• Nenhum resultado encontrado

M ETODOLOGIA : A RECONSTRUÇÃO DOS CÍRCULOS DE RELACIONAMENTO INSTITUCIONAL

O “A RQUIVO ” C OSTA

2. M ETODOLOGIA : A RECONSTRUÇÃO DOS CÍRCULOS DE RELACIONAMENTO INSTITUCIONAL

A mesma linhagem, dois ramos, três arquivos, destinos diferentes. Todos três chegaram intactos ao final do século XIX, um deles defraudado da grande parte do seu conteúdo devido a catástrofes naturais: incêndio em meados do século XVII e terramoto em meados do século XVIII, mas os outros dois perfeitamente íntegros.

No que respeita às gerações de Costas que aqui nos interessam, apenas o subfundo integrado no fundo da Casa de Óbidos-Palma-Sabugal permaneceu, tendo os outros, Casa do Armador-mor e Casa de Soure, como vimos, sido dispersados não se conhecendo hoje senão um escasso número de documentos que integraram esses arquivos e mesmo esses espalhados por diversas mãos.

Foi portanto necessário reconstituir, a partir de documentação produzida e/ou conservada noutros arquivos o que teriam sido os arquivos desaparecidos, numa cronologia que não ultrapassa o primeiro quartel do século XVII, abarcando as quatro primeiras gerações da família “Costa com Dom”.

Efectivamente, grande parte da documentação que pertenceu a um Arquivo de família poderia, no limite, ser recuperada nas instituições com que os membros da família se relacionaram por qualquer motivo ou circunstância. Dá-nos a entender isso a análise da documentação conservada nos arquivos ainda existentes. Com excepção, obviamente, de correspondência particular, notas, apontamentos, resumos, lembranças e documentação afim, de produção da própria família e não reproduzida ou registada noutras instâncias, toda a outra documentação deveria poder ser recuperada através das instituições com que a família se cruzou ou relacionou. O problema está em que, dos

74 No ANTT foram já identificados 196 documentos pertencentes ao subfundo/subsistema Família Costa

(8% num total de 2.420), dos quais 156 (80% do total dos documentos do subsistema Costa) datados dos séculos XIV a XVI. Com base no Summario de 1836, identificou-se um total de 389 documentos integrantes do Arquivo Costa, correspondendo a 12% de um total de 3.153 entradas.

34 arquivos de algumas dessas instituições, por circunstâncias várias, em que mais avulta a incúria do que a catástrofe, muito pouco nos resta actualmente e, não poucas vezes, o que ainda subsiste não é acessível, quer pelo seu estado de conservação (caso dos cartórios notariais conservados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo), quer, com frequência, por inexistentes ou deficientes instrumentos de descrição que nos permitiriam aceder a essa mesma documentação em tempo útil.

Pelo conhecimento dos arquivos de família subsistentes percebe-se que grande parte da documentação conservada pelas famílias do Antigo Regime é de carácter notarial (toda a espécie de escrituras), sendo a documentação produzida pela Coroa, se bem que em número importante, menor, assim como aquela produzida pelas instituições religiosas.

Partimos pois do princípio que, identificadas as esferas de relacionamento dos membros da família, civis ou religiosas, oficiais ou privadas, seria possível encontrar nos seus arquivos parte da documentação que essa relação mútua produziu.

Começámos por traçar a partir das genealogias disponíveis75, todas mais ou menos tardias, e da cronística da época76, o perfil dos vários membros da família que pretendíamos tratar. Todas elas são mais ou menos unânimes em referir que, no que se refere à esfera pública, Álvaro da Costa foi guarda-roupa e camareiro do rei, além de seu armador-mor e embaixador em Roma e na Corte espanhola, e provedor da Misericórdia de Lisboa. Seu filho Duarte, além de armador-mor como o pai, foi vereador e presidente do município de Lisboa e governador-geral do Brasil. Tal como o pai, foi também provedor da Misericórdia de Lisboa. Quanto ao irmão, Gil Eanes, foi igualmente embaixador na Corte de Carlos V e vedor da Fazenda no reinado de D.

