa-lar aos poucos foram tendo fim. A mãe social tentou ainda, por

algum tempo, continuar sozinha cuidando das adolescentes, mas, como lembra a Olívia, ela “não teve pique para aguentar sozinha”.

Nisso, um outro casal assumiu a casa-lar, Alexandre e Mir iam, que acolheram as quatro meninas – em especial a Olívia, que eles têm até hoje como filha. Mas essa relação parental entre o casal e a jovem não foi estabelec ida logo, porque inicialmente a Olívia havia se apegado à primeira mãe social e demorou para chamar a Miriam de mãe. “Eu lembro que ela falava bem assim para mim, brincando, quando eu falava que eu queria cereal de café: só vou te dar se tu me chamar de mãe. E eu bem assim: pois então, eu não vou comer, porque eu não vou te chamar de mãe. E saía andando. Quando eu voltava, o cereal tava no prato. Então, era difícil, mas depois pegou, tanto que até hoje ela é minha mãe”.

Em relação às amizades que fez durante o período de acolhimento, a Olívia diz que apenas a Laurem foi e permanece sendo sua amiga. Ela deixou a casa-lar da Miriam e do Alexandre antes mesmo de completar a maioridade, porque desejava voltar a morar com a sua mãe, mesmo que esta se encontrasse em difícil situação financeira. A Olívia ajudou a mãe social a entender que era importante respeitar a vontade da Laurem, porque, por mais que ela reconhecesse a mãe social como mãe, ela fazia isso mais por obrigação, pois, na verdade, ela queria “a mãe dela”. “A partir do momento que ela fala para ti que ela quer passar fome com a mãe dela, porque ela sabe que quando ela sair daqui ela vai passar por isso, então deixa ela ir. Aproveita que ela está estudando, que ela pode fazer um estágio, ela pode mudar a vida dela, que é o que a Laurem fez”, lembra a Olívia, não só enfatizando o potencial de agência da amiga, como especialmente, a emergência de outra possibilidade de vida.

A Olívia foi uma das poucas jovens que participaram da pesquisa a dizer que nunca soube de qualquer possibilidade de ser adotada. Sobre isso, ela diz apenas ter ouvido um boato, na época em que estava morando na casa de acolhimento, que a mãe de uma menina, filha única, teria o interesse de adotá-la. “Mas isso eu ouvia da boca dela. Nunca chegaram em mim e falaram”. Nesse ponto a Olívia fala sobre adoção em termos formais, mas também não deixa de ampliar a noção desse termo, a ponto de incorporar a prática da circulação de crianças experienciada na infância. “Quando eu era menor sim, que a minha avó falava com toda a vizinhança até alguém me querer. Então, era o que eu mais ouvia”. Mas assim como as outras jovens que participaram da pesquisa, ela avalia que o fato de não ter sido adotada foi melhor para ela, sobretudo para a sua independência. “Por um lado, até melhor, né,

vai saber... hoje, eu sou mais independente. Ah, não sei, não gosto de depender de ninguém. Nunca gostei; quando eu era menor, era normal porque eu era menor. Não gosto, não quero”. No entanto, é interessante pensar que se, por um lado, ela reconhece a circulação como adoção, por outro lado, o termo talvez pareça menos produtivo ou mesmo indispensável quando ela diz que hoje tem três mães (a dona da creche, a Mir iam e a Ana, com que ela morava no momento da realização da pesquisa) e que o casal Miriam e Alexandre são seus pais, com os quais ganhou “estabilidade”.

Na avaliação que faz do tempo em que viveu em diferentes casas e instituições e com famílias diferentes, ela ressalta o aprendizado que foi produto sobretudo da convivência com as suas três mães. E tal avaliação dessas aprendizagens é feita, em especial, a partir do comparativo em relação a sua família consanguínea. “Eu acho que se eu tivesse com eles, eu seria mais um deles, porque foi caindo que eu aprendi muita coisa, foi dentro do abrigo que eu aprendi muita coisa, foi com as mães que eu aprendi muitas coisas”. Ou seja, por mais que tenham sido, por vezes, dolorosas as muitas mudanças de estilo de vida, de regras, de hábitos, ela observa que o acolhimento produziu uma diferença, uma marca que, ao contrário de ser negativa, produz distinção em relação aos seus parentes e ao modo de vida deles. “Então, se fosse para morar com eles talvez eu seria uma das minhas irmãs. Não ia querer trabalhar, ia viver nessa vidinha medíocre que eles vivem e aceitam. Além de tu viver mediocremente, pela sociedade tu aceita. Então, eu tomei, caí, aprendi, talvez se eu tivesse vivido a vida toda do lado deles, eu já ter ia vár ios filhos, não teria o pensamento que eu tenho hoje de não ter, porque eu não tenho como sustentar ou como dar uma estabilidade para eles não cair dentro de um abrigo”. Se num primeiro momento parece difícil ter crescido sem conhecer sua mãe e sem o apoio desta, assim como também ter sido entregue ao conselho tutelar pela própria avó e ser privada do convívio familiar, em um segundo momento, essas mesmas experiências se revestem de uma estética que fazem da vida da jovem um “laboratório de possibilidades”. “Tudo o que eu não fiz, eu poderia ter feito; minha mãe morreu, eu poderia crescer revoltada, cair no mundo das drogas. Como eu ganhei estabilidade dos meus pais, da Miriam e do Alexandre, não teve interesse, não teve curiosidade, porque daí eu pensava, poxa, quando eu era menor, que morava na Conceição, eu não quis, por que eu vou querer agora que eu tô melhor e eu sei o que eu quero?”.

É importante pensar, nesse ponto, sobretudo a partir dos relatos da Olívia e da Nina, sobre a produtividade da exper iência da circulação.

Mesmo que esse processo (em especial pela experiência de institucionalização) tenha sido sofrido e definido por dificuldades, as jovens procuram resgatar nos seus relatos a dimensão criadora de tais experiências. Sobretudo, quando conseguem se ver em relação a sua família de origem, esse processo assume um acento especial: o da superação e da produção da diferença, da distinção. No sentido de enfatizar que, mesmo tendo passado por dificuldades e por tê-las enfrentado sozinha, isso a coloca num lugar melhor, daquela que aprendeu com a vida, daquela que sabe encarar a vida, daquela que não leva uma vidinha medíocre, não apenas sobrevive, vive uma vida “considerada melhor”. Nesses termos, em diálogo com Lobo (2013), é possível pensar que a circulação não apresenta apenas a dimensão econômica, mas sobretudo moral: circular é um valor. Ou, nos termos da autora, “moralmente, superar-se é amplamente admirado e os relatos de