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2 O LUGAR SOCIAL DE PRODUÇÃO DA RBH

2.2 A RBH E AS PÓS-GRADUAÇÕES

No entanto, aquelas não foram as únicas condições históricas de possibilidade da RBH. Há também elementos externos a ANPUH que constituem o campo de possibilidades para a criação da revista e que conformam o seu lugar social. Nesta subseção historiarei, como dito acima, a relação da RBH com os PPGHs. Neste sentido, um dos elementos a serem considerados, sem dúvida, é a consolidação e expansão dos programas de pós-graduação em história no país, sobretudo, no centro- sul a partir de finais da década de 1970 e início da de 1980. Segundo Fico e Polito:

Observando o desenvolvimento dos cursos de pós-graduação em História no país durante os anos 80, uma primeira constatação é a do seu relativo crescimento em relação à década anterior. Não que os cursos de pós-graduação tenham proliferado descontroladamente, ainda que alguns tenham surgido e atestem também relativo crescimento. Mas, houve um amadurecimento interno dos cursos já existentes e uma certa estabilização, para a maioria, de um fluxo de pesquisas e dotações orçamentárias.

A pós-graduação, em História, nos termos em que ela hoje se apresenta no país, iniciou sua implantação em 1971. Nos anos 70 é que se estabeleceu a maioria dos cursos até hoje existentes. Entre 1971 e 1974, foram instalados 8 cursos de pós-graduação, na USP, UFF, UFPR, PUC-SP, UFGO, PUC-RS, FFCLSCJ/Bauru (posteriormente desativado) e UFPE. Todas estas pós-graduações eram cursos de mestrado, à exceção da USP, com doutorado em História Social e História Econômica. Na segunda metade dos anos 70, iniciaram suas atividades mais 4 cursos de mestrado, na UFSC, na UnB, UNICAMP e UFRJ. Os anos 80 tiveram um número bem menor de cursos de mestrado criados, apenas 5, 2 entre 1980/1984 e 3 entre 1985/1989: UNESP/Assis (1980), UNESP/Franca (1980), UFRGS (1985), UNISINOS (1987) e PUC-RJ (1988). Houve uma expansão dos cursos de doutorado, com a criação de mais quatro, na UFSC (1981), na UFF (1984), na UNICAMP (1984) e na PUC-RS (1986). Temos, portanto, funcionando no fim dos anos 80, 16 cursos de mestrado e 5 de doutorado em História, o que representa um aumento de 75% em relação aos anos 70. O mais expressivo destes dados foi a criação de 4 novos doutorados, decisivos, ainda que em seus primórdios, para a profissionalização da área. (FICO e POLITO, 1992, pp. 32-33)

Portanto, a criação da RBH não pode ser pensada de forma desconectada destas mudanças institucionais no campo da educação superior no país. Uma vez que no início dos anos 1980 e ao longo de toda a década as principais instituições universitárias do país, inclusive as mais tradicionais e conservadoras, como a USP, já

haviam atravessado os primeiros estágios da reforma universitária do final dos anos 1960 e início dos 1970 e caminhavam, céleres, para “uma maior profissionalização da área de História durante os anos 80”. Com a Universidade assumindo, pela primeira vez no país, o papel de lugar hegemônico na produção de conhecimento histórico, isto se expressando na consolidação das pós-graduações criadas ainda na década de 1970 e a criação de outras, sobretudo em nível de doutorado, ao longo dos anos 1980. Esta maior profissionalização e institucionalização da produção do conhecimento histórico a partir das universidades se constitui elemento fundamental para se pensar a criação da RBH, uma vez que a demanda de novas pesquisas e produções daí decorrentes virão destes programas. São estes alunos de pós-graduação, por exemplo, que encabeçarão a luta política dentro da ANPUH por maior participação nos Simpósios e dentro da própria Associação.

