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A invenção da historiografia brasileira profissional, acadêmica: geografia e memória disciplinar, disputas político-institucionais e debates epistemológicos acerca do saber histórico no Brasil (1980-2012)

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CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CFCH DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

WAGNER GEMINIANO DOS SANTOS

A INVENÇÃO DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA PROFISSIONAL,

ACADÊMICA: Geografia e memória disciplinar, disputas político-institucionais e debates epistemológicos acerca do saber histórico no Brasil (1980-2012)

Recife 2018

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A INVENÇÃO DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA PROFISSIONAL,

ACADÊMICA: Geografia e memória disciplinar, disputas político-institucionais e debates epistemológicos acerca do saber histórico no Brasil (1980-2012)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em História.

Área de concentração: Cultura e Memória.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Paulo de Morais Rezende.

Recife 2018

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S237i Santos, Wagner Geminiano dos.

A invenção da historiografia brasileira profissional, acadêmica : geografia e memória disciplinar, disputas político-institucionais e debates epistemológicos acerca do saber histórico no Brasil (1980-2012) / Wagner Geminiano dos Santos. – 2018.

437 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Paulo de Morais Rezende. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-graduação em História, Recife, 2018.

Inclui referências.

1. História. 2. História – Metodologia. 3. Historiografia - Brasil. 4. Historiadores – Brasil. 5. Memória. 6. Epistemologia. I. Rezende, Antonio Paulo de Moraes (Orientador). II. Título.

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A INVENÇÃO DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA PROFISSIONAL,

ACADÊMICA: Geografia e memória disciplinar, disputas político-institucionais e debates epistemológicos acerca do saber histórico no Brasil (1980-2012)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em História.

Aprovada em: 28/02/2018.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Profº. Dr. Antonio Paulo de Morais Rezende (Orientador)

Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________________ Profº. Dr. Flávio Weinstein (Examinador Interno)

Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________________ Profª. Dr. Antonio Jorge de Siqueira (Examinador Interno)

Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________________ Profº. Dr. Fernando Nicolazzi (Examinador Externo)

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

_________________________________________________ Profº. Dr. Rodrigo Turin (Examinador Externo)

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

_________________________________________________ Profº. Dr. Alarcon Agra do Ó (Examinador Externo)

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Desde que inicie a vida acadêmica tenho uma atenção especial pelos agradecimentos feitos em dissertações, teses, livros e similares. Acredito que eles trazem uma marca de historicidade muito importante para qualquer trabalho. Dizem muito sobre aqueles que escrevem e, sobretudo, como pensam o seu fazer e o articulam a partir de um dado lugar social. Sempre quando o faço procuro fugir ao tom protocolar que caracteriza boa parte destes textos e busco produzir narrativas condizentes com o percurso da pesquisa que realizei. E desta vez não poderia ser diferente. Quero marcar, sobretudo, as diversas contribuições que tornaram possível ou se constituíram como fundamentais para a realização desta tese.

Neste sentido, inicio agradecendo aos governos Lula e Dilma. Sim, a seus governos. Pois, sem as políticas públicas de ampliação e democratização do ensino superior e das vagas nas pós-graduações, sobretudo com a garantia de bolsas de pesquisa, abertas em seus governos dificilmente estaria aqui defendendo esta tese. Dificilmente um filho de agricultores, nascido no sertão da Paraíba, vindo morar em Recife sem conhecer praticamente ninguém, sem as mínimas condições financeiras de manter-se na capital pernambucana sem o auxílio de uma bolsa, teria conseguido finalizar o mestrado e, tão pouco, terminar o doutorado. Portanto, esta tese é mais um dos milhares de frutos das políticas públicas que garantiram financiamento, bolsas de estudo e, sobretudo, oportunidades para milhares que, como eu, tinham o sonho e a vontade de um dia se fazerem doutores. Hoje esse sonho se concretiza. E ele traz as marcas, as digitais dos governos petistas, de Lula e Dilma. Não poderia ser mais grato. E uma das formas de o fazê-lo é reconhecendo a importância das políticas públicas que estes dois governos criaram, em especial para a educação superior, e que permitiram minha formação e a conclusão deste doutorado.

Minha gratidão e agradecimentos se estendem também, sempre de forma primeira, a minha família. A meus pais, José Júlio e Marli. A eles devoto sempre o melhor de mim, com eles aprendi o melhor de mim. Neles tenho sempre meu porto de partida e de chegada. Nesses últimos anos mais de partidas que de chegadas. Mas o amor permanece, a cada dia mais forte e presente. Sei o quanto torcem por mim, o quanto me amam, mesmo distantes, mesmo sem minha presença física por perto. A eles não tenho como agradecer o não medir esforços para que eu me dedicasse, integralmente, aos estudos. Mesmo em períodos difíceis, onde certamente seria mais

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Meu pai, minha mãe hoje vocês podem dizer e se orgulhar ainda mais, seu filho se fez doutor, não por que se graduou em Direito como vocês queriam, mas porque cumpriu com a árdua jornada, principalmente para quem não nasceu rico neste país, de se dedicar a formação superior e cumprir com as obrigações de um mestrado, depois doutorado, e que agora torna-se doutor, de fato e de direito.

Agradecer a meu irmão, Fagner Giminiano, minha cunhada Juliana e meus sobrinhos Maria Eduarda e Enzo Gabriel. A família aumentou, e com ela o orgulho de se sentir mais acolhido e amado. Meu irmão é um exemplo para mim, de força de vontade, de capacidade de dar a volta por cima, de perseverança, de inteligência. Quero vê-lo, em breve, ocupando este mesmo lugar que hoje acesso.

Nem todo mundo tem o privilégio de poder ter nos seus sogros e cunhado uma segunda família. A Ernane e a Luziara (Lú) sou eternamente grato por tudo que fizeram e fazem por mim. Sei que que vocês me têm como um filho e eu os tenho como segundos pais. A mesma gratidão estendo a meu cunhado, que considero um irmão.

Mas gratidão maior tenho para com minha esposa, Wanessa, e meus dois filhos, Sophia e Miguel. A eles sou grato por estarem sempre ao meu lado, em todos os momentos. Sempre ali, cobrando minha atenção, suplicando por um pouco de carinho. Que, infelizmente, ao longo destes últimos cinco anos foram rareando de minha parte para com eles. Sempre assoberbado de trabalho, de pesquisa, de tese, ao ponto que chegou determinados momentos que morávamos no mesmo espaço, mas nos víamos a cada três dias. Sou profundamente grato por, mesmo assim, continuarem me amando, cuidando de mim, me querendo sempre perto, pedindo por um final de semana em família. Ao ponto de minha filha tomar verdadeira ojeriza desta palavra, tese. O que para mim é uma enorme conquista, muitas vezes para minha família significou o meu distanciamento, a minha ausência. Mas agora passou. Posso dizer que cada minuto pensei em vocês três. Nos momentos mais complicados, nos momentos finais onde cheguei a pensar em dizer chega, nos momentos de extremo cansaço físico e mental, saber que vocês estavam ali onde sempre estiveram e onde sempre vão estar, ao meu lado, me revigora(va). Não há amor maior que o meu por vocês. Não existe eu sem vocês. Vocês estão em mim e de agora por diante estarei mais com vocês. Essa tese é para vocês.

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chamar de irmãos, outros, outros de amigos. E talvez, no nosso vocabulário, não aja palavra mais bela, mais honesta e sincera para definir uma relação que essa, amizade. E felizmente fui agraciado com vários deles que fica difícil enumerá-los sem correr o risco de esquecer alguém. Ingrid, Sheyla, Tavinho, Renatinha, Pablo Spindola, Karla Carvalho, André, Márcio Ananias, Giscard, Félix, seu Eduardo, Laís Bento...pessoas que me tornam melhor, que me humanizam a cada dia, com quem aprendo, com quem cresço pessoalmente. Amigos que torcem por mim, que me devotam respeito, carinho, amor e, sobretudo, amizade. Este percurso tem um pouco de cada um de vocês. Eu tenho um pouco de cada um de vocês. O que seria de nós sem os amigos, o que seria de mim sem vocês.

