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O método construtivo, portanto, merece atenção especial para melhor compreensão desse pro- cesso. O fato de poder executar um túnel profun- do a partir de frentes de ataque pontuais, man- tendo a maior parte dos trabalhos de escavação sem nenhuma (ou muito pouca) interferência na superfície, ampliou bastante as possibilidades de execução de linhas subterrâneas.

Por conta da necessidade de se escavar em solo rígido, os túneis em shield deveriam ser perfurados na camada de argila dura – típica do solo de Londres –, que se encontra, em média, a profundidades na faixa entre 15 e 30 metros. Tal contingência construtiva, apesar de resultar

em maior diiculdade de acesso às plataformas (o que demandou a utilização de elevadores nas estações), trouxe a conveniência de escapar da maior parte das interferências, presentes no subsolo mais raso73 e de evitar interdições na superfície. Além disso, como se sabe, a quan- tidade necessária de aquisição de terrenos em perfurações feitas por meio desse tipo de esca- vação é tremendamente inferior se comparado

ao método de vala a céu aberto.

A questão das condições geológicas merece um comentário. O argumento que Londres tem a mais extensa rede de metrô em túneis profundos do mundo devido às suas condições geológicas74 não convence. A tal camada de argila espessa, “tão adequada ao shield”, sempre esteve presente

no solo londrino. No entanto, apenas nesse deter- minado contexto histórico, ela pôde (e precisou) ser perfurada. Atribuir às condições geológica a causa de fatos que, na realidade, são determi- nados por processos econômico-sociais é supe- restimar as características naturais. Parece mais apropriado airmar que o método construtivo de escavação de túneis em couraça que se mostrou o mais adequado para o solo de Londres, não o contrário. Não é demais lembrar, ainda, que nessa época o shield só foi desenvolvido em Londres – onde haviam as demandas às quais essa técnica responde apropriadamente – e não em outro lugar com solo semelhante.

Outro fator relativo ao método construtivo foi preponderante na coniguração de um pa- drão típico do metrô de Londres. Todas as li- nhas feitas depois da era do cut-and-cover são

73. Essas interferências foram muitas vezes motivo de atraso, com aumento de custos signiicativo nas obras dos túneis em cut-and-cover do período anterior. 74. Segundo Wolmar, isso é preponderante em relação aos fatores sociais, econômicos e políticos. Wolmar, 2004, p. 133.

compostas de um par de túneis de via singela, com diâmetro de cerca de 3 metros. Isso signiica que praticamente não há espaço entre a parede do túnel e o trem, o que criou a necessidade de desenvolver vagões de seção transversal quase circular, apenas alguns centímetros menor do que a seção do túnel75.

Além dos próprios túneis de via, pratica- mente toda a circulação de pessoas da superfície à plataforma se dão em ambientes “tubulares”76. As contingências técnicas e econômicas, seja do ponto de vista construtivo (da complexidade e do volume das escavações), seja na quantidade de aquisição de terrenos, conferiram às estações essa tipologia arquitetônica que se assemelha a uma rede de dutos de pessoas, de onde vem o famoso apelido tube dado ao metrô de Londres. A mesma observação feita a respeito da so- brevalorização dos aspectos naturais cabe tam- bém às questões técnicas. A história do metrô de Londres, assim como qualquer outra, pode despertar a leitura equivocada de que a suces- são dos eventos que marcaram a cronologia da construção das linhas de metrô é resultado de uma evolução técnica. Ou, em outros termos,

que existiu um paralelismo entre o percurso da história e o desenvolvimento das técnicas cons- trutivas. Ambos os processos não são evolutivos nem paralelos. O desenvolvimento da técnica de “tunelagem” profunda poderia ter decorrido de forma mais rápida, caso tivesse sido necessário. Não se pode dizer que o shield, na virada do sé- culo XiX para o XX, foi um conceito novo. O seu desenvolvimento técnico, iniciado nos anos 1830, ocorreu de maneira lenta, com interrupções e retomadas, até o momento em que passou a corresponder, de fato, a uma necessidade. Sem dúvida, a impossibilidade inanceira das com- panhias ferroviária privadas de lidar com o alto custo de aquisição77 das propriedades – o preço dos terrenos da área central de Londres já estava bem alto no im do século XiX – provocou acele- ração no progresso técnico.