Há neste processo um outro elemento a ser pontuado. Emergia, de finais dos anos 1970 para início dos anos 1980, não só um novo locus privilegiado de formação de historiadores e de produção historiográfica, a pós-graduação nas universidades. Mas acima de tudo uma nova identidade de historiador, cada vez mais distante do professor de história. Emergia ali, para hegemonizar-se nas décadas seguintes, o historiador profissional, forjado na academia, dentro dos protocolos da ciência histórica e voltado, quase que exclusivamente, para a pesquisa. Isto insinuava também outra divisão social dentro dos quadros da universidade, qual seja: se até a reforma universitária promovida pelo Regime Civil-Militar a partir de 1968 e que se consolida com o I Plano Nacional de Pós-Graduação implementando a partir de 1975 a sua função precípua, sobretudo nas humanidades, era a formação de professores para o ensino primário e secundário e para a composição dos quadros universitários, a partir de então o fomento à pesquisa tornou-se dimensão central, ficando os outros dois pilares do ensino superior – o ensino e a extensão – relegados a segundo e terceiro planos, respectivamente. E isto se agravou sobremaneira, como veremos mais adiante, na seara do conhecimento histórico. Onde o ensino de história, sobretudo no nível básico, passou a ser visto como atividade menor e, com isso, a provocar um distanciamento cada vez maior entre o professor de história e o pesquisador de história das universidades, cada vez mais pensado como profissional de história, como o historiador. E os professores da educação básica vistos como meros reprodutores, vulgarizadores que não produziam conhecimento, sobretudo

conhecimento científico. As discussões, deste período, internas a ANPUH, como vimos acima, explicitam estes conflitos e lutas.

Estas demandas e lutas, como dito anteriormente, requeriam novos espaços institucionais de circulação destas pesquisas e de acolhimento profissional e intelectual de seus autores. A RBH vai ser um destes espaços, por mais que, como veremos adiante, a construção dele tenha sido feito em meio a indefinição da área nos anos 1980 e pela manutenção de velhas hierarquias que passam, a partir das páginas da RBH, a querer ditar o que era a História no país ou, em outros termos, o que seria a historiografia brasileira, em especial aquela produzida nas universidades e programas de pós-graduação. É esta relação de continuidade entre Universidade- pós-graduação-ANPUH que Alice Canabrava tenta estabelecer em seu discurso de apresentação ao primeiro número da RBH, vejamos:

Decorridos pouco mais de um quarto de século do surgimento das primeiras Faculdades de Filosofia, as atividades de pesquisa revelavam-se aleatórias, avocadas por docentes como imposição para galgar os degraus da carreira universitária, sem desenvolver-se como atividade permanente do corpo docente. Faltava-lhe também a estrutura básica administrativa e financeira, cujos primeiros delineamentos assentaram-se com os cursos de pós-graduação e especialização implantados pela reforma e a colaboração de instituições de apoio.

O impulso dado à investigação e o fluxo de trabalhos consagrados em teses acadêmicas repercutiram logo nas comunicações apresentadas aos Simpósios da nossa entidade. Em 1977 os participantes do conclave de Florianópolis, reunidos em plenário, acolheram calorosamente a proposta para enriquecer a agenda com uma secção nova, a de “Pesquisas em andamento”, com o objetivo de dar oportunidade àquelas não ajustadas ao tema oficial. Deste modo, incorporou-se aos trabalhos dos Simpósios, em forma definitiva, todo o painel de investigações históricas em prosseguimento nas universidades.

Tratava-se, portanto, de trazer para o âmbito do grêmio de professores, os desdobramentos fecundos que estão em processo no recinto das Universidades. (CANABRAVA, 1981, p. 07)

Naquele momento a pós-graduação em História da USP ainda era a mais importante do país, não só pela quantidade de trabalhos, a nível de mestrado e doutorado (o único programa neste nível na época) ali produzidos, mas, sobretudo, porque era de seus quadros que saiam a maioria dos professores que iriam compor os programas dos PPGHs das demais Universidades do país, em especial os departamentos de História. A USP, neste sentido, formava não só os seus quadros na

área de História, mas boa parte dos quadros que iam formando os demais programas das universidades brasileiras. Como afirmam Fico e Polito:

A predominância da USP no total de trabalhos defendidos persiste ainda durante todos os anos 80. Mesmo que tenha diminuído sua participação no número total de dissertações (131 trabalhos, 19,7%), ela foi propriamente a única que possuiu uma produção regular de teses de doutorado, perfazendo 149 dos 152 trabalhos do período e quadruplicando, portanto, sua produção em relação aos anos 70. (FICO e POLITO, 1992, p 44)