Não poderia deixar de agradecer também aos companheiros de trabalho. A todos àqueles que nestes últimos dois anos, sobretudo nesta reta final, trabalharam comigo na Secretaria de Educação de São José da Coroa Grande. Que compreenderam minhas ausências e seguraram a barra para que o trabalho fluísse e fosse realizado com o mesmo empenho de sempre. O que me possibilitou uma maior dedicação e tranquilidade na escrita desta tese. A todos vocês meu muito obrigado.

Caminho para finalizar estes agradecimentos, mais uma vez, agradecendo e me posicionando politicamente em defesa da educação pública. Pois sou filho dela, sou fruto da escola pública e da universidade pública. Sem ela, sem sua estrutura, sem seus profissionais jamais me tornaria o que sou hoje. Esse doutorado é construção coletiva. Produto de muitas mãos. Com isso não estou querendo ser modesto e renunciar ao meu compromisso diário com os estudos e com a pesquisa. Mas sou grato o suficiente para reconhecer a importância da escola pública, da universidade pública e, sobretudo, de seus professores em toda a minha formação até este momento. Foi na universidade pública que conheci uma das pessoas mais fundamentais em minha vida profissional, intelectual e pessoal. O professor e hoje amigo Durval Muniz de Albuquerque Jr. Professor na graduação, orientador no mestrado e um dos objetos de estudo desta tese. Ser humano admirável, sincero, honesto, generoso, inteligente. Com ele aprendi a importância da generosidade, da humildade tanto profissional quanto intelectual. Com ele aprendi a ser historiador, a me pensar como historiador. Esta tese, em grande medida, nasce deste encontro, com sua obra, com seu pensamento, com sua pessoa. Querido Durval, mais uma vez

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Foi a universidade pública que me permitiu conhecer Antônio Paulo Rezende. Meu orientador. Uma pessoa e um professor fantásticos. Com ele aprendi na prática o significado de liberdade intelectual. Antônio é uma pessoa sem vaidades intelectuais, mesmo do alto de toda a sua carreira. Afetuoso, generoso, amigo. Suas aulas são um encantamento. São acontecimentos. Seu modo de conduzir a orientação, a distância, mas sempre presente, sempre preocupado e atento. Sensível às nossas angustias e potências. Esta tese tem muito dele, mas a inteira responsabilidade de tudo que foi dito e como foi dito é só minha, da permissão que ele me deu para exercitar minha liberdade de pensar, de pesquisar, de produzir, de escrever. Com Antônio aprendi, sobretudo, a como ser professor. A você toda minha gratidão. O seu entusiasmo a cada conversa nossa sobre minha tese foi sempre uma das energias mais revigorantes de toda essa caminhada. Muito obrigado.

Quero agradecer também a Sandra e a Patrícia, funcionárias públicas exemplares, sempre carinhosas e atentas às nossas demandas no PPGH, sobretudo para nos ajudar a resolver os entraves burocráticos da caminhada. Sou muito grato a ambas.

Não poderia deixar de agradecer também aos membros da banca de qualificação, que também comporão a banca de defesa: Professor Flávio Weistein e Professor Jorge Siqueira. Suas arguições, o rigor e generosidade com que leram o trabalho e conduziram a banca de qualificação, as sugestões dadas foram fundamentais para os rumos que o trabalho tomou e como ele ora se apresenta. Quero agradecer mais uma vez o aceite do convite para estarem na banca de defesa.

Agradeço imensamente a generosidade dos membros externos da banca, Professor Alarcon Agra do Ó, velho conhecido, meu professor de graduação, que me dará a honra de avaliar meu trabalho; tese esta que ainda guarda um pouco de suas aulas de teoria da história na UFCG, minha casa primeira. Ela não poderia deixar de estar representada na banca, e ninguém melhor que Alarcon para o fazê-lo. Agradecer aos professores Fernando Nicolazzi, da UFRGS, e Rodrigo Turin da UNIRIO, por terem aceito o convite para participarem da banca. Desde o início do contato sempre muito atenciosos e generosos. O professor Fernando tive o prazer de encontrar e conversar pessoalmente ano passado em Brasília, quando do evento nacional da ANPUH. Humildade em pessoa. Parecia que nos conhecíamos a anos, mesmo sendo

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poderei ter o prazer de conhece-lo pessoalmente no momento da defesa. No país de um governo golpista e ilegítimo que assaltou o poder de estado, a universidade pública está mais uma vez sob ataque. Dado o desmonte implementando no último ano, não há mais recursos para os programas de pós-graduação custearem, sequer, a vinda de professores de outros estados para a participação em uma banca de doutorado.

A participação de ambos terá de ser por Skype. Uma frustração para mim, tão afeito que sou a conversa e ao debate feito com interlocutores presentes fisicamente. Infelizmente a universidade pública tem de se submeter, mais uma vez, ao desmonte neoliberal e a sanha predadora de nossas elites e oligarquias escravocratas que tomaram, mais uma vez de assalto, o estado brasileiro. É preciso reagir e resistir. É preciso dizer as pessoas que a Universidade pública não é privilégio, mas um dos únicos meios por onde o filho do pobre, o preto favelado, onde o filho de agricultor, vindo do sertão da Paraíba pode se fazer doutor, onde muitos outros, como eu, podem trilhar o mesmo percurso. Finalizo, portanto, rendendo todas as minhas homenagens e agradecimentos a universidade pública, em especial às instituições que me fizeram historiador e, neste momento, doutor, a UFCG e a UFPE.

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Esta tese busca historiar como foi possível pensar, a partir dos anos 1980, aquilo que chamamos de historiografia brasileira. Parto da hipótese que esta noção só pode ser pensada e dita para se referir ao ofício do historiador profissional, acadêmico e ao produto deste ofício produzidos no Brasil, mas, também, para se pensar e problematizar a escrita da história como um conjunto mais ou menos regular de procedimentos, protocolos, domínios e áreas de pesquisas que se articulam a um lugar social e buscam ser apresentadas para os pares, em particular, e a sociedade, em geral, na forma de uma escrita legítima e autorizada, nomeada pelo termo de historiografia brasileira, apenas a partir da década de 1980. Desde então esta noção passa a ser usada, quase que exclusivamente, para se referir ao trabalho do historiador profissional, acadêmico e ao produto de seu ofício, entendido como a escrita da história no Brasil. Para historiar este problema e pensar esta hipótese uso um corpus documental recortado e selecionado a partir de três revistas científicas da área: a Revista Brasileira de História – RBH, criada em 1981, a Revista Estudos Históricos – REH publicada a primeira vez em 1988, e a Revista Anos 90 que começa a circular em 1993. Desta série documental selecionei e recortei os textos que abordam e discutem questões relativas à teoria e metodologia da história, àqueles pensados como balanços historiográficos ou avaliações críticas do ofício do historiador e do produto deste, a escrita da história, assim como os trabalhos de história da historiografia. Esta série permitiu recortar o período de abrangência desta tese e discutir como os trabalhos de teoria da história e história da historiografia produzidos nesse recorte contribuíram para configurar, definir e validar o que chamamos hoje de historiografia brasileira como sendo, majoritariamente, aquele saber produzido na academia, em especial nos programas de pós-graduação, por um historiador profissional, disciplinado. A tese foi dividida em duas partes: na primeira trato da configuração de uma geografia disciplinar para a história no Brasil, a partir da disposição espacial dos seus lugares de produção e circulação e, de forma correlata, da elaboração de uma memória disciplinar, como modo de temporalização do saber histórico e de sua relação com o seu passado (como limitação e constrangimento), o seu presente (como espaço de experiência) e seus horizontes de expectativas. Na segunda discuto processos de temporalização do saber histórico a partir da

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espécie de consciência crítica do ofício do historiador profissional no país e da escrita da história. Conclui-se que a historiografia brasileira é produto da tensão permanente entre a configuração de uma geografia e uma memória disciplinar, permeada por disputas político-institucionais sobre o dizer-se nacional, e da legitimação social do produto daí decorrente, a escrita da história, tanto pelos pares quanto pela sociedade a qual se articula em um dado tempo e lugar, neste caso o Brasil entre os anos de 1980 e 2012.

