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III. Metodologia de intervenção/investigação

3.1. Método e paradigma de intervenção/investigação adotadas

Para a realização do projeto de estágio – investigação e intervenção – que me propus realizare para que fosse possível dar resposta aos objetivos, foi fulcral definir a metodologia mais adequada, definir o ou os métodos, selecionar as técnicas e os instrumentos de recolha de dados, pensar nos procedimentos. Neste capítulo, será apresentada, abordada e fundamentada a metodologia subjacente ao desenvolvimento do projeto de investigação e intervenção.

Tal como tive oportunidade de referir anteriormente, este projeto de investigação e intervenção parte de uma narrativa e história de vida pessoal, mas esta é, simultaneamente, em si mesma, o foco de investigação. Narrar a nossa história de vida a outro indica uma revelação do próprio sentido de vida. Abrahão (2009, citando Alarcão, 2004) diz-nos que “Ao ato de narrar subjaz uma atitude e uma capacidade de observar e de interpretar fenômenos e acontecimentos inseridos nos contextos da sua ocorrência e nas suas relações espaciais e temporais” (p.14). Enquanto doente vivi e presenciei as dificuldades, dilemas e fragilidades da minha própria família enquanto cuidadores: este constituiu o ponto de partida e a razão da escolha do enfoque do projeto de investigação e intervenção.

De acordo com a temática que sustentou este projeto de investigação e de intervenção, percebemos que o paradigma socio-crítico é o mais apropriado. Como a nossa investigação irá conter uma intenção de mudança para a Instituição, este paradigma faz incidir o seu foco sobre o conhecimento emancipatório, que pretende revelar as ideologias que condicionam o acesso ao conhecimento e operar ativamente na transformação dessa realidade (Coutinho, 2005). Para Ceolin e seus colaboradores (2017) o paradigma socio-crítico é

caraterizado pela natureza dialético-crítica da construção do conhecimento e pelo papel da ideologia no processo científico. Além da interpretação de realidades dos sujeitos (característica do paradigma hermenêutico), o paradigma sociocrítico possui um componente ativo, no qual a prática é crítica

e colaborativa (p.2).

Consideramos que esta investigação irá ter um caráter mais interventivo e transformador, logo este paradigma é o ajustado pois centra-se na reflexão crítica e na associação do conhecimento da realidade, à função transformadora do conhecimento e à ação informada e consciente para mudar essa realidade. Uma vez que este paradigma “tiene como objetivo promover las transformaciones sociales, dando respuestas a problemas específicos presentes en el seno de las comunidades, pero con la participación de sus miembros” (Alvarado & García, 2008, p.190). Assim sendo, num primeiro momento existe o acesso ao conhecimento de uma realidade e o segundo momento é a intervenção de forma ativa para modificar essa mesma realidade.

Esta perspetiva surge como resposta às tradições positivistas e interpretativas, aceitando a possibilidade de uma ciência social que não seja nem puramente empírica nem só interpretativa. O paradigma crítico introduz a ideologia de forma explícita e crítica nos processos do conhecimento. Tem como finalidade a transformação da estrutura dos relacionamentos sociais e dar resposta a determinados problemas, sendo que

considera que el conocimiento se construye siempre por intereses que parten de las necesidades de los grupos; pretende la autonomía racional y liberadora del ser humano; y se consigue mediante la capacitación de los sujetos para la participación y transformación social” (Alvarado & García, 2008, p.190).

Para atingir estes objetivos definimos um percurso, ou seja, definimos o método entendido como “formalização do percurso intencionalmente ajustado ao objeto de estudo e concebido como meio de direcionar a investigação para o seu objetivo, possibilitando a progressão do conhecimento acerca desse mesmo objeto” (Pardal e Correia, 1995, p.16). De acordo com os nossos objetivos, consideramos que o método que melhor se adequava era o método auto(biográfico), em que o objeto de estudo é o próprio investigador, na sua singularidade. Pretendíamos

[…] dar voz aos protagonistas do processo a ser investigado em vez de falar por eles através de estudos teóricos. Por meio de sua linguagem, os participantes são capazes de descrever suas iniciativas, aspirações, frustrações e as próprias experiências (Oliveira et al., 2013, p.8).

Assim sendo, organizamos as nossas experiências e os acontecimentos humanos sob a forma de narrativa (Galvão, (2005), atribuindo valores diversos à(s) linguagem(ens) escritas e

relatar os factos, sentimentos e emoções vividos reconstruindo “a trajetória percorrida dando-lhe novos significados (Cunha, 1997, p.187). Nesta perspetiva, o autor acrescenta assim, a narrativa não é a verdade literal dos fatos mas, antes, é a representação que deles faz o sujeito e, dessa forma, pode ser transformadora da própria realidade”.

Por outro lado, a proximidade e a comunicação, com as famílias com quem desenvolvi o projeto de investigação permitiram, simultaneamente, refletir sobre situações idênticas vivenciadas e registadas em forma de narrativa autobiográfica, mas também a partilha da minha história permitirá ajudar e apoiar as famílias na construção de estratégias de apoio ao doente e a si próprio enquanto pessoa.

