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2 O LUGAR SOCIAL DE PRODUÇÃO DA RBH

2.1 LUGARES INSTITUCIONAIS: A RBH e a ANPUH

Esta subseção tem por objetivo historiar a produção historiográfica brasileira a partir das páginas da principal revista direcionada a comunidade de historiadores do país, a Revista Brasileira de História – RBH4. Buscando pensar a partir de qual lugar

social a RBH é produzida, editada e circulada. Para tanto, historiaremos as condições históricas e institucionais de criação e produção da Revista no início dos anos 1980 em meio aos debates, conflitos e tensões institucionais que perpassavam e constituíam, à época, a Associação Nacional de História – ANPUH. Procurando, a partir da RBH, contornar qua(is)l image(ns)m da historiografia brasileira são configuradas a partir daquele período.

A RBH alcançou no ano de 2016 a sua edição de número 70 em 35 anos de circulação, com cerca de quase mil artigos publicados ao longo destes anos, além de resenhas, entrevistas e a publicação de documentos. Não só por estes motivos – longevidade, continuidade, perenidade, quantidade e qualidade das publicações – se torna notória a importância da revista para a comunidade de historiadores brasileiros, tanto é que, antes mesmo de chegar a esta marca, no ano de 2011 quando da publicação do número 62, e na comemoração dos 30 anos da revista, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES faz o seguinte reconhecimento:

No segundo semestre de 2011 atingimos um novo marco importante. Com o objetivo de ampliar a internacionalização da produção acadêmica brasileira, a Capes decidiu apoiar dois periódicos por área, ao longo de cinco anos, com a intenção de convertê-los em referências. Em nossa área optou-se por edital interno em que poderiam concorrer todas as revistas classificadas entre Qualis A1 e B2. Responderam ao convite 12 revistas, então avaliadas por um comitê escolhido especificamente para esse fim. Entre as duas selecionadas, a Revista Brasileira de História foi escolhida por unanimidade. Essa aprovação não só representa o reconhecimento da importância do papel da RBH e da Anpuh (sic), mas também nos permitirá alcançar um novo patamar, podendo ampliar o número de

4 A partir deste momento quando nos referirmos a Revista Brasileira de História utilizaremos apenas a

artigos publicados, produzir a edição trilíngue – em espanhol e inglês – e alcançar uma maior interação com a comunidade internacional de historiadores. (FERREIRA, 2011, p. 08)5

A escolha da RBH, por unanimidade, por uma das principais instituições de fomento e avaliação da pesquisa e da produção científica no país, a CAPES, parece atestar não só a importância da RBH para a área da produção do conhecimento histórico no país, como reconhecer também o papel institucional que ela representa na definição desta área desde a publicação do seu primeiro número nos idos de 1981. No entanto, nos caminhos de constituição da RBH como revista de referência para a comunidade de historiadores brasileiros nem tudo são flores, muito menos tal percurso foi palmilhado por elas. A produção da revista se defrontou e se defronta com inúmeros conflitos, tensões e debates no intuito de se construir como um espelho da historiografia brasileira e como uma referência para a mesma. Algumas destas dificuldades são atestadas e apontadas por um de seus últimos editores, o historiador da UFBA Antonio Luigi Negro6, em um dos números publicados, o 70:

“Penso que, na Itália, os historiadores especializaram muito as suas leituras, no sentido de ler apenas historiadores, e frequentemente historiadores italianos”, afirmou Giovanni Levi em uma entrevista. Estrategicamente, nosso caminho passa pelo enfrentamento dessa intrincada questão. A História não pode se fartar apenas consigo mesma nem tampouco se limitar a confins estreitos. Falta de diversidade e ensimesmamento não fazem bem a ninguém. Em acréscimo, outras balizas demarcam os caminhos. A pesquisa, por exemplo, pode ser motivo apenas de grupos pequenos. Mas a revista não prescinde de amplos coletivos. E aqui não cabe escolher um em detrimento do outro. Decerto, cumpre ponderar que pesquisadores necessitam, por várias razões, vir a público para expor resultados de sua atividade investigativa, submetendo-os ao teste da recepção pelos pares (algo que já começa na avaliação de pareceristas, às cegas). Em paralelo, é fácil perceber que o público atraído pela História é amplo e diversificado, além de marcantemente jovem, assim como o são os congressos organizados pela Anpuh (sic) nos estados e em nível nacional.

