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1. Modelos Pedagógicos

1.2 Método João de Deus

João de Deus ainda hoje é conhecido como o lírico e o pedagogo português do século XIX. Estudou Direito em Coimbra e nos primeiros anos da sua carreira dedicou- se à advocacia e à vida política. Posteriormente, e talvez por saturação e desilusão, deixou as atividades políticas e profissionais e dedicou-se às letras escrevendo Prosas (1898) e

Campo de Flores (1893). Foi com a morte de António Feliciano de Castilho e com o ceticismo de que na altura era encarado o Método Português de Castilho (método rápido e fácil de instruir a população), que João de Deus se preocupou com as elevadas taxas de analfabetismo, tal como Maria Montessori, e compôs a Cartilha Maternal – um novo método de ensino da leitura. Segundo a Cartilha Maternal, a primeira condição para se ensinar o método da leitura às crianças “[…] é o estudo da fala, desenvolvendo uma metodologia que, segundo ele próprio, se funda na língua viva, não apresenta os 6 ou 8 abecedários do costume, senão um, do tipo mais frequente, e não todo, mas por partes, indo logo combinando esses elementos conhecidos em palavras que se digam, que se ouçam, que se entendam, que se expliquem, de modo que, em vez do principiante apurar a paciência numa repetição néscia, se familiarize com as letras e os seus valores na leitura animada de palavras inteligíveis” (Associação de Jardins Escolas João de Deus, 2008). De acordo com Maria da Luz de Deus (1997), o método instituído por João de Deus destacou-se pela importância que se dava à compreensão da própria palavra e pelo papel que desempenhava a mente (memória, atenção e processamento), pois as palavras que a criança lia, impulsionavam a sua memória e consequentemente favoreciam a interpretação das palavras, compreendendo assim, os seus significados. Deste modo, as crianças conseguiam fazer a integração das palavras lidas em contextos do mundo real.

Com a publicação, em 1877, da Cartilha Maternal, João de Deus distinguiu-se como um pedagogo que criou um método racional e intuitivo de leitura e que confiou primeiramente o seu uso “às mães, que de coração professam a religião da adorável inocência […]” (Associação de Jardins Escolas João de Deus, 2008) para que fossem elas mesmas a ensinar os seus filhos. Posteriormente, o método foi aplicado em contextos de salas de aula.

Depois de publicada a Cartilha Maternal, em 1882, por iniciativa de Casimiro Freire, foi fundada a Associação de Escolas Móveis. Estas escolas montadas em carrinhas móveis percorriam as diversas aldeias do interior, alfabetizando as populações, crianças

e adultos. Esta medida foi pensada como uma das muitas tentativas de redução do analfabetismo. A política de combate à iliteracia nacional foi uma das bandeiras da 1.ª República.

O método escolhido para as iniciativas de alfabetização das Escolas Móveis foi o de João de Deus e a sua Cartilha Maternal.

Outro marco importante foi a criação dos Jardins-Escolas João de Deus, por João de Deus Ramos, seu filho. João de Deus Ramos, também poeta e pedagogo, herdou de seu pai as preocupações pedagógicas, sobretudo a preocupação com a infância e com a instrução do país. Fundou em Portugal, os Jardins-Escolas “[…] para crianças dos três aos sete anos, onde [fosse] aplicado, em toda a sua plenitude, o espírito e a doutrina da obra educativa de João de Deus, modelando assim um tipo português de escola infantil” (Raposo, 1991, cit. Varela, 2010: 221). Estes tinham assentes princípios baseados no desenvolvimento integral da criança, designadamente na individualização do ensino de cada aluno e no empenho de desenvolver a sua capacidade criativa e a sua maturidade emocional. A aprendizagem deste método nestes Jardins-Escolas era feita de acordo com a faixa etária das crianças. Assim, as crianças eram distribuídas por três “Secções”. A primeira “Secção”, designada por “Viveiros”, acolhia crianças dos 3 aos 4 anos e dedicava-se principalmente à educação sensorial. Ainda nesta “Secção” havia a subdivisão em “Viveiro 1” e em “Viveiro 2”. Em ambos os “Viveiros” as atividades mantinham-se “1.º Noções de Coisas […]; 2.º Utilização dos Dons de Froebel […]; 3.º Modelagem […]; 4.º Entrelaçados e dobragens”, mas o seu nível de execução ia-se complexificando, acrescentando-se ainda ao “Viveiro 2” atividades de “Escrita e Desenho” (Montenegro, 1963: 128 e 129). As crianças deixam os “Viveiros” por volta dos 4/5 anos e passam à segunda e à terceira “Secção”, deixando as salas destinadas a atividades sensoriais e passando para as classes de aulas, com a finalidade de aprenderem a Cartilha Maternal. Nestas duas últimas “Secções”, as lições “Noções de Coisas” e “Modelagem” continuam a ser ministradas mas a um nível mais complexo e surge ainda a “Aritmética”, a “Ginástica”, os “Jogos”, o “Canto Coral” e as “Danças”.