PALAVRAS-CHAVE: Historiografia brasileira. Geografia disciplinar. Memória disciplinar. Epistemologia. Instituições.

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This thesis tries to record how it was possible to think, from the 1980s, what we named Brazilian historiography. I start from the hypothesis that this notion can only be thought and said to refer to the carreer of the professional historian and the product of this craft, but also to think and problematize the writing of history in the country as a more or less regular set of procedures, protocols, domains and research areas that are articulated to a social place and looking for be presented to pairs, in particular, and society in general, in the form of legitimate and authoritative writing ,named as Brazilian historiography, only from the 1980s.From that, this is the notion used to refer to the work of the professional historian and the product of his craft, understood as the writing of history in Brazil. To get to make history from this problem and to think about this hypothesis, I am launching a documentary corpus that has been cut out and selected from three scientific journals of the area: the Brazilian History Magazine - RBH, created in 1981, REH published the first time in 1988, and 90’s Magazines, which began circulating in 1993. From this series I selected and cut out the texts that address and discuss issues related to the theory and methodology of history, to those thought as historiographical balances or critical evaluations of the office the historian and the product of this, the writing of history, as well as the works of history of historiographical of the 1980s.This series allows me to shorten the scope of this thesis and to discuss how the works of history theory and history of historiography produced in this section contributed to configure, define and validate what we call today Brazilian historiography as being, mostly, that knowledge produced in academia, especially in graduate programs, by a professional historian. From the work with this corpus the thesis was divided into two parts. In the first I deal with the configuration of a disciplinary geography for history in Brazil, based on the spatial disposition of its places of production and circulation and, correspondingly, the elaboration of a disciplinary memory, as (as limitation and constraint), its present (as an experience place) and its horizons of expectations. In the second I discuss these processes of temporalization of historical knowledge from the emergence of history as a privileged area of historicization of historical knowledge, but also of its validation and epistemological evaluation, a kind of critical awareness of the professional historian in the country and writing history. It is concluded from this that Brazilian historiography is a product of the permanent tension between the configuration of a geography and a disciplinary

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society to which it articulates in a given time and place, in this case Brazil between the years of 1980 and 2012.

KEYWORDS: Brazilian historiography. Disciplinary geography. Disciplinary memory. Epistemology. Institutions.

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1 INTRODUÇÃO ... 15

2 O LUGAR SOCIAL DE PRODUÇÃO DA RBH... 33

2.1 LUGARES INSTITUCIONAIS: A RBH e a ANPUH ... 33

2.2 A RBH E AS PÓS-GRADUAÇÕES ... 48

2.3 A RBH E A CONSTRUÇÃO DO NÓS HISTORIOGRÁFICO ... 64

2.4 A PUBLICAÇÃO NA RBH E O CRIVO DOS PARES ... 80

3 A RBH E A CONFIGURAÇÃO DO CAMPO HISTORIOGRÁFICO BRASILEIRO PROFISSIONAL, ACADÊMICO: Cartografando lugares e estabelecendo uma memória disciplinar... 88

3.1 A RBH NOS ANOS 1990: As redes intelectuais e institucionais que cartografam a historiografia brasileira profissional, acadêmica... 88

3.2 ERIGINDO FRONTEIRAS GEOGRÁFICAS EM TORNO DE DADAS MEMÓRIAS DISCIPLINARES PARA O SABER HISTÓRICO NO BRASIL: Disputas pela “moderna historiografia brasileira”... 107

3.3 CONFIGURANDO A GEOGRAFIA DISCIPLINAR DA HISTORIOGRAFIA BRASILIERA PROFISSIONAL, ACADÊMICA NOS ANOS 2000: Cartografando novos espaços e redesenhando antigas áreas... 120

3.4 AS COMEMORAÇÕES DO CINQUENTENÁRIO DA ANPUH E DOS 30 ANOS DA RBH: A memória disciplinar da Associação e da Revista em cheque... 130

4 UMA NOVA CARTOGRAFIA: Os debates teórico-metodológicos como definidores da geografia disciplinar da historiografia brasileira profissional, acadêmica...…... 178

4.1 ESCRITAS DA HISTÓRIA NAS PÁGINAS DA RBH: Ensaiando debates teóricos, metodológicos e historiográficos... 179

4.2 A RBH E A DEFINIÇÃO DE DADOS MARCOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS PARA A “MODERNA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA”: Usos e apropriações... 199

5 A RETÓRICA DA CRISE E A EMERGÊNCIA DA CRÍTICA HISTORIOGRÁFICA NO BRASIL A PARTIR DOS ANOS 1980: uma tentativa de definir a historiografia brasileira profissional, acadêmica... 233

5.1 A HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA COMO OBJETO DE REFLEXÃO EPISTEMOLÓGICA... 233

5.2 CRISE DA HISTÓRIA OU CRISE DOS HISTORIADORES? Francisco Falcon e a crítica historiográfica como instrumento de reflexão sobre a identidade do historiador... 262

5.3 A CRÍTICA HISTORIOGRÁFICA NO BRASIL NOS ANOS 1990 E O “ESPECTRO” DO LINGUISTIC TURN: Um “combate” entre “modernos” e “pós-modernos”... 270 6 A REVISTA ESTUDOS HISTÓRICOS – REH E A FORMAÇÃO DE

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EPISTEMOLÓGICA... 289 6.2 CRISE DA HISTÓRIA OU CRISE DOS HISTORIADORES? Francisco

Falcon e a crítica historiográfica como instrumento de reflexão sobre a identidade do historiador... 314 6.3 A CRÍTICA HISTORIOGRÁFICA NO BRASIL NOS ANOS 1990 E O

“ESPECTRO” DO LINGUISTIC TURN: Um “combate” entre “modernos” e “pós-modernos”... 327 7 A REVISTA ANOS 90 E A ESPECIALIZAÇÃO DE UMA ÁREA DE

DISCUSSÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO: Pensando a teoria e a metodologia da história como área de pesquisa no Brasil... 366 7.1 DURVAL MUNIZ DE ALBUQUERQUE JR.: A crítica historiográfica

pensada a partir da “terceira margem do rio” ou “um olhar das

margens”... 393 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 414 REFERÊNCIAS... 419

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1 INTRODUÇÃO

As discussões em torno da história da historiografia e da teoria e metodologia da história tem recebido inúmeras contribuições ao longo dos últimos anos em nosso país. O que vem possibilitando, dentre outras questões, uma elaboração teórica e metodológica mais substancial e aprofundada das obras historiográficas aqui produzidas. Tem-se dado maior ênfase à discussão, ao entendimento e à operacionalização dos conceitos, e aos aparatos teórico-metodológicos usados para a construção do saber histórico no Brasil.

Isto se refletiu, sobremaneira, numa maior relevância da história da historiografia como uma das áreas mais discutidas, problematizadas e estudadas dentro do da disciplina História, no Brasil, hoje. Exemplos disso são a criação de linhas de pesquisa específicas para a discussão da teoria e metodologia da história e da historiografia em alguns dos principais programas de pós-graduação do país, tais como o programa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e o da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP, mas também as discussões realizadas por historiadores localizados em instituições cariocas como a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFFRJ, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, assim como, mais recentemente, em instituições paulistas como a Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP e a Universidade Estadual Paulista – UNESP/Assis. Também foram criados alguns espaços institucionais que encampam e, em grande medida, direcionam estas discussões, como, por exemplo, a Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia – SBTHH e dois Grupos de Trabalho – GTs inscritos na Associação Nacional de História – ANPUH Nacional. Vale lembrar ainda que a Associação Nacional de História foi presidida nos biênios 2007-2009 por Manoel Luiz Salgado Guimarães e em 2009-2011 por Durval Muniz de Albuquerque Júnior, pesquisadores ligados à área.