Esta predominância da USP ao longo dos anos 1980 como principal instituição universitária a produzir conhecimento histórico acadêmico no país é uma das condições históricas de possibilidade que explicam a postura editorial que a ANPUH e suas seguidas diretorias irão tomar em relação a RBH. Esta vai nascer, portanto, bastante vinculada a pós-graduação de história da USP, muito embora, não mais sob o signo e o poder de Simões de Paula, mas de uma suposta tradição francesa que ali se tinha instituído e que no texto inaugural da RBH, que busca contar a história da ANPUH, Alice Canabrava faz questão de destacar da seguinte maneira:

A mensagem dos docentes de História formados pelas Faculdades de Filosofia, significou a renovação do pensamento histórico brasileiro tradicional. Famosos mestres franceses foram chamados a colaborar e a darem uma contribuição fundamental. Sua influência revigora-se continuamente com o fluxo, não interrompido no presente, de licenciados para as universidades francesas e a atualização sempre viva quanto às novas correntes que enriquecem o pensamento histórico. Metodologicamente tem sido este o crédito maior para o desenvolvimento da moderna historiografia brasileira, e viria a se refletir nos trabalhos da Associação. Qualificando-a como moderna, queremos significar sua distinção com referência a outras correntes do pensamento histórico brasileiro. A História é compreendida no centro das Ciências do Homem e cada uma das suas qualificações, no universo da História Geral. Destarte, ao desenvolver-se a nossa entidade, tornaram-se claro os vínculos que a ligavam ao movimento intelectual que se expressa, desde 1929, nas páginas dos Annales. Sob alguns aspectos a entidade desempenha o papel de escola, no seu sentido legítimo, a congregar licenciados e graduandos para o convívio com os métodos, técnicas e interpretações que germinam nas fronteiras avançadas do conhecimento histórico. (CANABRAVA, 1981, pp. 04-05.) (Grifo no original.)

Com este discurso Canabrava procurava articular muito claramente a produção historiadora dos associados da ANPUH a uma única tradição historiográfica, a tradição francesa. Tradição da qual Canabrava, como historiadora, era fruto; uma

vez que tinha sido orientada por Jean Gagé, durante a segunda missão francesa na USP ainda na década de 1940 (ERBERELI JR., 2016). Desta maneira ela vinculava a Associação a esta tradição e aos desdobramentos da mesma nas universidades brasileiras e concede a ela o papel de instaurar a “moderna historiografia brasileira” dado os “vínculos que a ligavam ao movimento intelectual que se expressa, desde 1929, nas páginas dos Annales”. Assim, para Canabrava, a moderna historiografia brasileira havia nascido com as missões francesas que haviam criado as Faculdades de Filosofia no Brasil, na década de 1940, em especial na USP. E esta tradição havia se prolongado no tempo ao ponto de não só repercutir na formação da ANPUH, mas de constituir a própria essência dos trabalhos da Associação. Muito embora Canabrava reconheça que “repercutiram na Associação todos os problemas decorrentes do desenvolvimento das Faculdades de Filosofia”, ela homogeneiza a produção historiadora ligada a ANPUH a apenas uma tradição historiográfica, malgrado a diversidade de historiadores deste grêmio e os conflitos e debates presentes naquele período. Neste sentido, o discurso de Canabrava é profundamente político uma vez que reivindica para a Associação que preside uma tradição que marca a fundação não de toda a moderna historiografia brasileira, mas, apenas, aquela que funda o departamento de História ou o campo da História na Universidade da qual faz parte e da pós-graduação da qual era uma das expoentes e fundadoras, a USP. Este discurso de Canabrava e sua tentativa, já nas páginas da RBH, de construir uma determinada história da historiografia brasileira e de vinculá-la a uma determinada escola e a uma dada tradição encontraria eco, alguns anos depois, mais precisamente no anos de 1994, no texto de Maria Helena Rolim Capelato, Raquel Glezer e Vera Lúcia Amaral Ferlini intitulado a “Escola uspiana de História” no qual as autoras procuram constituir a produção historiadora da USP quase como uma continuidade da produção dos Annales. Inclusive a história da “escola uspiana de História” feita por elas segue a velha divisão em fases, e não por coincidência as autoras a dividem em três fases bem aos moldes de como se conta, tradicionalmente, a história dos Annales.19