Em síntese, estes espaços infantis eram constituídos por crianças dos 3 aos 7 anos e tinham como função essencial a educação dos sentidos juntamente com o exercício primário do raciocínio. “Sem descontinuidade e interrupções, as lições de coisas, as narrativas simples, o treino do desenho e da modelação, a aplicação sensata dos trabalhos

manuais educativos, a selecção e realização dos jogos de movimento ao ar livre, a alfabetização metódica e sistematizada […]” (Varela, 2010: 220) faziam parte deste método de João de Deus.

Relativamente a este método podemos dizer que ele tem uma longa tradição na Educação de Infância no panorama português, uma vez que a expansão do método da

Cartilha Maternal, um método inovador na época, foi um verdadeiro fenómeno de culto pela figura do poeta e pedagogo, tornando-o numa das figuras mais carismáticas do último quartel do século XIX. Também neste método, ficou marcada a inauguração do primeiro

Jardim-Escola João de Deus em Coimbra (1911) que assinalou “[…] o início da actividade da Associação João de Deus, cuja acção foi fundamental no desenvolvimento da educação de infância portuguesa” (Cardona, 1997: 39). João de Deus quis que esta instituição “fosse tão nacional, que adoptou o traçado” (Montenegro, 1963: 124) semelhante ao de uma casa de família portuguesa da classe média. A instituição era baixa e nunca prescindia do emblemático e carismático beiral, tinha um átrio e dispunha de salas amplas e ricas de luminosidade natural. Nela também havia um jardim ou espaço natural apenas aproveitado para serem realizados jogos, “pois […] o sol, a luz, o meio físico diferente, perturba a atenção das crianças, que começam a impacientar-se e a desinteressar-se pelo trabalho” (João de Deus Ramos, cit. Montenegro, 1963: 125). No que diz respeito à decoração, a instituição era sóbria e contextualizada ao sítio onde se instalava. A decoração quer interior quer exterior faz parte de um todo coerente e radica “no pressuposto de que um edifício é tanto mais autêntico quanto se encontrar adaptado à natureza onde se insere e às gentes que o habitam” (Salgueiro, 2013: 14). Nestas instituições existia um amplo espaço/salão central e à sua volta encontravam-se os restantes espaços acessórios e de individualidade: as salas de trabalho, os espaços administrativos, a cozinha e respetivos anexos, as instalações sanitárias e os vestiários. Deste modo, e à semelhança de uma casa tipicamente portuguesa, “o salão polivalente está para o Jardim-Escola como a sala-de-estar para uma habitação, do mesmo modo que as salas de aula estão para os quartos e o refeitório para a sala de refeições. Por sua vez, o hall de entrada, a cozinha e as instalações sanitárias surgem como espaços acessórios organizados gravitacionalmente em torno da alma da casa” (idem, 9). Este tipo de arquitetura reflete bem o papel atribuído aos Jardins-Escolas na formação dos cidadãos, sendo o culto pelo belo, o contacto com a natureza e uma educação assente no enraizado

amor à pátria, os valores mais presentes na ideologia da 1.ª República que se instalara em Portugal um ano antes.