Outro importante espaço institucional tem sido garantido pela Revista de História da Historiografia – RHH, ligada ao programa da UFOP e a SBTHH que tem dado vazão a artigos escritos por pesquisadores nacionais e internacionais e se constituído como veículo de divulgação de pesquisas da área, gozando de respeito internacional. Também no campo das revistas cientificas, a Revista de Teoria da

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História ligada ao PPGH da Universidade Federal de Goiás – UFG, se constituiu como um importante instrumento de afirmação científica para os pesquisadores ligados ao campo da teoria e história da historiografia.

Já existe também um número significativo de pesquisadores ligados à área, como por exemplo; Temístocles Cezar e Fernando Nicolazzi na UFRSG, Pedro Spinola Pereira Caldas e Rodrigo Turim na UNIRIO, Rebeca Gontijo e Maria da Glória de Oliveira na UFRRJ, Valdei Lopes de Araújo e Sérgio Ricardo da Mata na UFOP, Estevão Resende Martins e Arthur Oliveira Alfaix Assis da UNB, Lucia Maria Paschoal Guimarães e Thiago Lima Nicodemo da UERJ, Luiz Costa Lima e Marcelo Gantus Jasmin na Pontífica Universidade Católica – PUC-Rio, Marlon Salomon, Carlos Oiti Berbet Junior e Luiz Sérgio Duarte da Silva da Universidade Federal de Goiás – UFG, Durval Muniz de Albuquerque Júnior das Universidades Federal do Rio Grande do Norte e de Pernambuco – UFRN/UFPE, para citar apenas alguns dos mais conhecidos. Os pesquisadores citados desenvolvem pesquisas e promovem cursos apontando questões variadas e inovadoras relativas à teoria e história da historiografia, demonstrando a multiplicidade e a consolidação da área em diferentes vertentes e instituições. É a esta tradição de pesquisa que o presente trabalho se filia, sem, contudo, deixar de fazer uma abordagem critica desta própria tradição e pensa-la a partir de sua própria historicidade, tentando evitar os riscos de uma adesão ingênua e acrítica.

Assim, a teoria da história e a história da historiografia vem se consolidando como áreas de saber com certo grau de especificidade, perscrutando a produção do ofício do historiador de forma cada vez mais sistemática e contundente. Tanto do ponto de vista conceitual, metodológico e das regras e procedimentos que presidem a construção deste saber, quanto do ponto de vista de sua historicidade, da sua imersão nos meandros das múltiplas temporalidades que perpassam e constituem a história da historiografia no Brasil.

No entanto, estas discussões são bastante recentes no campo historiográfico brasileiro. A história da historiografia como área de pesquisa e o historiador que a toma como objeto de estudo são fenômenos bem recentes no país. Sua atual proeminência, quantidade e qualidade de produção tem uma história que

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não é das mais longas dentro da história da história no Brasil. Estes estudos, como o definimos hoje, emergem no país apenas a partir da segunda metade dos anos 19801.

Quando iniciei esta pesquisa, por volta do ano de 2011, para elaborar o projeto de seleção de doutorado que resultaria nesta tese, era a seguinte questão que se colocava para pensar: como foi possível a emergência da história da historiografia no Brasil e como ela se tornou uma área com relativo grau de especificidade dentro da seara do saber histórico ao ponto de, por muitas vezes, ser pensada como uma espécie de epistemologia da história a avaliar e validar toda a produção de um período? Esta questão se impunha, naquele momento, de forma muito enfática. Sobretudo, por conta das características dos debates teóricos que mobilizavam a maioria dos historiadores brasileiros do período e que apontavam para uma polarização ou uma tensão permanente entre “modernos” e “pós-modernos”, “racionalistas” e “irracionalistas”, historiadores sociais e historiadores culturais, as questões em torno linguistic turn e da escrita da história e por aí se seguia2. Minha

ideia inicial era dar conta de pensar estas questões e problematizar às condições históricas de possibilidade de sua emergência. Em outros termos, o que tentava recortar como objeto era as condições de emergência da história da historiografia e as implicações disto para o saber histórico no Brasil. Tentando dar conta destas questões eu partia, naquele momento, do entendimento de que:

A história da historiografia ou a análise historiográfica, entendida como a reflexão sobre os modelos e as regras que norteiam as práticas da pesquisa e da escritura da história, em momentos e espaços específicos ou em autores e obras tomadas individualmente, faz parte do que podemos chamar da cultura histórica de uma dada época ou sociedade. A maneira como os profissionais do campo historiográfico se debruçam sobre o saber já produzido na área e como o submete a uma avaliação crítica, penso que diz muito dos códigos que delimitam

1 Há estudos anteriores a este período que são colocados, dentro de uma dada memória da área, como

inauguradores ou fundadores da área no Brasil, como, por exemplo, os trabalhos de José Honório Rodrigues – colocado por muitos como o pai fundador da história da historiografia no Brasil –, de José Roberto do Amaral Lapa, Francisco Iglésias e Carlos Guilherme Mota. Neste sentido, os principais trabalhos destes autores referenciados são: Teoria da história do Brasil (1949), A pesquisa histórica

no Brasil (1952), História e historiadores do Brasil (1965), História e historiografia (1970) e História da história do Brasil (1979) de José Honório Rodrigues; A história em questão: historiografia brasileira

contemporânea. (1976) de José Roberto do Amaral Lapa; Ideologia da cultura brasileira (1977) e

História e contra-história: Perfis e contrapontos (2010) de Carlos Guilherme Mota.

2 Esta discussão resultou na escrita do seguinte artigo “Invenção da crítica historiográfica brasileira pós

década de 1980: um campo de batalhas para modernos e pós-modernos”. Cf. SANTOS, Wagner Geminiano dos. Invenção da crítica historiográfica brasileira pós década de 1980: um campo de batalhas para modernos e pós-modernos. Revista de Teoria da História. Goiás, Nº 7, 2012, pp. 128-155.

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a prática historiadora ou mesmo as práticas acadêmicas e científicas, neste campo, num dado momento histórico e social. (ALBUQUERQUE JR., 2006. p. 192)

Assim, o que pretendia fazer era historicizar a história da história no Brasil a partir da década de 1980, tomando como porta de entrada as análises historiográficas dos historiadores brasileiros produzidas acerca dos “modelos e regras que norte[avam] as práticas da pesquisa e da escritura da história” no país, daquele período em diante. Aplicando a esta área de pesquisa as seguintes questões, colocadas a partir de Michel de Certeau: “O que fabrica o historiador quando ‘faz história’ da história? Para quem trabalha? Que produz?” (CERTEAU, 1982). No entanto, esta questão inicial foi sendo modificada ao longo do doutorado e da pesquisa realizada, em grande medida por conta dos acontecimentos políticos que o país foi vivendo e das demandas sociais que emergiram, sobretudo para os historiadores e para o conhecimento histórico no Brasil, a partir de 2013.

