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5 A ECONOMIA DO ENTRETENIMENTO

5.3 POSSUÍDOS PELO RITMO RAGATANGA

5.3.1 A música para além dos espaços físicos

A música, por esses jovens, pôde ser acessada em diversos momentos, não necessariamente em um ambiente de entretenimento – e mesmo assim, este momento, pôde ser considerado um entretenimento. Portanto, pretendo buscar compreender a lógica de utilização da música no dia- a-dia desses jovens. Se eles pagam pela utilização das mesmas, se utilizam algum veículo de comunicação para ouvi-la, exemplo, rádio, televisão ou os próprios celulares e seus aplicativos. Uma vez que a música tem uma importante presença no entretenimento, elas entram no orçamento, caso façam uso de alguma forma de pagamento para obtê-las ou, talvez, criar estratégias para consegui-las sem que cause impacto no orçamento. Indicar preços...

Buscarei, neste ponto, partir da ideia de que nem o ser humano sobrepõe a máquina e nem a máquina sobrepõe o ser humano, segundo Bruno Latour (1994). Para tal, há uma espécie de diálogo que ocorre entre esses dois, gerando, assim, o conceito de mediação técnica. Dentro dessa forma de entendimento, ele rompe com a dualidade existente no pensamento moderno, colocando em oposição máquina e homem.

Esta mediação técnica só ocorre porque ambos – homem-técnica – se coligam, formando uma espécie de ser híbrido (LATOUR, 1994, p. 33), e os dois, em uma mesma situação, acabam perdendo a condição de superior um ao outro, tornando-se uma outra expressão (LATOUR, 1994, p. 36). A utilização da música por parte dos nativos, implicou na utilização de alguma máquina para que o ritmo fosse produzido. Não necessariamente, a música a ser escutada deve ser feita em um espaço próprio para se dançar. Os computadores, com suas redes sociais voltadas para músicas, a própria televisão e os canais especializados em vídeo clipes, tornam- se assim, mediadores de possibilidade sonora ritmada para os nativos. A música em si é um não-humano...

Conforme dito anteriormente, a música foi um dos principais elementos a serem desejados pelos sujeitos. Ela, de alguma maneira, alterava os estados emocionais deles, ao ponto de ser o único elemento, em alguns entretenimentos, que realmente importava. Isso pôde ser percebido em minha primeira participação etnográfica, quando fui com Cézar ao evento Pula Catraca, em Jardim da Penha (Vitória/ES). Um dos motivos dele não continuar na festa foi que a música não estava boa, não o agradou, impossibilitou que ele pudesse “enfregar a raba no chão” como ele mesmo desejou algumas vezes. Thiago, em uma de nossas conversas por meio do

Whatsapp52, disse que a música era importante para a ideia de uma festa ser muito boa. Ou seja, este elemento tinha prioridade, contudo, as músicas não necessariamente passavam pelos espaços voltados especificamente como festas.

Muitas músicas foram ouvidas por ele através da rede social Youtube. Utilizando da máquina como mediador entre o seu desejo em ouvir determinada canção e um ciberlocal voltado para acessar (e materializar) esse desejo. Neste intento, torna-se proprietário de um papel, ou seja, atores, tanto o homem quanto a máquina (CARDOSO, 2017, p. 65).

Vimos, também, anteriormente, que o processo de escolha pela forma de entretenimento ao qual iria ser consumido, passava por diversas lógicas de significados, não somente a financeira, e que os jovens que acompanhei para o meu processo de imersão nos ambientes tidos como entretenimento por cada um deles, lançaram mão de uma infinidade de recursos afetivos e subjetivos para a escolha do lugar onde iriam frequentar.

Não foi possível dissociar a escolha da diversão apenas por um único fator, eles foram múltiplos e conversavam entre si, proporcionando que os sujeitos fizessem uma complexa rede de análise sobre o lugar aonde eles pretendiam ir. Não somente o valor do ingresso ou uma outra oportunidade de acesso ao serviço prestado garantia a ida àquele evento, era preciso saber se o tempo e/ou o valor pago estava à altura do que estava sendo proposto pelo ambiente.

