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1 METODOLOGIA

1.1 QUEM É QUEM NESTA “TOUR”

Com o objetivo de inserir o leitor nesta etnografia ou aqueles que desejam acompanhar uma “tour” científica, deixo claro que nesta pesquisa acompanhei três jovens em suas redes de sociabilidade, no período entre março de 2017 a outubro de 2018; a faixa etária destes era entre 18 e 24 anos, com renda mensal que variava entre 500 reais e 1600 reais; jovens ainda em formação acadêmica em seus mais variados campos, residiam em dois municípios da Grande Vitória (Vila Velha e Cariacica).

Eles não se conheciam (alguns ainda não se encontraram), não possuíam contatos entre si e buscavam variadas formas de entretenimento no circuito mais amplo da Grande Vitória, o que me permitiu acompanhar diferentes lógicas de consumo de entretenimento e a possibilidade de identificar comportamentos, significados e a própria construção da identidade de gênero que perfaziam.

O primeiro jovem com quem tive a possibilidade de sair a campo em maio de 2017 foi o Cézar. Este é um nome fictício pedido pelo jovem, pois ele namora um outro rapaz e não gostaria de expor a pessoa com quem se relaciona. Quero deixar registrado que quando perguntava ao Cézar sobre seu relacionamento, às vezes ele havia terminado, outras haviam voltado. Nunca foi um relacionamento estável.

Atualmente eles estão juntos, porém, mesmo no período em que estavam separados, o jovem pediu para manter o pseudônimo por não querer expor o outro rapaz. Questionei ao Cézar o motivo de ainda permanecer com o pseudônimo, o mesmo disse que o (ex) namorado era conhecido por muita gente no meio profissional e que as pessoas sabiam de seu relacionamento, por isso, preferia que se mantivesse o sigilo. Portanto, atenderei ao desejo do jovem por questões éticas que envolvem a prática etnográfica de pesquisa.

12O LDRV é um grupo do facebook conhecido por suas “famosas ‘tours’ – que são as postagens e seus assuntos – são histórias que os integrantes contam sobre sua própria vida, seus amigos, algo interessante que viram e etc. Eles contam um caso, pedem alguma coisa, interrogam, criam um contexto sobre determinado assunto e pronto! Se a história for bem contada, em poucos minutos ela terá milhares de curtidas, comentários e se tornará um marco no grupo como um todo. Porém, outro ponto interessante de se observar é: não é qualquer história que faz sucesso. Elas precisam gerar identificação, ser coerentes e verdadeiras e ter algum elemento que chame atenção logo de cara (algo incomum, curioso, engraçado ou fofo)”. (SAMBA TECH. 10 lições de comunicação que aprendemos com o LDRV (e você também deveria). Disponível em: https://sambatech.com/blog/insights/licoes- comunicacao-ldrv/. Acessado em: 15 jan. 2019.)

Ele é estudante de Direito, estagiário, estava com 22 anos, morava em Vila Velha e o mesmo informou que se considerava de uma classe média baixa, gay (enquanto sóbrio, pois depois que estava alcoolizado, segundo ele, sua orientação sexual passava a ser bissexual). É preciso esclarecer que no período em que o acompanhei, pude perceber que o relacionamento interferiu na lógica de diversão estabelecida por ele. Inclusive em ordem financeira, já que ele informou que era estagiário e que muitas vezes o entretenimento era pago pelo seu (ex) namorado, que tinha trabalho fixo e possuía uma melhor remuneração.

Os ambientes procurados por Cézar eram lanchonetes e bares, além de festas entre amigos (aniversários, confraternizações, comemorações de datas especiais), isso não significa que o mesmo não participou de entretenimentos em casas noturnas, conhecida como boates. A participação do jovem nestes locais de entretenimento não era frequente, entretanto, foi algumas vezes até esses locais com o intuito de dançar e beber.

Um outro jovem que também acompanhei nesta pesquisa se chama Adson. Ele estava com 23 anos, morava no município de Vila Velha e sua renda mensal era de 400 reais. Ele trabalhava como professor de dança em uma academia, considerava-se pertencente à classe média baixa. Sua renda fixa era considerada baixa por ele, porém, o mesmo a complementava com trabalho em uma boate da Grande Vitória, no exercício da profissão de garçom, assim conseguia estabelecer um rendimento capaz de se manter. Ele estava em um relacionamento e suas saídas sempre eram com o noivo. Diferentemente do Cézar, Adson não tinha problema em ter sua identidade revelada.

Atualmente, Adson mora na Europa, especificamente, em Portugal. Não tive mais a oportunidade de acompanhá-lo desde outubro de 2018, porém, os registros de seus entretenimentos se farão presentes nesta etnografia, até a data de sua saída do Brasil. E as

primeiras vezes em que tive a oportunidade de sair em busca de entretenimento com este jovem, fui acompanhá-lo em boates da Grande Vitória.

Ele era um frequentador assíduo da Fluente13 e bem conhecido por todos de lá. Sua participação era bem vista nestes lugares, tanto pela questão da presença contínua que estabelecia um vínculo com o estabelecimento, quanto suas participações com danças e performances como drag queen para festas específicas.