Acompanhar e assistir uma série de manifestações que reafirmavam determinados discursos e clichês que a maior parte da comunidade de historiadores julgava soterrados e mortos num passado que acreditava-se já superado, ao menos historiograficamente, fez aparecer uma série de outras questões e problemas. Assistir a reatualização das narrativas da ameaça comunista e vermelha, agora travestida de bolivarianismo-lulo-petista, observar o retorno público das vivandeiras da ditadura e suas passeatas pedindo uma nova intervenção militar no Brasil; viver a experiência de um golpe jurídico-parlamentar-midiático que fraturou todos os princípios republicanos e pôs em frangalhos o Estado Democrático de Direito e todas as suas instituições; ver o recrudescimento de pautas protofascistas, etc, etc. aliado a uma explícita falta de leitura histórica – condizente com as atuais leituras acadêmicas produzidas sobre os diversos períodos da história do país – da realidade brasileira presente em praticamente todos estes discursos, veiculados ao longo destes últimos cinco anos, assim como presenciar a difusão maciça, via redes sociais e mídia coorporativa, destas leituras, que ao mesmo tempo que se pretendem históricas não trazem a menor profundidade ou amparo nas práticas e pesquisas historiográficas acadêmicas mais recentes, provocou um deslocamento sensível na maneira como eu havia estabelecido o problema da pesquisa e sua pertinência quando do início do doutorado.

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Assim, este conjunto de eventos e acontecimentos foi me fazendo redefinir o problema e, sobretudo, a perguntar pelo que fizeram os historiadores brasileiros quando produziram história nas últimas quatro décadas, em especial depois do período de redemocratização do país. O problema que começava a se impor era o seguinte: o que é isto que chamamos de historiografia brasileira, hoje? Como ela tem sido ou foi produzida nas últimas décadas? Como se forjam ou são forjados os sujeitos historiadores? Quais os lugares de produção deste saber ao longo deste período e para quem os historiadores escrevem/falam? Quais as virtudes epistêmicas que constituem ou permitiram construir esta persona acadêmica que chamamos de historiador, no Brasil, a partir dos anos 1980? E, sobretudo, como ele tem atuado publicamente, na academia e fora dela? Assim, da história da historiografia como objeto voltamos a pensar as próprias condições históricas de possibilidade daquilo que chamamos hoje, de forma tão naturalizada, de historiografia brasileira. Comecei a me perguntar quais os critérios, as regras, os procedimentos que definem, regulam e permitem chamar uma dada prática de saber como historiografia brasileira. E como ela tem se legitimado socialmente. Ao deslocar o problema inicial para esta questão busquei dar conta de compreender porque caminhos os historiadores profissionais, acadêmicos e a “historiografia brasileira” por eles produzida sofrem, hoje, um forte processo de deslegitimação social, sendo muitas vezes reduzidos a condição de historiadores “doutrinadores, comunistas” e seu saber tido como “ideológico e militante” da causa petista. Minha interrogação se endereça muito mais às escolhas da comunidade dos historiadores brasileiros, ao longo das últimas três décadas, do que propriamente a uma análise da recepção desta historiografia fora da comunidade dos pares.

Os eventos cada vez mais conturbados que recortavam o presente e o sentimento angustiante de ver o passado e aquilo que julgávamos história se repetirem de forma aguda e, muitas vezes, dolorosa me fazia perguntar sobre como isso foi possível, sobre como nós, historiadores, mesmo diante de toda sofisticação das discussões que perpassa(va)m nossa área, não conseguimos criar uma cultura histórica e um dever de memória que pudesse ter bloqueado às possibilidades de retorno efetivo do passado no presente? Uma sensação de que havíamos falhado, enquanto historiadores, me tomava naquele momento. A sensação de que nossas escolhas teóricas, metodológicas, temáticas, os modos escolhidos para se escrever a história no Brasil, sobretudo após a redemocratização, pareciam não ter sido

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suficientes senão para evitar a repetição ou a reatualização daquilo que há de pior na nossa história, mas ao menos para criar bloqueios narrativos capazes de fazer barragem ao retorno desavergonhado e desabrido daquelas narrativas e das práticas a ela atreladas ao espaço público. Portanto, foi tentando entender como isso foi possível que me voltei para pensar o que fizeram os historiadores brasileiros quando escreveram história nos últimos 30 anos, sobretudo depois da experiência traumática da ditadura civil-militar. Procuro, portanto, problematizar quais os caminhos, os percursos, as disputas e discussões que configuraram a historiografia brasileira no nosso período democrático, mas que não foram capaz de construir ou de contribuir de forma mais contundente para a construção de mecanismos eficazes de empoderamento e defesa da própria democracia, sobretudo entre públicos e audiências mais amplas que os pares. São estas questões que mobilizam e orientam esta tese. E ao descrever e analisar o percurso que faz do saber histórico produzido no Brasil, ao longo deste período, ser chamado de historiografia brasileira e dos sujeitos responsáveis por este ofício serem chamados de historiadores, espero oferecer mecanismos para escrutinarmos e nos postarmos politicamente no presente e repensarmos o nosso próprio fazer e o formato que ele tomou hoje, e quem sabe pensar novos horizontes de expectativa para a história e os historiadores no Brasil.

Para dar conta destas questões recorro a alguns operadores heurísticos que aparecerão ao longo desta tese. Apresentarei neste introito apenas àqueles que julgo centrais para pensar o problema colocado. Inicio com os de virtudes epistêmicas e persona acadêmica. Faço um uso pouco ortodoxo destes conceitos a partir da leitura que fiz da tese de doutorado de João Munhoz Ohara, intitulada Virtudes Epistêmicas na Historiografia Brasileira (1980-1990), na qual o mesmo, a partir de Herman Paul, pensa o primeiro conceito da seguinte maneira:

O uso histórico do conceito de virtude epistêmica é provavelmente muito mais sensível a contextos do que os filósofos gostariam...de uma perspectiva algo “historicista”, o que importa é entender como, em certos lugares e épocas, valores específicos foram considerados mais importantes do que outros no processo de produção do conhecimento [histórico]...isso significa que o importante é entender como os historiadores...vieram a valorizar a precisão no trato documental mais que a proeza literária ou a rica imaginação; ou como alguns historiadores...mudaram suas referências e passaram a dar mais valor à criatividade.

Dito isso...o objetivo do historiador é o de compreender como diferentes condutas foram consideradas adequadas para a aquisição

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de conhecimento em diferentes instâncias, pouco importa se o grupo estudado considera como virtuosas faculdades cognitivas ou disposições de caráter. É indiferente também o fato de algumas condutas parecerem mais ou menos apropriadas para o presente; a tarefa central, mais do que julgar, é de descrever os enunciados e as formações discursivas que cercam a conduta daquele a quem se designou a capacidade de falar do passado. Em outras palavras, o uso histórico do conceito de virtude epistêmica opera mais no nível descritivo do que no prescritivo, no sentido de que seu objetivo é descrever e analisar casos concretos de uso de discursos axiológicos, mais do que chegar a uma definição precisa do que seria uma virtude epistêmica tout coutr. (OHARA, 2017, p. 20-21)

Portanto, o leitor atento logo perceberá quando estarei me apropriando deste operador conceitual e de como preferi operar dentro dos níveis descritivo e analítico, tentando evitar qualquer caráter normativo ou prescritivo, mas buscando configurar uma imagem mais geral deste processo de constituição do historiador acadêmico, profissional no Brasil pós 1980. Me interessa, portanto, mapear quais valores e condutas tornaram-se centrais na constituição do ofício do historiador e na definição de sua(s) identidade(s) a partir dos anos 1980, e como estes valores e virtudes reverberam na escrita da história no Brasil, permitindo ou possibilitando falar de uma “historiografia brasileira” e de um determinado tipo de historiador, o historiador acadêmico, profissional forjado, em grande medida, nas oficinas da pós-graduação, o historiador disciplinado. É neste sentido que agenciamos o conceito de persona acadêmica, apropriado a partir de Ohara da seguinte maneira:

A persona acadêmica é um repertório de características em relação às quais um indivíduo se situa para ser reconhecido enquanto acadêmico – no caso específico desta pesquisa, enquanto um historiador. Mas como sistema de valores, tais repertórios só existem na medida em que são mobilizados em performances concretas. Aqui o conceito de scholarly self faz referência às performances individuais que tencionam as experiências particulares dos indivíduos com as constelações regulatórias abstratas...em outras palavras, essas personae só existem enquanto ideias regulatórias em relação aos quais indivíduos podem posicionar na produção de suas próprias subjetividades – seus scholarly selves.