O entretenimento poderia ser gratuito, porém, se a música não fosse do agrado dos sujeitos, por exemplo, eles não iriam comparecer. A música foi citada pelos três jovens que acompanhei durante esse período, ela esteve em todas as falas, em todos os contextos, em todas as

performances.

A ideia que se tinha do entretenimento e a relação que a música possuía nesses ambientes é a de que o espaço físico seria o corpo, com suas funcionalidades e a música seria a alma do ambiente, pois ela dava o movimento dos ambientes. Dependendo da música tocada em determinado momento, ambientes que antes estavam vazios, se tornavam repletos de pessoas e vice-versa. Ela gerava a rotatividade nos espaços, a troca de olhares, as filas maiores ou menores para compra de bebidas e comidas. Foi a música, se olhada na construção de um ambiente de entretenimento, que permitia a fluidez das pessoas que frequentavam o ambiente e a observação dos desejos dos sujeitos de cada evento.

Mas o olhar era distinto, quando visto a partir do Cézar, Adson e Thiago, respectivamente. O primeiro escolheu um evento através de dois momentos distintos: o momento de confraternizar uma data festiva e o momento de extravasar sem um motivo qualquer, apenas por estar entre amigos.

Cézar, ao procurar ambientes com músicas mais tranquilas, cuja a altura permitia um diálogo entre as pessoas, mesmo que em um tom um pouco mais acima, era porque naquele momento a procura era por uma confraternização. A música, esta tinha um valor na composição do ambiente, segundo ele, não está acima das demais caracterizações do ambiente. Geralmente, esse tipo de percepção se deu através das festas comemorativas em que ele participou.

Neste ambiente, foi possível conversar, estar atento aos diálogos ao redor e houve momentos em que foi possível até dançar, mas a conexão estava no todo, pois todos ali se conheciam, estavam voltados para um mesmo sentido e, por isso, gerava uma harmonia entre pessoas, espaço e o Cézar. No momento em que esse modo de entretenimento teve como finalidade extravasar as emoções e não haver uma comemoração específica, a música não precisou ser orgânica ao espaço, mas precisou ser orgânica à festa em questão.

Os espaços de entretenimento, sobretudo as boates, lançaram festas a partir de temas caracterizados pelos estilos musicais e que deveriam aparecer na playlist53 do Dj. Portanto, a

escolha por estes espaços, a partir da música, se deu conforme o gosto musical de cada sujeito. No caso de Cézar, o funk foi uma prerrogativa para que qualquer festa tenha o seu êxito. Conforme dito anteriormente, o que fez com que o evento Pula Catraca fosse um fracasso na concepção dele, foi a expectativa que ele tinha em ouvir a batida do funk e as músicas da Beyoncé, coisa que ocorreu muito pouco, desanimando este jovem de permanecer no local até o fim. Para ele, o entretenimento em questão teve diversos contratempos, porém, a música foi o pior deles. Utilizando uma expressão que prevalece entre alguns gays, Cézar esperou que aquela festa fosse um “Berro”54. Como não aconteceu conforme suas expectativas, sobretudo com relação a música, ele acabou considerando o evento um fracasso.

Já para Adson, a música pareceu estabelecer uma outra forma de expectativa quanto ao entretenimento, está mais relacionada à quantidade de pessoas que consideram aquele evento

53 É a lista de música que o Dj prepara antes de ir tocar na boate. Ela tem que estar de acordo com o tema do Evento, possibilitando que as pessoas que gostam daquele estilo de música, possam aproveitar ao máximo cada ritmo apresentado pelos diversos Djs que se apresentam naquela noite.

54 Berro é uma expressão que indica que algo foi muito bom. Ao invés de gritar com o ar de surpresa e euforia, se diz bem alto: - “Berro!”.

algo importante. Ele não era uma pessoa que dança o tempo inteiro, ficou muito mais tempo andando de um lugar para o outro construindo suas redes de relações, do que voltado para as músicas que tocavam no espaço de diversão. Isso não foi dito por ele diretamente, mas nos dias em que o acompanhei, pouco fiquei parado dançando.

