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6 O CONSUMO DE BEBIDAS ALCÓOLICAS E AS PERFORMANCES

6.2 SEDE DE ÁLCOOL

Essa complexidade entre ambiente, música e outros fatores que determinam a escolha por determinado entretenimento, gera valores para cada divertimento. Conectado a isso, em hipótese nenhuma separado, a questão financeira também é um item a ser observado na escolha. Uma festa que tenha uma bebida barata ou proporcione bebida gratuita aos consumidores, nem

que seja por um determinado período, tem mais chances de aparecer como a primeira da lista em relação a outras. Para Sahlins (1997, p. 7), há uma ordenação cultural a partir dos “esquemas de significação” dados pelas diversas sociedades.

Ora, já que as escolhas são ordenadas de acordo com uma significação dada pelos sujeitos de minha etnografia, eles assim “organizam seus projetos e dão sentido aos objetos partindo das compreensões preexistentes da ordem cultural” (Sahlins, 1997, p. 7). Portanto, o uso da bebida alcoólica durantes os eventos, possuia relevância para estes indivíduos, já que ela foi parte atrativa do consumo dos serviços de entretenimento e, assim, era parte integrante da festa a ser vivida.

Assim, a bebida em si mesma não era o mais importante, mas a forma como ela seria adquirida pelos jovens desta etnografia, conta na escolha de um entretenimento. A mais desejada pelos três é a Xixa, seguida pela Cerveja (em suas mais variadas marcas) e pelas bebidas alcoólicas com sabor de limão.

Para César, a Xixa e a bebida com sabor de limão estavam à frente da cerveja, em sua preferência, porém, não deixava de gostar de consumi-la. Ele não tinha a necessidade de frequentar Festas Open Bar, apesar de ter comparecido na “Pula Catraca” que tinha liberação de Xixa. Para ele, a bebida se torna um acessório de consumo, não a diversão em si mesma. Se não houver bebida ou se houver pouca bebida, ele se diverte da mesma maneira, pois a música é o que faz ele realmente dizer se o lugar é ou não um entretenimento que “deu certo”. O consumo é sempre pago com dinheiro, caso esteja querendo beber. E se a festa é de bebida liberada, geralmente, compra-se os ingressos anteriormente para ter acesso ao evento e não perder o direito ao consumo liberado.

A dificuldade em caminhar com os nativos nestes outros locais, também faz parte do próprio conceito que eles possuem de entretenimento gay. A ideia é que uma diversão gay, segundo eles, passa pela boate e qualquer outro espaço fora disso, não estaria dentro da lógica do entretenimento possível.

Aqui é possível retomar a ideia de Magnani (1997), ao cunhar a noção “os de fora e os de dentro”, pois sendo outros momentos estabelecidos como entretenimento por eles, entretanto, não me inserem devido a intimidade que muitos sugerem existir, por este motivo que as minhas possibilidades, apesar de diversas tentativas de estar in loco, se passa através das redes sociais digitais.

Retomo o pensamento de Gonçalves e Head (2009, p. 20), ao estabelecerem que os discursos da contemporaneidade, sobretudo os realizados a partir de imagens e vídeos, estão inseridos em uma globalização que possibilita “uma conceituação de localidade ao atribuir uma nova semântica que desterritorializa e deslocaliza o local”. Assim, foi possível estar com os jovens dessa etnografia a partir de postagens realizadas no Instagram e Facebook.

Assim, continua Gonçalves e Head (2009, p. 22):

Quando se observa uma fotografia ou uma imagem em movimento produzida através de uma interferência etnográfica, fruto da relação entre sujeitos que se encontram, evoca-se uma possibilidade de conceituação e compreensão das imagens produzidas pelas múltiplas representações/apresentações do eu e do outro, o que permite, por sua vez, uma apreensão da alteridade no modo que designamos por devir-imagético, uma conceituação deste interceder do eu e do outro.

Por diversas vezes conversei com Cézar para que, assim que possível, me levasse a alguma festa que não fosse em boates; o mesmo informou, no início de minha imersão em campo com ele, que esses momentos não poderiam ser tão “interessantes ter a minha participação”, pois ficaria estranho me levar em um lugar no qual não tenho intimidade com o restante das pessoas. E ele não gostaria de ficar atrelado à ideia de que está participando de uma pesquisa.

Mesmo assim, continuei a buscar formas de imersão em outros campos com esses nativos, para que pudesse ampliar as informações sobre o entretenimento gay e a construção da identidade destes indivíduos a partir do primeiro. Contudo, mesmo que não o fizesse presencialmente, vejo que muitos deles sinalizavam que estavam prontos para ir a algum evento considerado como entretenimento e, por isso, fiquei atento às redes sociais digitais, buscando colher dados sobre o que eles consumiam.

