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3. Currículo

3.1 O Currículo na Educação Pré-Escolar

A Educação Pré-Escolar é reconhecida como “a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida […] favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autónomo, livre e solidário” (Ministério da Educação, 1997: 31).

Segundo o Ministério da Educação (2000) citado por Serra (2004: 68 e 69) “em Portugal, desde sempre, houve uma prática muito diversificada de educação pré-escolar […] cabendo aos estabelecimentos do ensino definir as orientações a imprimir a sua acção”. Perante este cenário e de forma a uniformizar a prática do Educadores a nível nacional, foram criadas as OCEPE, sendo publicadas em 1997. Estas surgiram assim, tal como Serra afirma (2004: 68) “[…] da necessidade de se encontrar uma referência comum para toda a educação de infância”.

As OCEPE constituem deste modo “um conjunto de princípios para apoiar o educador nas decisões sobre a sua prática pedagógica, ou seja, para conduzir o processo educativo a desenvolver com as crianças” dos 3 aos 5 anos de idade (Ministério da Educação, 1997a: 13). Por sua vez, constituem também “uma referência comum para todos os educadores da Rede Nacional de Educação Pré-escolar e destinam-se à organização da componente letiva” (idem, 13).

As OCEPE, neste caso distanciam-se dos outros níveis de educação uma vez que definem-se como não sendo “um programa, pois adoptam uma perspectiva mais centrada em indicações para o educador do que na previsão de aprendizagens a realizar pelas crianças” (ibidem, 13). Assim, este documento que se constitui como referência central para todos os educadores está organizado em duas partes distintas: a primeira parte diz respeito aos Princípios Gerais e a segunda à Intervenção Educativa. Cada uma destas partes está dividida em subpartes como é possível verificar no quadro abaixo apresentado (Quadro 2).

Quadro 2 –Organização das OCEPE (adaptado de Serra, 2004: 71)

Na primeira parte deste documento são enunciados, como é possível verificar através do Quadro 2, o Princípio geral, que como já referi anteriormente definiu este nível de ensino como a primeira etapa da educação básica. Deste Princípio geral decorre uma série de objetivos pedagógicos enunciados na Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, os quais cada Educador deve adequá-los à realidade onde está inserido. Deste modo, o educador deve “promover o desenvolvimento pessoal e social da criança […]; fomentar a inserção da criança em grupos sociais diversos […]; contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso à escola e para o sucesso da aprendizagem; estimular o desenvolvimento global da criança no respeito pelas suas características individuais […];

I - Princípios Gerais

• Princípio geral e objetivos pedagógicos enunciados na Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar • Fundamentos e organização das Orientações Curriculares

• Orientações globais para o Educador

II – Intervenção Educativa

Organização do Ambiente

Educativo Áreas de Conteúdo Continuidade Educativa

• Abordagem sistémica e ecológica • Organização do grupo, do espaço e do tempo • Organização do meio institucional

• Relação com os pais e outros parceiros • Articulação de conteúdos • Área de Formação Pessoal e Social • Área de Expressão e Comunicação:

- Domínio das Expressões Motora, Dramática, Plástica e Musical

- Domínio da Linguagem Oral e Abordagem à Escrita - Domínio da Matemática • Área de Conhecimento do Mundo • Início da Educação Pré- Escolar • Transição para a escolaridade obrigatória Intencionalidade Educativa

desenvolver a expressão e a comunicação […]; despertar a curiosidade e o pensamento crítico; proporcionar à criança ocasiões de bem estar e de segurança […]; proceder à despistagem de inadaptações, deficiências ou precocidades […] incentivar a participação das famílias no processo educativo e estabelecer relações de efectiva colaboração com a comunidade” (Ministério da Educação, 1997a: 15 e 16).

Seguem-se os Fundamentos e organização das Orientações Curriculares, onde o Princípio geral da Lei-Quadro e os objetivos gerais se relacionam, explicitando como se traduzem nas OCEPE.

