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A “proibição”, embora redundante – uma vez que o alto custo de implantação de uma ferrovia no centro já era um limita- dor considerável –, acabou marcando o início do processo de fermentação daquela que viria a ser a primeira linha de metrô do mundo 17 anos mais tarde: a Metropolitan Railway. O conceito – até então apenas uma estrada de ferro subter- rânea de curta extensão – já existia antes disso. Era uma das tantas ideias que Pearson tinha proposto para Londres, sem encontrar apoio35.

Um precedente havia sido aberto em 1853, quando a North London Railway completou uma linha férrea em arco, ligando as ferrovias da região noroeste e norte de Londres às docas (East e West Indian Docs). Logo nos primeiros anos, a North London apresentava um volume signiicativo de via- gens de passageiros, a despeito de ter sido construída com o objetivo exclusivo de transporte de carga36. O sucesso ope- racional da North London indicava o grande potencial de exploração que poderia ter uma eventual linha ligando as mesmas ferrovias ao centro da cidade37.

Pearson defendia a ideia de que uma ferrovia subterrâ- nea, conectando os terminais do norte e noroeste, permitiria aos passageiros chegar mais rápido à City. Em 1854, uma pesquisa de tráfego38 conirmou sua hipótese e um grupo de investidores ferroviários se interessou em formar uma

companhia inaugurou um ramal de Dalston até Broad Street, na borda norte City, encurtando o trajeto do norte de Londres ao centro e, ao mesmo tempo, servindo Shoreditch. Dwyer, 2011, p. 86.

38. A pesquisa, encomendada por Pearson, mediu o luxo de entrada na área central, agregado por modo: 44 mil pessoas entravam no centro por omnibus; 26 mil, em carruagens privadas e cabs (“proto- taxis”); 4,2 mil em trens das ferrovias do norte e nordeste (ainda com seus terminais longe do centro); 27 mil pelas ferrovias do sul (complementados por caminhada), com terminais mais próximos do centro (Fenchurch Street e London Bridge); e outros 200 mil realizavam o deslocamento integralmente a pé (ou seja, 2/3 do total). Wolmar, 2005, p. 22.

35. Pearson era um típico visionário do século XiX, uma espécie de Julio Verne britânico. Elaborou uma série de propostas utópicas e defendia causas “progressistas”, como o sufrágio universal, a reforma prisional, a abolição da pena de morte. Fez carreira pública: foi procurador da corporação da City e também membro do Parlamento.

36. A linha tinha uma conexão em Poplar (próximo às docas), a qual permitia que seus trens chegassem à Fenchurch Street pelos trilhos da London & Blackwall Raliway – possibilitando mais uma opção de acesso às bordas da City.

37. Os traçados da Metropolitan e do trecho da North London até Fenchurch Street são paralelos, com distanciamento médio de 2 km entre eles (ver igura 1.4). Em 1865, a

companhia (sem a participação de Pearson) para realizar o empreendimento. Assim se constituiu a Metropoltain Raliway39, empresa que construiu e operou aquela que veio a ser a primeira linha do atual sistema de metrô de Londres. Uma al- teração no traçado foi aprovada pelo Parlamento em novo ato, conigurando o projeto que seria construído anos mais tarde. A linha partiria da estação Paddington (na periferia oeste da área urbanizada) até a City. O destino central deixou de ser o Post Oice (como no projeto de 1853) e se tornou uma estação em Farringdon.

Os esforços, então, se voltaram à árdua tare- fa de levantar capital. Apesar de maior aceitação, a novidade ainda era considerada ousada. O alto risco de imprevistos que uma obra desse tipo impunha poderia comprometer o empreendi- mento facilmente. Até 1858, do total estimado em 800 mil libras, haviam sido captadas ape- nas 600 mil. Desses, 175 mil vieram da Great Western Railway, que tinha interesse de estender seus trens do terminal Paddington até a City, e 425 mil foram apurados com a venda de cotas40. Diante da diiculdade de conseguir o to- tal – mesmo as companhias ferroviárias, como

a Great Norther, que se beneiciariam ao ter acesso à City, eram relutantes em aderir –, Pearson usou sua inluência para convencer a City Corporation a arcar com parte do inves- timento, argumentando que a linha propor- cionaria conforto à cidade, com a redução do congestionamento.

As obras começaram em 1960. A linha se- ria totalmente subterrânea, escavada em vala (cut-and-cover41). Entre Paddington e King’s

Cross, a via seguiria o eixo da New Road, coni- gurando o trecho mais barato e simples – com a interdição da rua dava para resolver praticamen- te todos os 4 km de via. O segundo trecho, entre King’s Cross e Farringdon, embora mais curto (cerca de 1,7 km), apresentava custo e comple- xidade mais elevados. Seu traçado não seguiu nenhum eixo viário e atravessou muitas quadras ao meio, implicando em maiores quantidades de terrenos a serem adquiridos e de interferências42. Mesmo com três turnos (possibilitado pelo baixo custo da mão de obra da construção civil), a obra sofreu atraso de um ano. Ocorreram mui- tos imprevistos até o término. O principal deles foi o rompimento da galeria do córrego Fleet, o

39. Inicialmente com o nome de North Metropolitan Railway, um ano antes de encurtar o nome. Foxell, 2010, p. 15. 40. Wolmar, 2005, p. 30-40.

41. Técnica construtiva que consiste em cavar uma vala a céu aberto, construir a estrutura de contenção de terra e cobrir a vala restituindo a superfície. Nessa época, a cobertura era feita por meio de uma abóboda autoportante de várias camadas de tijolo, mesmo material utilizado nas contenções. 42. A saber: tubulações e, sobretudo, a galeria do córrego Fleet, que particularmente consumiu muito tempo de obra.

que obrigou a companhia a reconstruí-la. Foi preciso captar mais 300 mil libras (mediante a oferta de maior participação nos dividendos do que nas cotas anteriores), e a cooperação do Metropolitan Board of Works que cuidou da re- construção da galeria43.

A Metropolitan foi inaugurada em 1863 e apresentou boa rentabilidade a princípio. Conseguiu remunerar os acionistas em 6,5%, percentual mais elevado do que todas as outras ferrovias que passavam pela área metropolita- na de Londres44. Mesmo assim, não foi capaz de absorver toda a demanda reprimida, por conta da limitação de seu traçado (que servia apenas parte da área urbana consolidada) e devido à

tarifa pouco acessível (equivalente à tarifa dos

omnibus). A companhia manteve o mesmo sis-

tema tarifário diferenciado por classes, usado pelos trens de longa distância. A população de alta renda utilizava bastante a linha. Um ano depois da inauguração, o Parlamento impôs à Metropolitan a obrigação de operar um serviço especial para a população de baixa renda – os chamados workmen’s trains. A exigência foi uma contrapartida à autorização concedida à Metropolitan para expandir seus trilhos de Farringdon a Moorgate. Em 1864, os workmen’s

trains começaram a circular, antes das 6 da ma-

nhã, com uma tarifa baixa vinculada à viagem de volta no im da tarde45.

43. Wolmar, 2005, p. 36. O que mostra que uma obra pioneira, com tamanho risco de imprevistos e nível de custos precisava da retaguarda do Estado, e diicilmente poderia ser empenhada exclusivamente na esfera do mercado.

44. Para se ter uma ideia, a Metropolitan conseguia uma receita de 720 libras por semana, enquanto a segunda ferrovia mais rentável à época, a London Catham & Dover Railway, tinha receita de 72 libras por semana. Ibid., p. 48-49. 45. Ibid., p. 54.