Daniel Miller e Don Slater (2004), em seu artigo intitulado “Etnografia on e off-line: cibercafés

em Trinidad”, a distinção entre on e off-line para usuários da internet. Para os autores, a

Antropologia considera a observação participante um “critério primário” (MILLER; SLATER, 2004, p. 43) para se realizar Etnografia, além de “tempo passado na comunidade ou no espaço social estudado” (MILLER; SLATER, 2004, p. 43). Pois é a partir desses dois pontos que “a oportunidade para conhecer as pessoas e para estas se familiarizarem com a presença de um estranho” (MILLER; SLATER, 2004, p. 43) acontecem.

Esses quesitos, associados a ideia de que quanto “mais tempo e participação” (MILLER; SLATER, 2004, p. 44) o etnógrafo passar com “os objetos e sujeitos da pesquisa” (MILLER; SLATER, 2004, p. 44), mais ampla será sua visão sobre os acontecimentos e contextos daquele local (MILLER; SLATER, 2004, p. 44). Entende-se que a contextualização provocada pela

presença in loco por parte do antropólogo, torna mais clara a distinção entre fenômeno e contexto (MILLER; SLATER, 2004, p. 44).

Ora, as buscas etnográficas sobre os entretenimentos vividos pelos jovens gays desta etnografia e apresentadas por eles por meio das redes sociais digitais, precisam ser entendidas de duas maneiras, a partir da observação de Miller e Slater (2004, p. 46): uma é a compreensão dos “ambientes virtuais” apresentados como um “cenário contido”, como se as postagens realizadas pelos indivíduos fossem tal e qual aquilo que eles apresentam; ou uma compreensão de que alguns deles “estão tratando essas mídias como se fossem virtuais e fazendo tudo ao seu alcance para separar seus relacionamentos on-line daqueles off-line”.

Essa compreensão do entretenimento a partir da Internet não está, em hipótese alguma, desvinculada dos momentos em que passei fisicamente com eles nos eventos. Não se trata de uma etnografia virtualizada, mas é uma compreensão de que aqueles momentos dizem muito do que é a auto-imagem (GONÇALVES; HEAD, 2009, p. 19) construídas pelos nativos a partir de suas redes sociais digitais. Trata-se, portanto de uma etnografia em que “o objeto e o contexto precisam ser definidos em relação um ao outro para projetos etnográficos específicos” (MILLER; SLATER, 2004, p. 47).

O estar on-line, aparecendo constantemente na timeline de seus seguidores, com postagens diversas, precisam ser observadas a partir de um contexto off-line, onde molda e dá sentido aos momentos vividos durante o entretenimento (MILLER; SLATER, 2004, p. 47). Os etnógrafos Miller e Slater (2004, p. 47-48), exemplificam essa situação:

Por exemplo, para entender o que algumas donas-de-casa norte- americanas estavam fazendo quando elas gastam horas envolvidas nessa troca de sexpics é necessária a compreensão de seus relacionamentos off-line, em geral com seus parceiros. Isto, por sua vez, explica um dos mais surpreendentes resultados que foi que, ao invés de serem uma vanguarda libertária, muitas daquelas envolvidas têm visões estreitas e, por vezes, bastante conservadoras sobre a moralidade da atividade na qual estão envolvidas.

Portanto, é preciso observar que tanto o mundo on-line quanto o off-line, não estão desconectado. Eles possuem, em diversos momentos o “reconhecimento do relacionamento complexo e nuançado” (MILLER; SLATER, 2004, p. 48) que explica “as estruturas normativas desses dois mundos” (MILLER; SLATER, 2004, p. 48).

A utilização de um objeto (Redes Sociais Digitais) como fonte de etnográfica e a contextualização (Entretenimento) se tornaram, todavia, “estudos plenos em si mesmos, com mudanças correspondentes no que efetiva uma etnografia” (MILLER; SLATER, 2004, p. 49). Ao mesmo tempo que as observações eram feitas por meio do Instagram e do Facebook, pessoalmente eu encontrava com todos eles para perguntas referentes ao evento que eu não pude participar. Ou comparando eventos on-line com os off-line, vividos intensamente durante alguns dias.

Sendo assim, apesar desta etnografia não ser sobre ciberespaço, utilizar desse caminho contribuiu como fonte de dados sobre os jovens gays capixabas que acompanhei no percurso de 2 anos, aproximadamente.

Na condição de etnógrafo, seria uma conquista e tanto, mesmo sabendo da permissão, ser incluído de maneira concreta como parte de seus círculos de amizades, o que contribuiria não somente o acompanhamento, mas para acessar uma melhor ideia dos significados dados por eles nos bens e serviços consumidos.

Retornando a questão da bebida, para o Adson, ela era um fator importante para que o evento seja considerado relevante na hora da escolha. Costumava beber muita Catuaba com Guaraná, cujo o nome comercia famoso é Xixa. Ao ser indagado se ele teria outra preferência, ele disse que esta era a sua bebida preferida, mas que gostava de outras bebidas alcoólicas. Como seu poder aquisitivo não permitia que ele tivesse um amplo leque de opções durante a noite toda, a economia que ele faz com a entrada é também uma forma de utilizar o valor economizado com o consumo de outros produtos e serviços oferecidos nos espaços de Entretenimento que frequenta.