Para terminar esta primeira parte, são apresentadas as Orientações globais para o Educador, onde se destacam as diversas etapas: observar, planear, agir, avaliar, comunicar e articular. Estas estão interligadas e sucedem-se na intervenção profissional do Educador. Para que haja uma verdadeira diferenciação pedagógica, o Educador deve observar cada criança e cada grupo de crianças de forma a conhecer as suas capacidades, interesses e dificuldades, adequando assim “[…] o processo educativo às suas necessidades” (idem, 25). Esta observação que o educador faz, constitui assim a base para que este possa planear conscientemente a sua ação educativa. Deste modo, as crianças realizam aprendizagens significativas e diversificadas. Nesta etapa o Educador deve fazer uma reflexão sobre as intenções educativas e as formas de as adequar ao grupo, ter em consideração a articulação das áreas de conteúdo e sempre que possível promover a participação das crianças no planeamento, “[…] num processo de partilha facilitador da aprendizagem e do desenvolvimento de todas e de cada uma” (ibidem, 26). Posteriormente, este profissional de educação deve concretizar as suas intenções educativas, isto é, deve agir. Depois, deve sempre avaliar o processo e os seus efeitos, para assim “[…] tomar consciência da acção [e] adequar o processo educativo às necessidades das crianças e do grupo e à sua evolução” (ibidem, 27). Deve também comunicar, partilhando assim, todo o processo educativo da criança com a equipa e com os pais, membros igualmente responsáveis na sua educação. Para além destas etapas, articular também deve ser preocupação do Educador. Este deve promover a continuidade educativa quer na entrada para a Educação Pré-Escolar quer na transição para o 1.º CEB. Tal articulação e transição só são possíveis se houver uma colaboração entre pais, Educadores e Professores do 1.º CEB.

Já na segunda parte das OCEPE, que diz respeito à Intervenção Educativa, o desenvolvimento curricular deverá ter em conta a Organização do Ambiente Educativo, as Áreas de Conteúdo, a Continuidade Educativa e a Intencionalidade Educativa.

A forma como o ambiente educativo é organizado “[…] constitui o suporte do trabalho curricular do educador” (ibidem, 31) e para isso, o Educador deve proceder à Organização do Ambiente Educativo, pois este deve ser visto numa perspetiva de facilitar o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças. A Organização do Ambiente Educativo comporta não só uma abordagem sistémica e ecológica do ambiente educativo que possibilita que se compreenda “[…] melhor cada criança, ao conhecer os sistemas em que esta cresce e se desenvolve [respeitando] as suas características pessoais e saberes já adquiridos […]” (ibidem, 33), mas também a organização do grupo, do espaço e do tempo, a organização do meio institucional e a relação com os pais e com outros parceiros da comunidade.

Seguem-se as Áreas de Conteúdo, que na dinâmica curricular consideram-se “como âmbitos de saber, com uma estrutura própria e com pertinência sócio-cultural, que incluem diferentes tipos de aprendizagem, não apenas conhecimentos, mas também atitudes e saber-fazer” (ibidem, 47). Nestas áreas é dada grande importância a uma abordagem transdisciplinar do ensino e da aprendizagem. A partir daqui, o Educador deve propor atividades em que as diferentes áreas se interliguem e que partindo do que as crianças já sabem estimulem “[…] o seu desejo de criar, explorar e transformar, para incentivar formas de acção reflectida e progressivamente mais complexa” (ibidem, 48). As OCEPE incluem três Áreas de Conteúdo: a Área de Formação Pessoal e Social; a Área de Expressão e Comunicação que abarca três domínios: Domínio das Expressões Motora, Dramática, Plástica e Musical, o Domínio da Linguagem Oral e Abordagem à Escrita e o Domínio da Matemática; e a Área de Conhecimento do Mundo. A Área de Formação Pessoal e Social é considerada uma área transversal e integradora de todas as outras “[…] dado que todas as componentes curriculares deverão contribuir para promover nos alunos atitudes e valores que lhes permitam tornarem-se cidadãos conscientes e solidários, capacitando-os para a resolução de problemas da vida” (ibidem, 51). A Área de Expressão e Comunicação é a única área em que estão englobados diferentes domínios. “Ao incluir vários domínios numa mesma área não se procura minimizar a importância fundamental de cada um […], mas apenas acentuar a sua inter-relação” (ibidem, 57). No domínio das Expressões diferenciam-se quatro vertentes, como aliás já foi referido anteriormente. Nos

