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O Métropolitain de Paris foi o primeiro sistema de metrô do mundo con- cebido como rede desde o princípio. Como visto no capítulo anterior, Londres, embora tenha construído a primeira linha de metrô da história (a Metropolitan Line), ainda em 1863, só foi contar com uma rede de fato após a uniicação e a construção das estações de conexão, que possibi- litaram a integração entre as linhas avulsas, de empresas concorrentes, que formavam o sistema267.

Em Paris, não apenas a rede vem de antes como teve-se aí um cui- dado fundamental de se exigir das empresas envolvidas a provisão, desde o início, das estruturas de integração entre suas respectivas linhas. As conexões são a chave para o funcionamento de qualquer rede.

A construção de linhas de transporte urbano independentes, sem compartilhamento de serviço com ferrovias de longa e média distâncias, também foi uma novidade introduzida em Paris. Outro fator foi o cuida- do tomado para que as linhas, embora independentes operacionalmen- te, formassem, desde o início, um todo coerente: um sistema no qual os passageiros pudessem compor sua viagem a partir de segmentos de li- nhas distintas, de acordo com suas necessidades. Não em último lugar, assinala-se o conceito de homogeneidade implícito na rede: ou seja, sua distribuição sobre o território de forma a deixar qualquer ponto acessível para qualquer outro ponto.

O pioneirismo de Paris na elaboração do conceito de rede de metrô pode ser vinculado também às contingências históricas que a conduzi- ram ao esforço de isolamento do sistema ao âmbito urbano268. Nesse caso

267. A própria Metropolitan Line, nos seus primeiros anos, era mais uma extensão particular da malha ferroviária do que uma linha de metrô stricto sensu, por mais que o conceito de metrô seja um pouco abrangente.

268. Isoda aponta para a própria

denominação – Metropolitan –, que remete ao âmbito pretendido (o espaço urbano), em contraposição às denominações genéricas adotadas para as linhas ferroviárias urbanas em Londres (Underground), Nova Iorque (Subway e Elevated) e Berlim (Untergrund-Bahn), que demonstram a intenção de diferenciar os princípios que guiaram a implantação dessas ferrovias das demais estradas de ferro. Nos casos apontados por Isoda (com exceção de Paris), o caráter “urbano” estava em segundo plano em relação à forma de implantação. Isoda, 2013, p. 68.

particular, esse “urbano” era confundido com “citadino”, ou ainda com “municipal”; mas o fato é que havia a intenção de restringir a rede ao es- paço demandatário de um serviço especíico que foi traduzido como o do território interno ao cinturão de proteção.

Esse aspecto, como o segundo ponto desta recapitulação, favoreceu, ao mesmo tempo, dois aspectos:

1. Evitar o compartilhamento das vias do metropolitano com as ferrovias de longa distância (linhas exclusivas).

2. Condicionar o traçado do conjunto das linhas a uma organização espacial em rede, com distribuição homogênea pelo território, passível de ser alcan- çada em curto prazo. A alta densidade demográica da Paris intramuros, que já existia antes do metrô, necessitava do atendimento de transporte em uma área reduzida (menor do que a requisitada se a aglomeração tivesse densi- dade mais baixa). Uma superfície de cobertura exígua impõe, por sua vez, um limite mais severo ao comprimento das linhas; mas, ao mesmo tempo, permite a construção de maior quantidade de linhas – o que é indispensável para conigurar uma rede homogênea269.

A delimitação da área de cobertura também determinou outra caracterís- tica da rede do Métropolitain: sua concentração no centro metropolitano parisiense, fato largamente difundido nos círculos de planejamento de transporte urbano. Entretanto, algumas cautelas devem ser tomadas para sua correta interpretação.

269. Uma comparação simples ilustra o raciocínio. Em 13 primeiros anos de construção, a rede do metrô de Paris atingiu a extensão de 85 km, distribuídos entre nove linhas (cf. igura 2-28). Com linhas de longo alcance, a malha metroviária levou quase 50 anos (entre 1863 e 1910) para adquirir uma coniguração espacial semelhante, com múltiplas conexões entre as linhas. A diferença se explica, em parte, pela desproporção na área de abrangência das duas redes e dos limites que ambas impuseram ao comprimento de suas linhas. A do Underground, em tese ilimitada, requisitou uma quilometragem total muito maior para formar uma rede de fato. Em 1910, apenas a Metropolitan possuía 78 km de extensão, quase o equivalente ao de toda a rede de Paris na mesma época.

· o curso da história francesa, no qual a jornada de concepção do metrô (entre 1870 e 1900) coincidiu com um período de estagnação econômica e de desaceleração do processo e urbanização. Esse as- pecto, somado à disputa política cita anteriormen- te, instituiu um impasse que imobilizou tempora- riamente a execução do metropolitano de Paris e, depois, o conduziu para a alçada municipal; · a ideologia espacial do “perímetro urbano” que,

embora mais abrangente, aderiu perfeitamente ao interesse da municipalidade de assumir o contro- le sobre o metrô como meio de garantir a ixação da população dentro da sua área de tributação; · o legado dos trabalhos do II Império, entre os

quais uma estrutura viária pronta que permitiu que a rede do metrô pudesse ser construída a baixo custo, em pouca profundidade e pratica- mente sem desapropriações270.

270. Conforme Baumert, “Haussman fez o trabalho sujo”. Baumert, 1997, p. 97.

É preciso observar, antes de tudo, que esta constatação só vale para a situação presen- te, em que Paris é uma grande metrópole, de área muito mais abrangente do que sua área municipal principal (o centro metropolitano). Quando o metrô foi concebido, a aglomeração urbana de Paris era praticamente coincidente com a área municipal. Portanto, a rede não foi pensada para ser concentrada no centro metro- politano, mas, sim, para se restringir ao territó- rio do município, de densidade já considerável. O dado que não foi levado em conta, na ocasião, foi o crescimento inevitável para muito além da Paris intramuros.

Por im, a última questão que se coloca diz respeito às razões da inscrição da rede então concebida no perímetro das muralhas. Até onde se pôde chegar neste estudo, alguns pontos (re- lacionados entre si) foram identiicados como determinantes:

· o contexto político, no qual a busca pela air- mação da autonomia local (municipal) gerou uma disputa (de muitas idas e vindas) com o governo central;