5 A historiadora Marieta de Moraes Ferreira é professora da UFRJ desde 1986, pesquisadora do

CPDOC da Fundação Getúlio Vargas. Fez toda a sua formação – mestrado e doutorado – na Universidade Federal Fluminense – UFF nos finais dos anos 1970 (mestrado) e ao longo dos anos 1980 (doutorado) sob orientação da professora Ismênia de Lima Martins. Cf.

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783207E6, acesso em 22 de fevereiro

de 2016 as 00:01.

6 O historiador Antonio Luigi Negro é professor da UFBA desde o ano de 2002, tendo feito a sua

graduação na UFF e o mestrado e doutorado na UNICAMP ao longo dos anos 1990, sob orientação do prof. Michael Hall. Cf. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4782390E0

Sendo o Brasil um país multiétnico e continental (não é à toa que foi chamado de império), uma revista almejar expressá-lo em sua pluralidade já é, a rigor, uma ambição hercúlea. Não deixa, pois, de causar certa reação o parecer do CNPq que lamenta ter a RBH uma “inserção internacional” de amplitude “limitada”. Em outras palavras, em tempos de vacas magras, parece que nos atribuíram a lida de tirar leite de pedra.

De olho no crescimento da pós-graduação em todo o país, a Anpuh (sic) e a RBH visam atender essa variedade, observando, a propósito, que as centenas de milhares de vezes que os artigos mais acessados são clicados – ou lidos – não correspondem a um número proporcional de citações SciELO. São usos diferentes do conhecimento científico, e estamos felizes de ver a revista apropriada de diversos jeitos nas mais de 7 milhões de vezes a que teve seus artigos consultados pela cidadania curiosa, ou ávida, de História. (NEGRO, 2015. p. 09-10).

A apresentação de Negro ao número 70 da RBH permite-me apontar e balizar algumas questões a partir das quais pretendo perscrutar, problematizar e historiar a produção circulada na revista, suas relações institucionais e políticas; enfim, o lugar social que a (in)forma. A primeira questão é a relação da revista e da produção aí circulada não só com a recepção dos pares; mas, sobretudo, com um público mais amplo, bem como a vulgarização do conhecimento histórico no país, seja através do ensino, seja através de publicações em periódicos ou em livros demandados pelo público “curioso” ou “avido” por “História”. E eu acrescentaria também pelos meios de comunicação de massa e pelas editoras comerciais. Minha intenção, neste sentido, não é ponderar ou pesquisar como se deu esta recepção, mas problematizar e historiar como este debate foi travado no interior da revista e pelos historiadores que estiveram à frente de sua publicação e circulação ao longo dos anos. E neste aspecto me parece ser inevitável – óbvio dizer – estabelecer as relações institucionais da revista com a Associação Nacional de História – ANPUH. Pensar, sobretudo, como a RBH foi sendo construída em meio aos embates políticos e institucionais que forjaram e forjam a principal associação de historiadores do país.

Uma segunda questão apontada no texto de Negro e que pretendo historiar é até que ponto a RBH contempla, representa e expressa a pluralidade da produção historiográfica brasileira, dando vazão a sua diversidade diante da ampliação constante, em todo o país, dos programas de pós-graduação em história, desde os anos de 1980? Colocando a questão de uma outra maneira: busco pensar como foi produzida na e pelas páginas da RBH esta suposta pluralidade e diversidade da produção historiográfica nacional ou se é esta imagem que se pode configurar a partir

das páginas da revista. Ao longo deste capítulo outras questões somar-se-ão a estas. Contudo, as duas questões acima apontadas, permite-me, neste momento, iniciar a fazer uma história da revista para poder estabelecer o seu lugar social de produção.