Entende-se com isto que uma narrativa tem sempre associado um caráter social explicativo de algo pessoal ou caraterístico de uma fase de vida. Quando os indivíduos abordam as suas experiências individuais, ou seja, quando eu própria escrevo a minha biografia, utilizo a memória e a lembrança, podendo ser compreendidas não como reprodução de episódios, eventos e sentimentos passados, mas como reconstruções que levam em consideração a compreensão atual. O objetivo é explicar o presente, tendo como referência o passado reconstruído (Oliveira et al., 2013, p.8). Connelly e Clandinin (1995, citados por Galvão, 2005) dizem que

[…] a razão principal do uso das narrativas na pesquisa em educação é que os seres humanos são organismos contadores de histórias, organismos que individual e socialmente, vivem vidas contadas...por isso, o estudo das narrativas são o estudo da forma como os sujeitos experimentam o mundo” (p.190).

É com base nisto que pretendo contar a minha história, uma vez que nós também somos parcialmente constituídos pelas histórias que contamos aos outros e a nós próprios sobre as experiências que vamos tendo. Sabemos que “Todos nós temos nossas histórias que contam nossas trajetórias, realizações, imposições, fracassos e decisões que tomamos ao longo da vida e que hoje nos determinam como somos e como nos conhecemos” (Warschauer et al., 2017, p.439). Mas a história individual de cada um pode refletir

[…] não só o caráter individual do se fazer, mas também as conexões que se estabeleceram entre o meio e as pessoas que o cercaram. Cada encontro é transformador, não só na sua própria trajetória de vida, mas também na do outro (...)” (Warschauer et al., 2017, p.439).

A minha experiência enquanto doente deu um contributo acrescido à forma como hoje em dia encaro a doença e a realidade. Mas também sinto que através desta difícil experiência posso ajudar a (re)construir histórias relacionadas com a vivência oncológica nas crianças e nos respetivos cuidadores, agora também envolvida pela formação em mediação.

A Figura 1 pretende clarificar as interfaces da investigação-intervenção e a sua complexidade: a narrativa autobiográfica, que espelha o meu olhar como doente e voluntária permitiu a proximidade com os cuidadores e a preocupação com estes enquanto seres humanos. Sabia, por experiência própria, onde estavam as “feridas” desses cuidadores e sabia também a necessidade e pertinência da mediação enquanto meio de diálogo entre eu-cuidador-pessoa. Neste processo de proximidade e comunicação com as famílias ao longo do estágio tornaram-se espelhos retrovisores da doença, mas permitiram olhar em frente, como mediadora e voluntária. E foi este processo circular que sustentou, então, o projeto de investigação-ação-reflexão-formação.

Não posso esquecer, aqui, que os diários de minha mãe assumem uma especial relevância. O revisitar estes escritos, a simplicidade da narrativa, mas simultaneamente a sua objetividade permitiu um maior conhecimento e uma maior capacidade reflexiva aquando da intervenção. A minha história: - Doente - Voluntária - Mediadora

As famílias, hoje:

- Cuidadores - Seres humanos

Autobiografia

Mediação

A presente investigação sustenta-se, por isso, num estudo qualitativo de caracter

exploratório, descritivo e interpretativo sobre o impacto da doença oncológica em cuidadores de crianças/jovens. Trata-se de um estudo qualitativo porque as investigações qualitativas

privilegiam, essencialmente, a compreensão dos problemas a partir da perspetiva dos sujeitos da investigação. E porque o estudo se preocupa “com a compreensão interativa da ação social, ou seja, leva em conta a compreensão, a inteligibilidade dos fenómenos sociais e os significados e a intencionalidade que lhe atribuem os atores” (Warschauer, Martins & Bógus, 2017, p.438) consideramos que era a abordagem mais adequada. Nesta lógica de pensamento, Bogdan e Biklen (1994) consideram que esta abordagem permite organizar, descrever, representar e explicar em profundidade os fenómenos, observando padrões, temas e categorias, significados e estados subjetivos dos sujeitos, de forma a poder capturar e compreender em pormenor, as perspetivas e os pontos de vista dos cuidadores de crianças/jovens com doença oncológica durante o período de hospitalização, bem como o que ressalvam de toda a sua experiência. A organização e caraterísticas da abordagem qualitativa permitiram, assim, atender e entender os “elementos comuns” pois “o foco está na experiência humana e no reconhecimento de que as relações humanas são complexas” (Warschauer et al., 2017, p.438).

A presente investigação é também caracterizada como descritiva porque os seus objetivos determinam a identificação das significações parentais sobre a vivência do cancro dos filhos, analisando-a e descrevendo-a, não sendo definidos a priori limites para essa exploração, nem consideradas respostas pré-definidas. É, simultaneamente exploratória porque se conhece muito pouco da realidade em estudo pela limitada ou inexistente bibliografia científica sobre a temática, mas também porque os dados se dirigem ao esclarecimento e delimitação destes fenómenos numa realidade e contexto específico. Consideramos ainda ser descritiva dada a narrativa densa, detalhada e complexa do fenómeno observado em um determinado contexto real, natural e específico (Yin, 2005).