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4 A PRIMEIRA VEZ NINGUÉM ESQUECE

4.1 O PRIMEIRO MOMENTO DE ENTRETENIMENTO

Era sábado à noite, por volta das dezenove horas, e o acerta do Whsatsapp soou em meu celular. Era um dos jovens de minha pesquisa de campo informando – e convidando – que ele iria à uma festa Chamada “Pula a Catraca”29 que ocorreria na Associação Praiana 106, localizada no bairro Jardim da Penha e conhecido por abrigar em sua maioria universitários, já que a única Universidade Federal do Estado do Espírito Santo se encontra ali próximo.

29 O evento pode ser conferido em sua página no Facebook

Este evento ocorreu no dia 06 de maio de 2017, era um sábado. É uma festa produzida pela Coffee & Bacon Produções e tem como chamada principal para os consumidores o “Open Xixa”, que seria o oferecimento gratuito de uma bebida à base de catuaba, entre o horário de meia noite até uma hora da manhã; e os 100 (cem) primeiros a chegar entrariam gratuitamente no evento.

Figura 12 – Flyer do Pula Catraca, promovido pela Coffee & Bacon Produções. Evento ocorreu no dia 6 de maio de 2017.

Confesso que não estava preparado para minha primeira vivência no campo tão cedo, porém, mesmo despreparado em relação ao que iria ser esse convívio com ele, atendi ao convite e marquei de encontrá-lo na Rua da Lama.

Meu primeiro contato com este jovem gay, que aqui será chamado de Cézar, foi através do meu trabalho como professor. Ele era aluno de uma Instituição de Ensino Superior e estava buscando algum professor que o auxiliasse nas pesquisas com relação a gênero. Um coordenador de curso, sabendo de meus estudos na área e de como o tema me chamava a atenção, resolveu me indicar para que o jovem rapaz de 21 anos pudesse conversar comigo.

Perguntei a ele, através do aplicativo de comunicação Whatsapp, em qual orientação sexual ele estava inserido. A resposta dele foi imediata: “Sóbrio, G[ay]; Bêbado, B[i]. Eu fico com meninas quando tô (sic) bêbado. Sóbrio também, mas sem vontade. Qnd (sic) tô bêbado ou sob efeito de ervas, tenho vontade de ficar com meninas tbm (sic)”. Esse dado é importante, porque posteriormente, em um dos capítulos, pretendo estabelecer a relação do entretenimento com as

bebidas consumidas pelos nativos e como ela interfere no processo de sociabilidade dos sujeitos. Aproximando ou diferenciando-os dentro da lógica do divertimento capixaba.

Esse fato retoma o pensamento de Butler (2011, p. 3), sobre a possibilidade de “atos teatrais” fluidos, construídos não somente pela externalidade de padrões sociais, mas de uma lógica interna do sujeito, mesmo que sob efeito de substâncias psicoativas. Cézar rompe com o determinismo estabelecido para as orientações sexuais que devem combinar com a corporalidade dos indivíduos. Ora ele performatiza de maneira homoafetiva, em outros momentos de maneira heterossexual.

Também desejo reforçar algo já informado, que é o fato da alcunha “Cézar” ser um codinome. Em contato com o sujeito de minha pesquisa, perguntei através das redes sociais se ele me permitia colocar o seu primeiro nome. O mesmo disse que preferia que não usasse, já que naquele período não queria expor o seu namorado, que muitas vezes estava conosco nos eventos. Então, no mesmo momento, ele perguntou que, se acaso eu pudesse usar um nome que escondesse a sua identidade, que eu utilizasse “Cézar”. E assim o faço.

Ora, por um período de conversas sobre a pesquisa que ele estava buscando realizar em sua vida acadêmica, percebi que ele poderia ser um sujeito capaz de me fornecer dados acerca de minha futura dissertação. Isso me levou a ficar interessado em convidá-lo para participar, mostrando a mim o seu consumo de entretenimento. Um certo dia, mesmo com receio de uma negativa, por meio das redes sociais, resolvi chamá-lo.

Aliás, abrindo um parêntese sobre essas conversas com os indivíduos de minha pesquisa, quero salientar que, muitas vezes, impossibilitado de um encontro pessoal ou com uma pergunta a ser feita antes que ela fugisse da mente, utilizei os recursos das Redes Sociais Digitais Facebook, Whatsapp e Instagram para entrar em contato com os jovens de minha pesquisa.

Tal recurso contribuiu muito na construção de meu diário e na possibilidade de entrevistá-los, pois encontra-los para uma conversa face a face é muito difícil tanto pela minha agenda, quanto e pela deles. Além de que, as redes sociais auxiliaram, em alguma maneira, à aproximação e acolhimento por parte deles à minha pessoa. Além de imagens maravilhosas sobre os eventos que eles participavam e, algumas vezes, não pude comparecer in loco, mas as postagens ajudavam a me manter atualizado.

Cézar ficou interessado em saber como se daria a pesquisa e tratei de explicar não com muitos detalhes, já que eu ainda nem tinha ideia de como ela se daria na verdade, naquele tempo. O

campo ainda era desconhecido para mim, só sabia que eu precisava de iniciar por alguém e/ou algum lugar naquele momento, e resolvi apenas dizer como ele contribuiria para que o meu trabalho de campo pudesse ser iniciado. Prontamente ele resolveu participar.

O jovem estudante relatou que era muito reservado, quase nunca saia de casa, e que preferia sair para lugares mais tranquilos e sem muita agitação. Até cogitou que ele não era o tipo ideal de gay para ser acompanhado ao longo do meu processo etnográfico da pós-graduação. Tal afirmação me levou a perceber que para alguns, se não para a maioria, consumir entretenimento gay é ir à boates e festas com muita paquera, "pegação" e música eletrônica durante toda a madrugada.

A ideia que Cézar tinha é que o entretenimento gay estava relacionado apenas à noite, quando na verdade, ela perpassa tudo o que o momento pode oferecer de diversão em todos os espaços e tempo possíveis, seja manhã, tarde, noite ou madrugada afora. Sendo assim, não há a desvinculação do indivíduo com o seu entorno social ao consumir determinados produtos, “a escolha da identidade e do estilo de vida não é um ato individual e arbitrário”, o que faz de qualquer entretenimento um consumo dele. (BARBOSA, 2008, p. 8).

Por isso, expliquei a ele que isso não era o problema e que qualquer consumo de entretenimento, seja ele em qualquer vertente, sendo feito por um gay – sujeito de minha pesquisa –, era passível de estudo e que justamente essas variações é que tornaria a etnografia interessante. Então, ficou combinado de que na primeira oportunidade que tivesse de sair, ele me convidaria, o que ocorreu mais ou menos duas semanas depois, momento em que meu celular avisa que uma mensagem de whatsapp foi recebida.