75 ARRAIS, José António Pinto de Mendonça - Genealogia dos Costas. Lisboa: s.n., 1934; GAIO,

Manuel Felgueiras - Nobiliário das famílias de Portugal. 3ª ed. Braga: Carvalhos de Basto, 1992. 12 vols.; GÓIS, Damião de – Livro de linhagens de Portugal. Ed. crítica de António Maria Falcão Pestana de Vasconcelos. Lisboa: Instituto Português de Heráldica, 2014; LIMA, Joaquim Leitão Manso de - Familias de Portugal [Texto policopiado]: Cópia fiel do manuscrito original existente na Biblioteca Nacional. Lisboa: s.n., 1925-1931. 16 vols; LIVRO de linhagens do século XVI. Ed. de António Machado de Faria. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1957; MORAIS, Cristóvão Alão de – Pedatura Lusitana. Nova ed. Braga: Carvalhos de Basto, 1997-1998. 6 vols.; PEDROSA, Manuel Álvares de – Familias Genealogicas. Tomo IV. Ms. (BA - Cod. Ms. 49-XIII-11); SOUSA, António Caetano de – História genealógica da casa real portugueza... Lisboa Occidental: Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1735-1749. 14 vols.; TÍTULO da família e apelidos dos Costa. Ms. (APVF).

76 ANDRADE, Francisco de – Cronica do muyto alto e muito poderoso Rey destes reynos de Portugal

Dom João o III... Lisboa: Jorge Rodriguez, 1613; CORREIA, Gaspar – Crónicas de D. Manuel e de D. João III (até 1533). Lisboa: Academia das Ciências, 1992; FRUTUOSO, Gaspar – Saudades da terra. Livro IV. Nova ed. Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998; GÓIS, Damião de – Crónica do felicíssimo rei D. Manuel. Lisboa: Officina de Miguel Manescal da Costa, 1749; SOUSA, Luís de – Anais de D. João III. Lisboa: Typ. da Soc. Propagadora dos Conhecimentos Uteis, 1844.

35 Sebastião. Na esfera privada, todos eles se relacionaram com diversos conventos/mosteiros, onde instituíram capelas e colocaram filhas para professar. Receberam mercês régias, comendas, uma alcaidaria-mor, tenças e eles próprios adquiriram, além de tenças de juro, propriedades urbanas ou rurais. Todos três foram também do Conselho do Rei77.

Na geração que se seguiu, dos filhos de Duarte e Gil Eanes, não se alteraram expressivamente estas esferas de relacionamento, continuando eles a circular pela Corte, Vedoria da Fazenda, Câmara de Lisboa, e pelos mesmos conventos/mosteiros que os seus pais.

Assim, para tentar reconstituir o que teria sido o universo da produção e acumulação de informação por parte das primeiras gerações da família Costa, recorremos às instituições que com eles tinham tido contacto, começando pela instituição Coroa e suas dependentes – Chancelaria, Casa dos Contos, Vedoria da Fazenda, Almoxarifados, Casa da Suplicação, diversos juízos, provedorias e correições, Desembargo do Paço, Mesa da Consciência e Ordens, Tribunal do Santo Ofício, Provedoria das Capelas, etc. 78.

Se quanto à Chancelaria régia a tarefa está facilitada pela existência de índices elaborados no século XVIII, o mesmo não se pode dizer daquela documentação que pode ser considerada de função, relacionada com a Armaria-mor, a Guarda-roupa, a Câmara régia, a Vedoria da Fazenda e as missões diplomáticas, que, ou é inexistente, ou se encontra hoje dispersa por colecções diversas que se formaram maioritariamente depois do terramoto de 1755 que, se não destruiu totalmente o arquivo da Coroa, desorganizou os seus fundos79. Falamos sobretudo do Corpo Cronológico, Fragmentos, Gavetas da Torre do Tombo, Colecção de Cartas e mesmo Manuscritos da Livraria, Colecção São Vicente, entre outras.