Tais valores não são exclusivamente epistêmicos ou intelectuais; em muitos casos podem envolver também questões éticas políticas ou econômicas. De várias maneiras, fatores extra ou não-epistêmicos constituem motivações importantes em certas configurações específicas de personas acadêmicas (OHARA, 2017, p. 24)

Dito isto, retomo o problema que orienta e articula esta tese: o que é que se foi chamando de historiografia brasileira nas últimas três ou quatro décadas? A

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hipótese que orientou este trabalho é a de que do ponto de vista da constituição do território nacional e tomando a perspectiva de análise de uma formação discursiva nacional que possa falar em nome de uma “historiografia brasileira”, sobretudo acadêmica, profissional, disciplinada, pensada como unidade e homogeneidade, não pode ser pensada, nestes termos, no Brasil, antes da década de 1980. Ou seja, aquilo que consideramos e nomeamos hoje como historiografia brasileira, profissional, acadêmica, é uma invenção derivada das disputas políticas, institucionais, intelectuais, econômicas e culturais produzidas a partir daquele período. Advogo que antes de 1980 só é possível falar em historiografias e disputas de campo muito restritas a planos locais e/ou regionais que se arvoravam falar em e ocupar o lugar do nacional. Havia um campo do saber histórico paulista, monopolizado pelos historiadores e pela historiografia produzida na USP até mais ou menos meados dos anos 1980 e que pretendia falar em nome do e se dizer nacional, espaço este que vai ser disputado a partir daquela década também pelos historiadores estabelecidos no PPGH da UNICAMP. Havia um campo do saber histórico fluminense, bastante plural, constituído por diversas instituições do saber e os sujeitos a elas atrelados, historiadores profissionais ou não, desde àquelas mais oficiais e tradicionais como o Museu Histórico, a Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional passando pelo IHGB até se chegar a fundações como a Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ e a Fundação Getúlio Vargas – FGV e finalizando com os programas de pós-graduação das universidades públicas e privadas (UFF, UFRJ, UERJ, UNIRIO, PUC-RJ, etc.) que também, sobretudo a partir dos anos 1980, reivindicam a autoridade e a legitimidade em falar pelo nacional ou em se colocar como o próprio. Mesmo diante dos vários Planos Nacionais de Pós-Graduação aprovados e dos crescentes financiamentos por parte de fundações e entidades de fomento como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, até meados dos anos 1990 não era possível se falar, plenamente de uma “historiografia brasileira”, acadêmica, profissional que pudesse ser entendida tanto do ponto de vista de seus objetos quanto do recorte espacial como um saber identificado ou representativo de todo o território nacional. Desconfio se é possível se falar nestes termos ainda hoje, principalmente se o pensarmos a partir de uma suposta unidade e identidade desta produção e da própria formação do historiador profissional no Brasil.

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Este era – e ainda é – um objeto, um conceito e um território em disputa. É neste sentido que ao invés do conceito de campo prefiro usar e falar, para me referir a alguns momentos desta produção, me apropriando de uma leitura de Gilles Deleuze feita a partir de Roberto Machado no seu livro Deleuze e a Filosofia, de geografia disciplinar. Entendo que dos anos 1980 em diante o que se busca constituir no país é uma geografia disciplinar para o conhecimento histórico no Brasil. E aqui isto se liga ao fato que entendo a história da historiografia como uma espécie de genealogia da história. E neste sentido uma de suas características:

É o fato de ela se propor mais como uma geografia do que propriamente como uma história, no sentido em que, para ela, o pensamento, não apenas e fundamentalmente do ponto de vista do conteúdo, mas de sua própria forma, em vez de constituir sistemas fechados, pressupõe eixos e orientações pelos quais se desenvolve. O que acarreta a exigência de considera-lo não como história linear progressiva, mas privilegiando constituição de espaços, de tipos. (MACHADO, 1990, p. 08)

Penso desta maneira o agenciamento deste conceito para o articular a uma outra questão que me parece fundamental para pensar o período que estou estudando, qual seja: em boa parte deste período, sobretudo entre os anos 1980 e 1990 a história da história foi pensada como crítica historiográfica e, neste sentido, carregava não só um sentido prescritivo, mas, sobretudo, normativo e regulatório ao se colocar como uma espécie de epistemologia da história. Assim esta modalidade de epistemologia da história representaria para o saber histórico aquilo que, segundo Roberto Machado, Deleuze afirmava que a história da filosofia e a epistemologia procuravam representar para a filosofia, ou seja:

Quando Deleuze diz que o filósofo é criador e não reflexivo, o que ele pretende é se insinuar contra a caracterização da filosofia como um metadiscurso, uma metalinguagem, que tem como objetivo formular ou explicitar critérios de legitimidade ou de justificação, e reivindicar para ela a produção de conhecimento ou, mais propriamente, a criação de pensamento, como as outras formas de saber, sejam elas científicas ou não. Daí porque ele denuncia a epistemologia como um agente de poder da filosofia que desempenha, como a história da filosofia, um papel de repressor do pensamento ou se constituí como um aparelho de poder no próprio pensamento. (MACHADO, 1990, p. 02)

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Portanto, é a partir destes dois registros e desdobrando suas possibilidades que usarei o conceito de geografia disciplinar para pensar a espacialização do saber histórico no Brasil a partir dos anos 1980 e a constituição das hierarquias de espaços e lugares de inscrição e produção do discurso histórico nesse período. Do mesmo modo o conceito de epistemologia histórica será pensado como uma modalidade de crítica historiográfica que visa regular, avaliar e, acima de tudo, se posicionar como um aparelho de poder que explicita os critérios que legitimariam e justificariam o saber histórico em um dado tempo e lugar. Portanto, no entendimento que estou firmando nesta tese só se pode falar em um campo do saber histórico no Brasil, de forma mais ou menos homogênea, depois que sua geografia é configurada pela primeira vez em um território tido como nacional. Por fim recorro a um outro conceito que é central nesta tese e se faz correlato aos anteriores, o de memória disciplinar. Pois se há um processo de espacialização do saber histórico este não deixa de ser correlato e simultâneo a um dado modo de temporalização do discurso histórico, entendido aqui como a formulação ou constituição de uma memória disciplinar. Recorro ao historiador Rodrigo Turin, que por sua vez se apropriou das leituras de Manoel Salgado Guimarães para pensar este conceito, chamando a atenção para o fato de que é preciso

Atentar para essa dupla dimensão, na qual a pesquisa sobre as formas de representação do passado e, mais especificamente, sobre a disciplina histórica, caminhava paralelamente a um questionamento constante em relação aos constrangimentos e às possibilidades legadas por essa mesma tradição disciplinar na qual se inseria. Uma das noções recorrentes em seus trabalhos e que mais sintetiza essa postura é, justamente, a de “memória disciplinar”. Presente em diferentes textos, esta noção visava introduzir uma dimensão crítica necessária a todo trabalho hermenêutico da história da historiografia. Ela implicava reconhecer, acima de tudo, que o próprio surgimento deste lugar de enunciação, a história da historiografia, estava estritamente vinculado a um trabalho de memória, submetendo o passado a uma narrativa de identidade disciplinar (GUIMARÃES 2005). Uma memória que, em seu ordenamento narrativo, ao mesmo tempo dá a ver e silencia, condicionando invariavelmente a percepção de seus herdeiros a respeito do passado (TURIN, 2013, p. 79).

Portanto, a invenção ou a construção da ideia de uma historiografia brasileira profissional, acadêmica como um conjunto de práticas e discursos mais ou menos regulares e de produção de sentidos referido a um tempo e lugar, neste caso o Brasil a partir dos anos 1980, pressupõe, a meu ver, uma tensão permanente entre

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a configuração de uma geografia disciplinar como processo de espacialização e hierarquização do saber histórico e a elaboração de uma memória disciplinar como estabelecimento de uma dada relação dos historiadores e da escrita da história com uma temporalidade ou com um regime de historicidade qualquer, ou seja, é a relação que o historiador e o discurso por ele produzido em um dado momento e lugar estabelecem com o seu passado, o seu presente e as suas expectativas de futuro que definem uma memória disciplinar para a área. É desta tensão que emerge um campo de saber que pode vir a ser nomeado de historiografia brasileira.