diversos domínios das Expressões: Motora (motricidade global, motricidade fina e jogos de movimento), Dramática (jogo simbólico e jogo dramático), Plástica (meio de representação e comunicação, expressão tridimensional e acesso à arte e à cultura) e Musical (escutar, cantar, dançar e tocar) pretende-se que a criança através do contacto com diferentes materiais vá explorando, dominando e utilizando o seu corpo. Estas diferentes formas de expressão são portanto “[…] meios de comunicação que apelam para uma sensibilização estética e exigem o progressivo domínio de instrumentos e técnicas” (ibidem, 57). No que concerne ao domínio da Linguagem Oral e Abordagem à Escrita, o Educador deve facilitar às crianças a aquisição e um maior domínio da linguagem oral e um contacto com o código escrito. No domínio da Matemática, “as crianças vão espontaneamente construindo noções matemáticas a partir das vivências do dia a dia” (ibidem, 73). As situações do quotidiano possibilitam múltiplas situações de aprendizagens matemáticas e por isso cabe ao Educador tirar partido dessas mesmas situações apoiando “[…] o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático, intencionalizando momentos de consolidação e sistematização de noções matemáticas” (ibidem, 73). Por fim, a Área de Conhecimento do Mundo enraíza-se na “curiosidade natural da criança e no seu desejo de saber e compreender porquê […], que é fomentada e alargada […] através de oportunidades de contactar com novas situações que são simultaneamente ocasiões de descoberta e exploração do mundo” (ibidem, 79).

Numa última instância as OCEPE alertam os Educadores para a importância que tem a Continuidade Educativa e a Intencionalidade Educativa.

A Continuidade Educativa é marcada por dois grandes momentos: o início da Educação Pré-Escolar e a transição para o 1.º CEB. No início da Educação Pré-Escolar existe a “[…] continuidade de um processo educativo que a criança iniciou na família e/ou numa instituição educativa” (ibidem, 87) e por isso é extremamente importante a comunicação com os pais/família, pois eles são “o pilar fundamental em todo o processo de transição entre níveis educativos” (Serra, 2004: 122) e com outros atores educativos enquanto facilitadores da própria adaptação da criança. A transição das crianças para o 1.º CEB é considerada um momento fundamental e a mudança de um ambiente educativo para outro “[…] provoca sempre a necessidade de adaptação [pois estas entram] para um novo meio social em que [lhes] são colocadas novas exigências” (idem, 89). Para facilitar esta transição é crucial que exista também uma comunicação/relação entre os Educadores

e os Professores, para que assim as crianças tenham uma atitude positiva face à escolaridade obrigatória.

Pelo que já foi referido, percebe-se que a Educação Pré-Escolar está repleta de Intencionalidade Educativa que é encarada como o suporte de todo o processo educativo, exigindo que o Educador “[…] reflicta sobre a sua acção e a forma como a adequa às necessidades das crianças e, ainda, sobre os valores e intenções que lhe estão subjacentes. Esta reflexão é anterior à acção, ou seja, supõe planeamento; acompanha a acção no sentido de adequar às propostas das crianças e de responder a situações imprevistas; realiza-se depois da acção, de forma a tomar consciência do processo realizado e dos seus efeitos” (ibidem, 93).

As OCEPE são assim, um documento orientador da gestão curricular caracterizado por ser aberto e flexível em que o Educador é o gestor do próprio currículo. Por ser um documento pouco prescritivo, aberto e abrangente torna-se mais passível de ser enriquecido com os contributos de todos os intervenientes da comunidade educativa.