No ano de comemoração do aniversário de 30 anos da RBH e de 50 anos da ANPUH, na apresentação do número 61 – Dossiê: Comemorações de janeiro/junho de 2011, a editora da revista, a historiadora Marieta de Moraes Ferreira sintetiza a história da Associação e dos objetivos da revista, quando de seu lançamento em 1981, da seguinte maneira:

Neste ano de 2011 a Anpuh (sic) está completando meio século, e a Revista Brasileira de História, 30 anos. Criada em 1961, por ocasião da realização do I Encontro de Professores Universitários de História, em Marília, com o objetivo de promover um intercâmbio entre os professores e as universidades, desde as suas origens a Anpuh (sic) se constituiu em um padrão para os seus congêneres nas demais faculdades de filosofia que estavam sendo criadas no país. Igualmente importantes para serem lembradas foram as lutas travadas no âmbito da Anpuh (sic) pela melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa histórica, bem como pela defesa dos princípios democráticos e contra o arbítrio e a repressão ao longo das décadas de 1960 e 1970. A recuperação de sua trajetória é uma contribuição importante para a compreensão da formação do campo da História como disciplina universitária e para a própria história das instituições de ensino e pesquisa no Brasil.

Em 1981 foi lançado o primeiro número da Revista Brasileira de História, com o objetivo de se constituir em um canal de divulgação da produção dos professores e historiadores brasileiros. Criada com o intuito inicial de suprir o vazio deixado pelo fim da publicação dos Anais dos Simpósios da Anpuh (sic), que até 1978 divulgaram os trabalhos ali apresentados, a Revista Brasileira de História veio ao encontro das conquistas no campo científico e da necessidade de sua divulgação. (FERREIRA. Apresentação. RBH, Nº 61, 2011, p. 07)

A síntese feita por Ferreira naturaliza a história da ANPUH, por mais que a autora aponte para os debates e tensões estabelecidas na construção desta história. Na verdade, estes debates e tensões são exteriores a constituição da ANPUH enquanto instituição, são debates e tensões dos quais a Associação participou enquanto tal. E o que me interessa aqui são os debates e tensões internos a constituição da própria instituição, muito embora uma coisa não esteja desvinculada da outra. Da mesma maneira Ferreira o faz em relação a criação da RBH, colocando seu lançamento em 1981 como sendo produto da necessidade de “um canal de divulgação da produção dos professores e historiadores brasileiros”. Sendo criada, portanto, “com o intuito inicial de suprir o vazio deixado pelo fim da publicação dos

Anais dos Simpósios da Anpuh, que até 1978 divulgaram os trabalhos ali apresentados”. Desta forma, de acordo com Ferreira, “a Revista Brasileira de História veio ao encontro das conquistas no campo científico e da necessidade de sua divulgação”. Aqui parece não haver a mão dura da necessidade jogando com os dados do acaso. Há apenas o estabelecimento de uma continuidade necessária entre a produção “científica” que se ampliava no universo acadêmico das pós-graduações e a criação da revista, com esta sendo uma resultante natural daquela. Em grande medida Ferreira reproduz o discurso da primeira editora da revista, a historiadora Alice Piffer Canabrava7, a época da criação da RBH8 também presidente da ANPUH. Então

vejamos como Canabrava se reporta a RBH na apresentação do lançamento de seu primeiro número:

Parece-nos auspicioso o lançamento da Revista Brasileira de

História, no aniversário comemorativo de vinte anos de fundação da

Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH). Duas décadas de existência que registraram a consolidação e a expansão, o que vale dizer, o sucesso da entidade.

A Revista Brasileira de História pretende suprir o vazio criado, desde que se interrompeu a sequência daquela publicação, [os anais dos nove Simpósios, de 1961 a 1997]. Vem de encontro, prioritariamente,

7 A historiadora Alice Piffer Canabrava foi presidente da ANPUH no biênio 1979-1981 e exerceu a

função de editora da RBH no biênio 1981-1983 na presidência de José Ribeiro Júnior a frente da Associação. Alice Canabrava tem sua formação como historiadora no contexto de criação da FFCL- USP no final dos anos 1930 e nos anos 1940. Tem sua tese de doutorado defendida em 1942 sob a orientação do historiador francês Jean Gagé, substituto de Fernand Braudel, na segunda missão francesa na USP. A este respeito ver RODRIGUES, Lidiane Soares. Armadilha à francesa: homens sem profissão. In: Revista de História da Historiografia. Ouro Preto. Nº 11, 2013, pp. 85-103.