19 Além da definição da “escola uspiana” em três fases, as autoras fazem questão de apontar os

principais nomes em torno dos quais a produção orbitava no interior do departamento de História da USP. Neste sentido, nomes como Simões de Paula, Eduardo D’Oliveira França e Sergio Buarque de Holanda aparecem com notório destaque. Cf. CAPELATO, Maria Helena Rolim; GLEZER, Raquel; FERLINI, Vera Lúcia. A escola uspiana de História. In: CAPELATO, Maria Helena Rolim (Orgs.).

Contudo, apesar da consolidação das pós-graduações em história e sua ampliação nos anos 1980, havia ainda, naquele momento uma indefinição sensível nestes programas quanto as linhas de pesquisa, áreas de concentração, principais temas a serem estudados e abordados. Assim como sobre quais tendências teóricas e metodológicas seguir. A profissionalização e consolidação institucional do conhecimento histórico em torno dos PPGHs e das universidades não refletiam ainda, no início dos anos 1980, uma definição epistemológica, teórica, metodológica, de temas, abordagens ou objetos. O campo do conhecimento histórico encontrava-se ainda indefinido na maioria dos programas, como apontam Fico e Polito:

Se as áreas de Ciências Exatas e Biológicas apresentam um perfil mais nítido neste sentido [a indefinição das linhas e áreas de concentração], isto diz respeito também a uma definição mais clara de seus diversos setores e subsetores, o que não se verifica com as Ciências Humanas. Foi esta busca de uma definição que talvez tenha levado cursos de pós-graduação em História do país a alterarem, em tão pouco tempo, suas áreas de concentração, em certos casos mais de uma vez, como a UFF. Apenas alguns cursos, como os da USP, da UFPR, da UnB e da UFRJ, criados nos anos 70, permaneceram com as mesmas áreas de concentração, sendo que todos os outros sofreram alterações significativas, para o que concorreu também a especificidade de seus respectivos corpos docentes. (FICO e POLITO, 1992, p. 36)

Esta indefinição é patente, por exemplo, nos programas das universidades do Rio de Janeiro, notadamente na Universidade Federal Fluminense – UFF e na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, caudatárias também das missões francesas da década de 1930 e seus programas de pós-graduação em História decorrentes das Faculdades de Filosofia, a Faculdade Fluminense de Filosofia – FFFi e a Faculdade Nacional de Filosofia – FNFi. Nesta duas Faculdades, que depois da reforma universitária de finais dos anos 1960 seriam incorporadas, respectivamente, a UFF e UFRJ, a discussão que se desdobrava era bastante diversa daquela feita nos quadros da USP. Uma vez que seus programas de pós-graduação não aderem a tradição francesa dos Annales ou só a ela, mas também a outras tradições, nem sempre historiográficas, de outros países como, por exemplo, a americana – a partir dos vários brasilianistas que compuseram os programas das duas instituições. Assim como as tradições inglesa, alemã ou até mesmo latino-americana, depois da chegada de Ciro Flamarion Cardoso ao programa da UFF. Retomarei esta discussão em relação a historiografia do Rio de Janeiro e suas diferenças em relação a historiografia

paulista, em especial a uspiana, um pouco mais adiante quando for tratar destas relações dentro da produção circulada nas páginas da RBH. Porquanto, neste momento, vale destacar apenas esta divergência.20

O Programa de Pós-Graduação em História de outra universidade paulista, a UNICAMP, criado na segunda metade da década de 1970 e que procurava se constituir e construir como um locus de renovação da historiografia nacional, pensado em oposição ao programa da USP, muito embora a grande maioria dos professores que formavam o PPGH da UNICAMP tenham tido sua formação no programa uspiano, se coloca como outro lugar institucional de conformação da RBH. Uma vez que, como dito acima, o departamento de História da USP havia se tornado pequeno para comportar estes novos historiadores surgidos e formados nos seus próprios quadros. Se colocava, portanto, no horizonte de expectativa destes novos historiadores a necessidade de construção de novos espaços institucionais que lhes acomodassem e dessem legitimidade acadêmica e institucional. É tendo em vista este cenário que Edgard Salvadori De Decca em entrevista concedida no mês de março de 2001, para José Geraldo Vinci de Moraes e José Marcio Rego para a composição do livro “Conversas com Historiadores Brasileiros”, elabora a sua memória da formação do programa da UNICAMP da seguinte maneira:

Cheguei na Unicamp em 1977 e ocupei por coincidência a vaga do Boris Fausto. Ele tinha dado aula aqui e com a vacância dele o Ítalo Tronca e a Stella Bresciani, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, me convidaram para fazer uma entrevista coletiva...havia outras coisas favoráveis, o fato de que professores que já estavam aqui, como a Stella Bresciani e o Ítalo Tronca, eram ex-colegas de graduação da USP. Existia também uma predisposição para que eu viesse para cá...antes da Unicamp fui professor da USP por dois anos; lá havia um sistema escravocrata de professor voluntário, no qual se dava aula sem remuneração.

A gente [boa parte da turma de Decca na USP] tinha que formar um campo à margem da História da USP. A USP, na época, não comportava nosso grupo, pois não tinha espaço político que comportasse o ingresso de uma proposta de reformulação. Na Unicamp era diferente: a pretensão desta universidade era muito

20 Para uma discussão mais aprofundada sobre a constituição dos programas de Pós-graduação em

História da UFF e UFRJ Cf. FALCON, Francisco. História e Memória: origens e desenvolvimentos do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense. In: Revista de

História da Historiografia. Ouro Preto, Nº 11, 2013, pp. 15-32. FALCON, Francisco. Reflexões sobre

o Programa de Pós-Graduação em História Social – trinta anos. In: TOPOI. Rio de Janeiro, Nº 25, 2012, pp. 6-24. Cabe fazer uma ressalva quanto a estes dois textos, eles trazem uma forte carga memorialística fruto da experiência e das vivências do próprio Falcon quando professor das duas instituições.

grande e inovadora; nós podíamos tentar fazer tudo, podíamos tentar fazer um Departamento de História, uma pós-graduação, orientar pesquisa do modo que a gente bem entendesse, e isso tudo na USP não dava, devido a hierarquia que por lá reinava. Nós queríamos muito mais do que a USP podia oferecer, queríamos, inicialmente, um espaço próprio para inovação. Eu acho que a pós-graduação no Brasil tem esse formato hoje porque todos os outros cursos que surgiram implantaram o modelo da Unicamp: linhas de pesquisa e ingresso democrático e não por vinculação paternalista de orientador com orientando. Quem inaugurou isso? Fomos nós e de acordo com nosso projeto.

[Estas mudanças e inovações jamais seriam possíveis na USP]. Não seria um bom caminho para se chegar a uma grande renovação historiográfica, como a que fizemos na Unicamp. Nosso questionamento vinha de diversas direções e o nosso grupo pôde contar com o que havia de mais inovador no campo da História Social. Para a Unicamp, vieram os professores americanos Michael Hall e Peter Eisenberg... além de historiadores de enorme vitalidade e desejo de renovação como a Dea Fenelón (sic). (MORAES e REGO, 2002, pp. 270-271)

O relato de De Decca constrói uma outra narrativa, bem distinta daquela produzida por Canabrava, acerca da produção historiadora nos programas de pós- graduação naquele momento. Além de tentar deslocar a Unicamp da área de influência da USP, construindo-a em seu relato como o lugar da mudança e da inovação, De Decca constrói o Departamento de História da USP como o lugar do conservantismo, do engessamento, da presença de uma forte estrutura hierárquica, produto do regime de cátedras, que se desdobrava através do paternalismo de orientadores para com orientandos e a pouca ou nenhuma abertura política para a construção e produção de uma historiografia inovadora, sobretudo, proveniente dos novos quadros formados naquele departamento. Se a tradição uspiana era francesa e estava assentada na contribuição intelectual dos Annales, a da UNICAMP, para De Decca se assentava no que “havia de mais inovador no campo da História Social” o que se constatava pela presença dos “professores americanos Michael Hall e Peter Eisenberg” e de Historiadores como Déa Fenelón que, antes de chegarem na