Uma visão parcial, como a descrita ante- riormente, poderia levar a crer que o episódio do

Thames Tunnel, no início do século XiX, foi fato

isolado e esquecido no tempo, apenas retomado nos anos 1890, e que o cut-and-cover era a única técnica disponível. De fato, era a técnica melhor desenvolvida e dominada pelos engenheiros

75. É evidente que o “túnel mínimo” conigurava uma contingência técnica, pois era um método de maior risco do que o cut-

and-cover, e quanto menor o túnel, maior

o controle sobre a escavação. Entretanto, não se pode deixar de lado o contexto histórico – todas as linhas construídas no período foram empreendimentos privados e, assim, o custo de obra deveria ser o mínimo possível. As companhias ferroviárias se mostravam cada vez menos rentáveis. 76. Não apenas os corredores e as plataformas mas também os elevadores e escadas são “entubados”.

77. Não apenas o custo era um problema. Também havia muito desgaste na tarefa de

adquirir terras compulsoriamente. Não se pode esquecer que a sociedade inglesa tem na defesa do direito à propriedade um dos seus traços mais marcantes. Não são poucos os casos de atrasos em obras de diversas linhas do Underground por conta da resistência dos proprietários. Ainda mais quando se tratava de grandes proprietários.

desde a construção da Metropolitan – entretanto, isso não permite airmar que tenha sido o único fator a determinar seu uso nas primeiras linhas. Não se pode deixar de lado o âmbito econômi- co-social, que, ao mesmo tempo, requisitou e permitiu a exequibilidade das linhas por meio desse método construtivo.

Houve uma experiência acumulada lenta- mente no desenvolvimento do método de esca- vação de túneis profundos. Inicialmente com os Brunel (pai e ilho), depois com Peter William Barlow – engenheiro de experiência ferroviária que tinha feito parte da equipe de Brunel no

Thamis Tunnel – e, por im, com James Henry

Greathead, pupilo de Barlow.

Barlow foi grande entusiasta do conceito de “tunelagem” criado por Brunel e, em 1864 (um ano após a inauguração da Metropolitan), registrou a patente de um novo tipo de shield. Seu método era um aprimoramento do siste- ma de Brunel, adaptando para a horizontal um conceito construtivo que ele havia conhecido na construção de um tubo vertical utilizado para a suspensão da antiga ponte de Lambeth. Mais tarde, chegou a publicar a proposta de uma rede

de túneis profundos, dentro dos quais correriam carros pequenos de tração manual por cabo em 186778. Dois anos depois conseguiu autori- zação para a construção de uma linha funicu- lar de bitola estreita, chamada Tower Subway. Inaugurado em 1870, o túnel de curta extensão servia de travessia do Tamisa entre a rua Vine Street, em Southwark, e a Torre de Londres (Tower Hill). O volume de passageiros não foi grande o suiciente para dar retorno e cobrir o alto custo de operação do incipiente sistema de tração por cabo, o que fez com que o sistema funicular fosse desativado e o túnel convertido em passagem subterrânea paga. Com a abertu- ra da Tower Bridge, que proporciona a travessia do Tamisa no mesmo local, o túnel perdeu sua viabilidade comercial e fechou de vez.

Foi com o engenheiro James Henry Greathead, pupilo de Barlow, que havia traba- lhado na construção do Tower Subway, que a técnica atingiu a maturação suiciente para as demandas de Londres. O momento histórico prevaleceu e o legado do seu trabalho perdurou mais do que o dos antecessores – tanto que o mé- todo até hoje carrega seu nome, Greathead Shield.