8 A historiadora Raquel Glezer historia, oficialmente, a criação da RBH da seguinte maneira: “No dia 08

de agosto de 1980 realizou-se a Rua Macapá, 29, São Paulo, residência do Presidente, às 13:00 h. (sic) a reunião da Diretoria e Conselho Consultivo da Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH), convocada especialmente para discutir os problemas referentes ao lançamento de um periódico, como órgão oficial da Associação. Compareceram a esta reunião: Prof. Dra. Alice Piffer Canabrava, Presidente da ANPUH; Prof. Rosa Maria G. Silveira, representando o Prof. Silvio Frank Alem, Vice-Presidente da ANPUH, Prof. Dr. Flávio Azevedo Marques Saes, 2º secretário da ANPUH, Prof. Caio C. Boschi, 1º Tesoureiro da ANPUH, Prof. Dr. Fernando Novais, do Conselho Consultivo da ANPUH, Prof. Rui C. Wachowicz, do Conselho Consultivo da ANPUH e Profª Drª Raquel Glezer, secretária do Núcleo Regional de São Paulo. A Presidente da ANPUH historiou suas sugestões para obter a verba destinada à publicação de um periódico, como órgão oficial da entidade. Para liberar as verbas será necessário apresentar um orçamento que foi solicitado ao Prof. Dr. Antonio Guimarães Ferri, Diretor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em cuja gráfica será impresso o periódico, pelo menos nesta fase inicial. Confirmou que pretende apresentar pelo menos o nº 1 no XIº (sic) Simpósio, a ser realizado em João Pessoa, na Paraíba, em julho de 1981, data comemorativa do 20º aniversário de fundação. No decorrer do debate sobre o periódico discutiu-se a parte prática da edição, a saber: de uma lista de nomes sugeridos para título da publicação escolheu-se Revista Brasileira de História, órgão da ANPUH; com periodicidade de dois números anuais, de cerca de 200 páginas”. In: GLAZER, Raquel. A fundação da Revista.

Revista Brasileira de História. Órgão da Associação Nacional dos Professores Universitários de

às exigências legítimas que envolvem as conquistas no campo científico, quanto à divulgação das mesmas.

Estamos conscientes das enormes dificuldades que envolvem a permanência e a regularidade de um periódico destinado a um público especializado. De modo geral, as publicações deste gênero, em nosso país, puderam cimentar-se como parte da obra de divulgação de entidades oficiais ou daquelas beneficiadas pelo amparo governamental. Nossa agremiação floresceu nestes últimos vinte anos sem concurso de verbas oficiais, estribada apenas na contribuição do professor participante dos conclaves e no apoio das universidades que os patrocinam.

O descortínio de novos horizontes que levaram a novas iniciativas, sempre despertaram (sic) o revigoramento fecundo da colaboração associativa. Temos confiança que, com este espírito, a nossa Revista poderá afrontar, sem receio, os anos futuros. (CANABRAVA. RBH, Nº 01, 1981, p. 1 e 9)

Como podemos observar, o discurso de Ferreira adere ao de Canabrava e o toma como expressão ou marco fundador da revista. Discursos estes também muito próximos ao produzido, institucionalmente, por Raquel Glezer9 conforme é possível

observar na nota Nº 5, para dar conta do ato inaugural da RBH. No entanto, estes discursos fundacionais, produzidos a época e 30 anos depois, parecem esconder ou silenciar as tensões e as disputas internas a ANPUH que levaram não só a criação da Revista, no marco de comemoração dos 20 anos da Associação – aliás, a partir destes discursos fundacionais a RBH parece ter sido pensada também como um prêmio ou presente de aniversário pelas comemorações em torno dos 20 anos da entidade –; mas, também, a uma sensível reestruturação da própria Associação. Tensões e disputas estas que vinham se processando desde o ano de 1977, quando da realização do Simpósio Nacional de História de Florianópolis, como parece atestar a professora e historiadora Déa Ribeiro Fenelón em entrevista concedida a Ilka Miglio, doutora em educação pela UNICAMP, no ano de 2005 e publicada nos Cadernos do CEOM no ano de 2008. Nessa entrevista Fenelón destaca o debate e o conflito gerado pela colocação em assembleia da proposta de incorporação dos professores de História de 1º e 2º graus – hoje ensino fundamental e médio – como sócios da Associação, com direito a voz e voto. Déa descreve tal evento da seguinte maneira:

9 A historiadora Raquel Glazer é professora da Universidade de São Paulo – USP desde 1971, quando

era professora assistente de ensino. Sua formação ocorre também na USP, ao longo dos anos 1970, sob a orientação da historiadora Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. Glazer também teve atuação destacada na ANPUH, sendo Secretária Geral por três vezes consecutivas (biênios: 1981-1983, 1983- 1985 e 1985-1987), Presidente no biênio 1987-1989 e Vice-presidente no biênio 2009-2011. Cf.

https://uspdigital.usp.br/tycho/CurriculoLattesMostrar?codpub=D7A0A8FC88AD, Acessado em 22 de

Era muito pelo lado de que a Associação era uma associação científica, de conhecimentos, de produção e apresentação de trabalhos e era uma coisa dos historiadores. Fazia-se muito essa diferença. E o professor ainda estava numa fase que não produzia, que não era um pesquisador e etc. E, por outro lado, havia uma reação também grande...Essa foi assim... A professora Cecília Westphalen, que é uma das primeiras presidentes da Associação, rasgou o estatuto e falou que a gente ia destruir a Anpuh. Para não substituir a sigla, nós chamamos de profissionais da História. E aí, isso deu uma reação porque cheirava a sindicalismo. O nome não agradou, as pessoas achavam que Associação de Profissionais de História parecia um sindicato, parecia uma associação de classe. E na verdade isso nos custou bastante voto, uma discussão bastante complicada. E custou até a saída de algumas pessoas da Associação para ir para a SBPH. Muito nesta base da reação de que não ia mais ser um espaço científico, de apresentação de trabalho, de conhecimento, porque vinha essa turma de professores... A incorporação dos professores de 1º e 2º graus é um traço, é um momento de divisão da vida da Anpuh porque forçou, não tenho dúvida, uma discussão sobre o que era a Associação, o que é que a gente queria, porque os professores podiam vir assistir e não podiam apresentar trabalho, não podiam discutir os seus problemas. (MIGLIO, 2008, p.285)

A fala de Déa Fenelón explicita de forma muito clara um dos principais debates e conflitos internos a ANPUH, na virada da década de 1970: a incorporação dos professores de 1º e 2º graus nos quadros de sócios efetivos da Associação, com direito a voz e voto. Este problema explicita um outro, mais profundo e, ao que me parece, muito próximo ao entendimento corrente a época no Brasil do que era uma disciplina científica. A fala acima explicita o desconforto de alguns membros da ANPUH, em destaque a historiadora paranaense Cecília Westphalen, à incorporação dos professores de 1º e 2º graus a uma instituição que se queria científica. Justificar a não aceitação deste grupo sob o argumento da ameaça ao discurso científico parecia significar duas coisas: primeiro, a História Científica seria distinta da história ensinada, portanto avessa ou reacionária a sua vulgarização e socialização para um público leitor “ávido” por história. Segundo, e também atrelado a este primeiro significado, a persistência do mito positivista de uma ciência pura e neutra, afastada das demandas sociais e políticas de seu tempo. A ciência não poderia se lambuzar no social e, sobretudo, no político. Esta visão parecia estar corroborada nos estatutos da ANPUH de 1961 e ainda bastante presente nos finais dos anos 1970 e 1980, como se pode evidenciar a partir de outra passagem do discurso de apresentação feito por Canabrava ao primeiro número da RBH, vejamos:

À luz desses condicionamentos pode-se compreender melhor as diretrizes que vêm marcando o movimento associativo dos professores universitários de História e lhe conferiram um padrão especial e talvez único ao tempo de sua criação em 1961. Atribuiu como objetivos seus, o aperfeiçoamento do ensino da História em nível superior, a pesquisa e a divulgação dos assuntos com respeito à História em nível superior, a pesquisa e a divulgação dos assuntos com respeito à História e a defesa das fontes e manifestações culturais de interesse para esses estudos, conforme estatutos. Ainda que alguns desses objetivos não sejam inovadores nem exclusivos, pois