Numa festa na casa noturna Fluente, Adson ganhou o concurso “Serei@ da Fluente”, o que lhe garantiu algumas regalias durante o período de um mês: entrada gratuita no estabelecimento e na primeira noite após o concurso, ganhou o valor de cem reais para gastar com o que quisesse dentro da boate, entretanto, este valor só poderia ser gasto naquela primeira ida após o concurso. Eu estava presente durante o consumo dos cem reais. Ele não conseguiu consumir todo o valor sozinho, precisou da ajuda de mais dois amigos e eu ainda ganhei uma garrafa de água mineral, por muita insistência dele. O fato ocorrido foi que ele estava desejando ir embora para dirigir- se a uma outra boate próximo à casa dele, mas não queria deixar nenhum centavo para trás. Ganhou cem reais, iria gastar os 100 reais.

Então, fizeram uma soma do que haviam gastado, buscaram ver quanto ainda faltava a ser consumido e estabeleceram o que iriam comprar com aquele valor. Decidiram comprar mais uma Catuaba com Guaraná, no valor de 5 reais, e me ofereceram uma garrafa de água mineral. Aceitei a água mineral pela insistência, muito mais do que pela sede que não existia. O Adson mesmo não consumiu, o pouco que consumiu foi um copo ou menos de bebida alcoólica durante toda a noite, o que na maioria era apenas alguns goles e nada mais.

Para o Thiago, beber é fundamental. Uma festa precisa ter “música e bebida”, segundo a sua concepção. Infelizmente não conseguiria mensurar o consumo de álcool por parte deste jovem. O que daria para informar é que sua prioridade eram as festas cujo ingressos dessem permissão para bebidas liberadas. Essas são as preferidas de Thiago, e fica perceptível que ele bebe do início ao fim, aproveitando todas as bebidas oferecidas pelo estabelecimento. Não sei se torna repetitivo dizer que a Catuaba com Guaraná, conhecida como Xixa, aparece entre as bebidas que o Thiago gosta. Porém, “não dispensa”, segundo ele, “uma boa cerveja gelada”, o que na qualificação de valores, está à frente da Catuaba.

Acredito que estabelecer esse ponto de referência de consumo apenas por esta bebida, daria um capítulo à parte e envolveria questões que estariam para além do consumo de entretenimento, por este motivo, optei por apenas informar o tipo de bebida consumida, sem entrar em detalhes sobre como ela entrou no circuito de muitos jovens homossexuais e heterossexuais em um curto espaço de tempo. Se pelo preço ou sabor, não se sabe, entretanto, ela era constante em todas as festas se dissermos que é pelo valor, talvez correríamos o equívoco de dizer que o valor é interessante para os frequentadores.

Porém, tendo em vista que a festa em que o Thiago e o César participaram foi Open Bar, o valor não tinha interferência ou restringia a preferência pelo produto, esse seria interessante para os que promoveram o evento e não para os jovens em questão. Se eu dissesse que era simplesmente o valor de compra na festa sem a liberação de bebidas gratuitamente, poderia incorrer no risco de dizer que fatos externos ao sujeito provocam o estímulo para aquisição do produto, fazendo uma conexão restritiva na lógica da interpretação da cultura de massa.

Portanto, cito apenas a presença desta bebida nos entretenimentos destes jovens homossexuais, mostrando que ela está entre suas preferidas, porém, sem me delongar na possibilidade de como ela se tornou um elemento a parte. Até mesmo, quando estabeleci a bebida como consumo periférico do entretenimento, estabeleci que a música é ainda mais importante que a bebida,

pois é ela quem dará o nome às Festas. A bebida é um ponto importante para ele no que diz respeito à um entretenimento muito bom.

Todavia, compreender a lógica do consumo de entretenimento durante esta etnografia, me fez perceber que a complexidade não está nos significados dados pelos indivíduos, mas está na busca pela descoberta dos sentimentos e emoções que transpassam esses significados e a possibilidade de modificação deles de um momento para o outro. Por vezes, me vi direcionado ao sentido de consumo estabelecido pelo indivíduo, entretanto, mediante a alterações, seja de apresentação de outras possibilidades ou de contratempos financeiros e emocionais, imediatamente o sentido do entretenimento já estava voltado para outro lugar ou, simplesmente, se acabava o desejo de sair para o divertimento.

Além disso, o entretenimento que existe por si mesmo, faz de seu consumo um sentido absolutamente próprio, dadas as propriedades do jogo, pois ele mobiliza uma infinita gama de outros consumos para que possa ocorrer de maneira significativa para os sujeitos que assim o desejam. Por isso, uma lógica econômica que dê conta de variadas conectividades entre o consumo de bens e serviços e de infinitas variabilidades de sentimentos, gostos, prazeres e emoções, exige de um antropólogo do consumo, um tempo maior de rastreamento, questionamentos e averiguações junto aos consumidores da etnografia.