Aqui vale ressaltar que na página da Fluente no Facebook, o estabelecimento se encontra na categoria Danceteria; Entretenimento; Serviço de entretenimento de adulto”. Está localizado no bairro Jardim da Penha –Vitória/ES, um bairro de maioria jovens, universitários e que agrega outros estabelecimentos para consumo de entretenimento, sobretudo, bares. Nessa mesma rede social está a definição da Danceteria: “Somos líquido, não temos forma, preenchemos o vazio e não ficamos presos, pois o que é FLUENTE (sic) não fica parado, flui”.

A ideia de um espaço sem a pretensão de ser identificado com uma identidade de gênero ou sexual, faz com que os proprietários estabeleçam a característica de “fluido” para o local. Ainda mais explicativo é o texto que detalha a mesma ideia de sem forma: “Tudo que é fluente não para. E nós estamos em constante movimento. O nosso mundo gira no respeito, no amor e na igualdade. Isso faz tudo fluir bem. Não temos área VIP (Very Important People¬ – Pessoa

13 FLUENTE. Deixa fluir. Disponível em: https://www.facebook.com/pg/fluente.art.br/about/?ref=page_internal. Acessado em: 19 abr. 2018.

Muito Importante) fechada, porque estamos de braços abertos pra (sic) todo mundo. E oferecemos festas para todas as cores, ritmos e temas, com estrutura de bar, iluminação e o atendimento mais cool (legal) de Vitória”14.

Nestes eventos, muitas vezes com premiações, Adson costumava ficar entre os primeiros colocados, o que lhe garantia entradas gratuitas ao longo de um mês, além de bebidas como cortesia, favorecendo a diminuição nos gastos. Entretanto, há nestas performances sentidos de reconhecimento por parte das outras pessoas que frequentavam o estabelecimento, seja os funcionários ou o público pagante.

Outras formas de entretenimento também faziam parte do consumo de Adson: ir à praia, festas de confraternização, festas de calouros etc. Em várias delas pude acompanha-lo, buscando encontrar os significados atribuídos às mesmas por este jovem e a construção de sua identidade como gay.

Ocorre aqui uma diferenciação entre ele e o Cézar, que foi estabelecida no período em que o segundo estava em um relacionamento: Adson preferia ir à boate com ou sem o seu noivo, poucas vezes foram a ambientes como bares, lanchonetes ou festas em que os casais geralmente demonstram vínculos com outros pares ali presentes. Já Cézar, não saía sem a companhia do namorado, seja por questões financeiras ou por não deixava de sair sem o seu companheiro para um divertimento mais individual.

O terceiro jovem dentre os que acompanhei atende por nome de Thiago. Ele era estudante de Administração, trabalhava em cargo comissionado na prefeitura de Cariacica, tinha 24 anos, ganhava aproximadamente 1600 reais. Atualmente, Thiago trabalha como Administrador em uma empresa hospitalar. Este jovem, com relação ao entretenimento, possuía uma lógica diferenciada dos demais: preferia bares com amigos, geralmente no período noturno e, costumeiramente, após o horário de aula, já que seu curso acontecia à noite.

Os bares que frequentava eram próximos à sua faculdade ou na Rua da Lama15, uma avenida no bairro Jardim da Penha, em Vitória, que é conhecida por ter diversos bares e os maiores frequentadores são jovens que, em sua maioria, se encontram por lá com a finalidade de fazerem

14 Ibid., nota de rodapé 13.

15 A história da Rua da Lama está apresentada em um documentário intitulado “Uma volta na Lama” de Úrsula Dart, datado do ano de 2010; e pode ser encontrado no link: https://www.youtube.com/watch?v=B6HT3vBZXz4. Nele pode-se encontrar como foi o surgimento deste point de encontro e os seus principais frequentadores, além de personagens que ficaram imortalizadas naquele espaço de lazer e entretenimento. (MEMÓRIA CAPIXABA. Uma Volta na Lama (de Úrsula Dart) 2010. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B6HT3vBZXz4. Acessado em: 10 mai. 2018)

o “esquenta” – típico ritual de beber antecipadamente para depois ir ao destino final – ou apenas encontrar os amigos para conversar, beber e se distrair.

Diferente dos outros dois jovens que apesar de frequentarem a mesma boate e não se conhecerem, o Thiago preferia uma outra casa noturna, a Bolt, que fica próximo aos bares de Jardim da Penha e pertencia à mesma produtora da Fluente, entretanto, com uma programação diferenciada, inclusive no seu repertório musical.

Foto 3 – Thiago em um momento de entretenimento na praia.

Três jovens distintos que possuíam seus desejos voltados para formas de entretenimento diversas, mesmo quando transitavam no mesmo local, pois a lógica estabelecida por cada um deles era diferente e possuía significados próprios na utilização do espaço em que estavam. Isso permitiu que ao participar com eles desses eventos eu tivesse um olhar amplo do entretenimento voltado para este grupo de jovens gays na Grande Vitória. Não obstante, compreendo que outras

possibilidades de significados coexistem com a deles e poderão aparecer, já que outros jovens gays podem possuir uma lógica completamente diferente e até mesmo oposta a deles.

Mantive meu olhar, minha participação e minha presença junto a eles com a vontade de buscar esta demarcação do consumo de entretenimento e dos serviços utilizados como diversão. Porém, para que isso ocorresse, foi preciso que eu tivesse uma metodologia capaz de captar os anseios, desejos e efetivação do consumo por parte desses jovens. E nada melhor do que compreender qual o caminho etnográfico que realizei e os autores que me ajudaram a elucidar essa empreitada de busca pela identidade do gay capixaba a partir do entretenimento dos jovens: Cézar, Adson e Thiago.