É justamente esta história que busco contar no texto que se segue. Como foi possível que a partir dos anos 1980 emergisse aquilo que chamamos hoje de historiografia brasileira, fabricada academicamente por um historiador dito profissional. Quais eram os projetos e modelos de escrita da história em disputa? Como a história da historiografia se insinua neste processo e participa da elaboração deste campo? Qual o papel que ela desenvolve na formulação desta instituição chamada historiografia brasileira e, sobretudo, o que que a define como tal ao longo deste período? Qual é o sujeito historiador requerido para falar em nome da historiografia brasileira?

São questões que implicaram o recorte e seleção de um corpus documental bem preciso, que me permitisse ao mesmo tempo mapear e representar grande parte da produção histórica feita no Brasil neste período e não me fizesse recair em generalizações grosseiras e arbitrárias ou na produção de balanços genéricos e laudatórios. Desta forma recortei três revistas especializadas da área como fontes básicas para este trabalho, são elas: a Revista Brasileira de História – RBH, da Associação Brasileira de História – ANPUH, a Revista Estudos Históricos do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC da Fundação Getúlio Vargas – FGV e a Revista anos 90 do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. A escolha destas revistas não foi, de modo algum, aleatória. Ela está diretamente ligada ao problema que articula esta tese, à medida que a RBH consistiu num dos principais instrumentos de divulgação e circulação do saber histórico produzido no país a partir dos anos 1980. Criada em 1981 como a revista da principal Associação de historiadores do país, a ANPUH, a RBH representa, portanto, uma parcela significativa desta produção e permite constituir uma série documental bastante longa a partir da qual é possível observar uma certa perspectiva de conjunto desta produção e, acima

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de tudo, se perguntar qual memória disciplinar ela permite elaborar acerca da “historiografia brasileira” bem como cartografar, a partir dela, a configuração de uma dada geografia disciplinar do saber histórico no Brasil neste período.

Já a Revista Estudos Históricos se configura, a partir de finais dos anos 1980, em importante espaço de divulgação e circulação de discussões teóricas e metodológicas acerca do conhecimento histórico, em particular, e das Ciências Sociais, no geral. A Revista é criada com este propósito e se configura como um espaço de acalorados debates sobre o ofício do historiador no Brasil, adotando uma postura editorial não disciplinar para promover e circular tais discussões. Não sendo, portanto, uma revista só de historiadores. Além disso, ela nasce ligada e vinculada às instituições fluminenses de produção do saber histórico. O que me permite coloca-la numa série documental ao mesmo tempo complementar e oposta àquela configurada pela RBH, possibilitando, com isso, observar uma maior pluralidade de debates sobre o que estava sendo chamado de historiografia brasileira e, por conseguinte, mapear outros espaços e lugares de enfrentamento e disputas institucionais e intelectuais em torno do saber histórico no país.

Por seu turno a escolha da Revista Anos 90 foi definida por ser uma das primeiras revistas especializadas ligadas diretamente a um Programa de Pós-Graduação que tem como uma de suas principais linhas de pesquisa a teoria e a metodologia da História. Neste sentido, a revista foi palco de intensos debates ao longo dos anos 1990 e 2000 que tiveram como foco esta área de pesquisa. Área que era considerada e vista como marginal ou periférica dentro da configuração da geografia disciplinar do saber histórico no país até meados dos anos 1990, mas que a partir deste momento em diante começa a ganhar cada vez mais centralidade na definição e validação da “historiografia brasileira” profissional, acadêmica. Neste sentido, a criação da Revista Anos 90 é um acontecimento simbólico para a emergência deste tipo de discussão e me permite constituir uma série documental que articula este debate para além do eixo Rio-São Paulo, buscando pensá-lo a partir desta área do conhecimento histórico e de como ele participa da definição do objeto desta tese, a historiografia brasileira.

No entanto, trabalhar com todos os artigos, textos, entrevistas, resenhas etc. publicados ao longo dos últimos 20 ou 30 anos, desde a criação destas revistas, é praticamente impossível, dado a periodicidade e o volume de publicações existentes nos três periódicos. Para não incorrer em generalismos e recortar melhor a massa de

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documentos e constituir uma série documental mais homogênea recortei para análise, nas três revistas, apenas os artigos, textos, entrevistas, resenhas que discutissem questões de ordem teórica, metodológica ou epistemológica sobre o oficio do historiador e a escrita da história. Assim como àqueles trabalhos que se apresentavam como sendo de história da historiografia, sejam em formato de balanços historiográficos, resenhas ou pesquisas mais elaboradas. A partir deste recorte procurei mapear outros debates ocorridos alhures, mas que se articulavam aos textos publicados nas revistas acima e, portanto, configuravam as disputas para constituir e configurar a historiografia profissional, acadêmica no Brasil a partir dos anos 1980. Assim, partimos das revistas especializadas e deste recorte temático para mapear um debate um pouco mais amplo na formação do campo do saber histórico no país a partir daquela década.

É importante destacar que as revistas especializadas terão um papel fundamental neste processo, sobretudo para a institucionalização e profissionalização da história e dos historiadores no Brasil, em torno, sobretudo, dos programas de pós-graduação. As revistas serão um dos principais veículos de circulação dos debates e pesquisas aí produzidas e promovidas, assim como vetores do processo de especialização pelo qual passou a história e os historiadores no país nos últimos anos. Não haveria especialização do conhecimento histórico no Brasil sem a presença e o papel desempenhado por estas revistas.

Por fim, contribuiu sobremaneira para a produção desta tese uma outra série de documentos, os currículos lattes disponíveis na Plataforma Lattes. Eles se constituíram em importantes instrumentos de mapeamento de debates, de localização de textos e artigos, de interlocuções intelectuais e institucionais bem como para pensar as biografias intelectual, institucional e profissional de alguns historiadores e seus percursos de formação. Os curriculuns lattes são fontes imprescindíveis para quem trabalha com história da historiografia e estabelece como horizonte de pesquisa a formação do historiador profissional, acadêmico, disciplinado no Brasil.

Dito isto, estruturei a tese da seguinte maneira: ela segue dividida em duas partes, cada uma composta por três seções3. Na primeira parte tentei dar conta de

3 Parte das discussões apresentadas agora em formato de tese já haviam sido apresentadas aos pares,

em diversos momentos, seja em formato de artigos, comunicações orais, palestras, resumos expandidos, etc. Gostaria aqui de agradecer as várias interlocuções que de maneira direta ou indireta contribuíram para a construção desta tese, sobretudo aos membros do Fórum de Teoria e História da Historiografia: Prof. Dr. Bruno Balbino (IFRN), Prof. Doutorando Diego José Fernandes

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apresentar como, ao longo das últimas três décadas, a RBH, como Revista da maior e mais representativa Associação de historiadores do país, a ANPUH, contribuiu substancialmente, por meio de sua política editorial, para a construção dos principais lugares de produção e enunciação do saber histórico no Brasil; e como, a partir deles, se configura uma dada geografia disciplinar dispondo e hierarquizando-os, constituindo áreas de interesse e espaços de pesquisa a partir da redefinição de toda uma geografia política e institucional do saber histórico, sobre o qual passa a ser inscrito o sentido de historiografia brasileira como uma unidade praticada mais ou menos sob as mesmas regras e modos em todos os programas de pós-graduação em História do país ou instituições com mesmas características. Para isso a Revista e as relações institucionais que a engendram possibilita também a elaboração de uma dada memória disciplinar para este território chamado historiografia brasileira. Neste sentido, esta primeira parte trata de configurar uma imagem mais geral do que se convencionou chamar, a partir dos anos 1980, de “moderna historiografia brasileira”.