A todo momento o trajeto percorrido por ele dentro dos estabelecimentos foi permeado com contatos, conversas, abraços e apertos de mãos. Suas redes de relações dentro da Fluente, por exemplo, começavam desde a fila de entrada, em que o jovem puxou assunto com meninas que estavam com cabelos de tranças ou os seguranças, que já o conheciam pelas repetidas vezes em que foi ao estabelecimento, até o proprietário do espaço em questão. E nesse caminhar, vai conhecendo pessoas novas, cumprimentando os conhecidos e fazendo novas amizades.

A partir da ideia do espaço como o físico e a música como a alma do ambiente, a partir do que seria executado pelo estabelecimento foi possível saber se a festa teria ou não um público grande. Uma das festas que ele fez questão de comparecer, por gostar do estilo e por permitir que os consumidores tenham acesso a diversas Casas Noturnas em uma só noite, foi a festa denominada “All Star”, referida anteriormente. Para Adson, mesmo que não dance o tempo inteiro, ser visto e reconhecido, dá a ele o aumento de sua rede de relações, é por este motivo que caminha o tempo todo pelos ambientes.

Estas redes de relações estão semelhantes ao que Malinowski (1976) encontrou no Kula. Uma troca interrelacional entre as tribos, gerando uma interdependência entre elas, da mesma forma que o processo e conquistas e o aumento das redes de relações ocorrem dentro do processo de entretenimento. Tais fatos acabam gerando uma relação por meio de pagamento de serviços prestados.

Completamente diferente dos outros dois é o Thiago. Este, busca, definitivamente, o estilo musical específico para escolher o lugar em que iria frequentar. Segundo Thiago, ele “já foi frequentador da Fluente”55 por um certo tempo. Entretanto, o estilo de música que passou a tocar lá, o fez desistir de ir para esse ambiente.

Ele disse gostar mais de música Indie, um estilo musical mais voltado para a subjetividade e contra a cultura pop musical, dando aos indivíduos a capacidade de buscarem uma identidade própria, saindo das tendências que visam a massificação de comportamento. É muito mais um

55 Esse relato eu obtive durante uma conversa com ele numa mesa de bar, no Centro de Vitória. Esse Entretenimento será relatado, posteriormente, no capítulo quatro em que trato sobre os Movimentos Homossexuais e o Consumo.

movimento do que uma cultura. E como a Fluente apresenta muita música brasileira, popular e músicas internacionais conhecidas pelo grande público, fez com que ele parasse de apreciar o ambiente.

Thiago é um frequentador assíduo da Bolt56, o motivo é simples, lá toca mais Indie. Outra paixão57 que move o Thiago é a cantora Beyoncé. Nesse ponto, torna-o contraditório, haja vista que ela é uma cantora popular e que as músicas são conhecidas por todos. Segundo Thiago58, a cantora é uma “deusa que merece ser venerada por todos”. Portanto, não somente a música

Indie faz parte do contexto musical de Thiago, em algum momento, a música internacional

popular também integra sua lista.

E o que dizer do Funk? Para ele, uma festa sem Funk não tem diversão, ou seja, não foi entretenimento. Pois para ele “se acabar”, “rebolar até o chão” e se “jogar na pista”, todas as expressões com o significado de dançar muito, na maneira como Thiago falou, era um fator primordial para que uma festa tenha o seu êxito garantido. Sendo assim, por mais que ele falasse sobre uma preferência musical, o Indie, ela não necessariamente teria que fazer parte do entretenimento, bastasse que tocasse Funk ou Beyoncé, para que ele desse crédito à festa e a colocasse nos patamares de “melhores Festas de sua vida” (sempre).

E para participar desse entretenimento, os caminhos são diversos e as possibilidades de locomoção também se fazem presentes de variadas formas. Por isso, chegar até o local onde a diversão acontece é um entretenimento à parte e passivo de modificações ao longo da festa.