A segunda parte da tese busca pensar como as discussões de ordem teórica e metodológica produzidas e circuladas a partir da Revista Estudos Históricos e da Revista Anos 90 no final dos anos 1980 e ao longo dos anos 1990 e 2000, possibilitaram a emergência de uma nova área de pesquisa, a história da historiografia, e como esta participa e se coloca como um dos principais lugares de disputa, discussão, avaliação e definição do saber histórico no país, buscando dizer e validar, a partir de bases epistemológicas, muitas vezes de cunho normativo e prescritivo, o que era o ofício do historiador e, sobretudo, o produto deste fazer, a escrita da história. Defendo nesta parte da tese que a partir dos anos 1990 a crítica historiográfica e, posteriormente, o que chamamos hoje de história da historiografia se transformaram em áreas centrais a partir das quais se começou a pensar e a formatar uma dada noção de historiografia brasileira profissional, acadêmica configurando-lhe um tempo (uma memória) e um lugar (uma geografia) a partir da historicização de suas práticas e discursos.

Portanto, a tese trata de pensar como foi possível a invenção da historiografia brasileira profissional, acadêmica a partir dos anos 1980, e como ela foi

(PPGH/UFRGS), Prof. Doutorando Elton John Silva Farias (PPGH/USP), Prof. Dr. Evandro Santos (CERES, UFRN), Prof. Dr. Rodrigo Perez (UFBA), Prof. Doutorando Renato Freire (PPGH/UFPE) e ao amigo e também membro do fórum Prof. Dr. Pablo Spindola (PPGH/UFFRJ). Suas contribuições foram fundamentais para o trabalho ora apresentado.

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sendo definida, pensada e disputada pelos historiadores brasileiros ao longo das últimas três décadas.

Para finalizar quero fazer duas ressalvas. A primeira diz respeito a alguns silêncios desta tese. O mais significativo será a ausência de uma discussão mais elaborada e recortada a partir dos atuais estudos de história da historiografia, principalmente com a rede intelectual que orbita a Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia – SBTHH e a Revista de História da Historiografia – RHH, mas também com as discussões circuladas na Revista de Teoria da História da Universidade Federal de Goiás – UFG, que hoje, sem dúvida, são dois dos espaços de discussão dos mais qualificados quando se trata de pensar a teoria da história e a história da historiografia no Brasil. Esta discussão não aparece nesta tese por alguns motivos: o primeiro é porque entendo que tais redes e os debates por ela estabelecidos fazem parte deste processo mais geral de configuração da assim chamada historiografia brasileira, só que com algumas particularidades e como fruto de condições históricas de possibilidade diversas das recortadas para a análise nesta tese. Explico, a história da historiografia como praticada hoje, em especial por estas redes intelectuais e institucionais configuram uma área de saber com dada especificidade dentro da geografia disciplinar do saber histórico no Brasil que, muitas vezes, se arvora dizer e prescrever o que deve ser o campo, buscando atuar sobre ele definindo regras, procedimentos, estabelecendo lugares e, sobretudo, nomeando e inscrevendo modos de ser historiador e, sobretudo, delineando epistemologicamente o que é válido pensar como escrita da história no Brasil, em termos temáticos, conceituais, metodológicos e narrativos. Pensar toda esta reconfiguração dentro desta tese ficava descabido, pois ela implica uma outra tese e, portanto, um espaço bem maior de problematização. Para não ser superficial e genérico nesta abordagem, deixando de tratá-la com a profundidade analítica e o rigor que tais estudos merecem, preferi deixá-lo de fora deste trabalho. Mesmo sabendo que é um silêncio grave.

Recusei, inclusive, usar boa parte desta produção que foi circulada na RHH e na RTH e que buscou pensar a história da historiografia no Brasil, pois entendo que não seria metodologicamente correto na análise dos textos e do corpus documental recortado para esta tese. Pois entendo, com João Munhoz Ohara, que:

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Há uma ligação próxima entre a cristalização de um determinado conceito de “historiografia” e o processo de institucionalização da história enquanto disciplina universitária no Brasil... o conceito de historiografia passaria a designar, pelo menos a partir de meados do século XX, a história produzida para e por profissionais formados, diplomados – a história acadêmica, profissionalizada. Assim, parece-me, o conceito de historiografia seria um índice de autonomia de um determinado campo intelectual – seus próprios integrantes produzindo os critérios de validação para entrada e posicionamento de novos elementos. Seria, de uma outra perspectiva, evidência de um conjunto de regras procedimentais dedicadas a delinear, dar forma, bem como regular e configurar uma determinada modalidade discursiva cujo funcionamento estabelece que apenas um grupo de iniciados pode falar do passado – ou que, ao menos, os “estrangeiros” devam se curvar aos critérios pretensamente universais, atemporais, ou racionais de validação do discurso [histórico]. (OHARA, 2017, p. 22)

Acredito que é exatamente esse papel que a rede intelectual que orbita a SBTHH e a Revista História da Historiografia tem assumido recentemente, sobretudo no tocante a tentativa de, ao fazer a história da história, normatizar e regular aquilo que chamamos de historiografia brasileira à medida que se apontaria os caminhos percorridos ao longo de uma dada temporalidade e num dado espaço para se chegar ao atual estágio da disciplina. Claro que há nuances neste grupo que precisam ser explicitadas e pensadas, e é exatamente por isso também que decidi não trazer esta discussão para esta tese. Assim como não achei justo aplicar as avaliações e discussões produzidas a partir destes estudos para pensar o seu momento inicial de emergência. Isso poderia fazer com que eu transformasse um dos objetos de minha tese em instrumento de análise dele mesmo. Não que isso não seja possível, mas seria infrutífero para os propósitos aqui delineados, sobretudo no tocante ao fato que a história da historiografia como praticada hoje é uma das principais responsáveis não só por pensar a memória disciplinar do saber histórico no Brasil, mas também por instituí-la à medida que institui uma memória para si e tenta inserir-se em um lugar privilegiado da geografia disciplinar deste saber. Mais uma vez pensando com Ohara e “lembrando Certeau, o conceito de historiografia seria evidência também de uma configuração muito específica do lugar social de produção do discurso histórico, delimitando uma profissão, impondo condições de ingresso, tornando ‘possíveis certas pesquisas por conta de conjunturas e de problemáticas comuns’, interditando tantas outras possibilidades” (OHARA, 2017, p. 22). Portanto, dadas estas circunstâncias, tal discussão ficará para um outro momento e trabalho.

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A segunda ressalva diz respeito a estrutura da tese e o modo narrativo que escolhi. A estrutura não segue um padrão, uma regularidade de um tópico para outro ou até mesmo de uma seção para outra. Há seções maiores, outras menores, tópicos curtos e outros um pouco mais longos. Deixei desta maneira, de forma consciente, para apontar como cada discussão tem densidades e efeitos de duração distintos. Isso não significa, necessariamente, uma hierarquia de importância entre estas seções e subseções, mas apenas como estas discussões se apresentam em cena, como elas entram e saem de foco, como elas aparecem e reaparecem ao longo de um dado período. Quanto ao modelo narrativo adotado, optei pela montagem de um quadro descritivo alinhado a análise arqueológica dos discursos, muito embora tenha momentos que procuro mesclar estas duas formas de narrar, sobretudo na segunda parte da tese, dedicada a escrutinar os debates teóricos, metodológicos e epistemológicos que configuram a crítica historiográfica e a história da história no Brasil.

Feitas estas considerações introdutórias convido-os a leitura. Vamos a tese!!!

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PARTE I:

A HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA EM REVISTA: GEOGRAFIA E

MEMÓRIA DISCIPLINAR, DEBATES TEÓRICOS; UMA ABORDAGEM

Referências

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