As numerosas tenças auferidas pelos membros da família, quer por compra quer por mercê régia, foram na sua maioria registadas nos livros da Chancelaria, onde

77 Cf. Cap. 3 onde se fará detalhadamente a biografia dos vários membros da família.

78

Também no Cap. 3 e no Anexo 1 se darão todas as referências arquivísticas e bibliográficas.

79 Sobre o Arquivo da Coroa v. RIBEIRO, Fernanda – Como seria a estrutura primitiva do Arquivo da

Casa da Coroa (Torre do Tombo)? Porto: Universidade do Porto. Faculdade de Letras, 2003, e RIBEIRO, Fernanda – O acesso à informação nos arquivos. Dissertação de doutoramento em Arquivística, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Porto, 1998. 2 vols.

36 se encontram também referência a outras tenças, cujos registos não se conhecem por se terem perdido os respectivos livros, sendo isto bastante claro no que respeita ao reinado de D. Manuel. Também nos registos da Chancelaria se encontram referências a escrituras de que se conhecem as datas, mas não o seu conteúdo, por não se terem conservado os livros de notas dos cartórios onde teriam sido registadas. Mesmo assim, considerando que essa documentação teria em determinado momento feito parte dos arquivos, considerámos a informação como pertinente, bem como os alvarás de lembrança de mercês régias, algumas aquisições de propriedade etc., que também se encontram nos registos da Chancelaria.

Tendo em conta que os relacionamentos dos membros da família não se cingiam apenas à Coroa, identificámos também as instituições religiosas que patrocinaram, quer nelas instituindo capelas, quer nelas fazendo professar as filhas. Estas foram, para as duas primeiras gerações, as ordens dos Jerónimos (mosteiro da Penha Longa de Sintra), dominicana (conventos do Paraíso de Évora, da Saudação de Montemor-o-Novo e da Anunciada de Lisboa) e cisterciense (mosteiro de Almoster, junto a Santarém, e Odivelas, no termo de Lisboa). Mais tarde a Companhia de Jesus também foi patrocinada por membros da família, tendo três netos de Álvaro da Costa nela professado. Infelizmente os fundos monástico-conventuais, geralmente riquíssimos em informação de carácter familiar, não têm instrumentos de descrição à altura pelo que a pesquisa é difícil e muitas vezes decepcionante.

Um grupo de fundos que poderia fornecer informação importante para a reconstituição dos arquivos destas duas primeiras gerações seria o dos Cartórios Notariais de Lisboa (dezoito no total sobreviveram ao Terramoto de 1755), mas infelizmente não nos foi possível consultar senão numa ínfima parte, pois que dos cartórios de que restaram livros do século XVI (apenas três) e princípios do século XVII (apenas seis), e que não foram destruídos não só pelo terramoto mas também pela incúria dos homens, apenas cerca de 20% dos respectivos livros de notas vem à consulta no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, por os restantes 80% se encontrarem “em mau estado de conservação” e sem perspectivas de recuperação. Mesmo assim, nos poucos livros que foi possível consultar situados dentro da nossa baliza cronológica, ainda conseguimos identificar uma dezena de escrituras respeitantes a diversos membros da terceira geração da família, mas nada para as duas primeiras.

37 Outros fundos arquivísticos pesquisados foram os das Misericórdias, mas apenas obtivemos resultados no caso da Misericórdia de Évora, a quem D. Álvaro da Costa deixou uma vultuosa tença para ser empregue em obras caritativas, sobretudo no casamento de órfãs, mas não no referente à Misericórdia de Lisboa cujo arquivo, como é sabido, conserva muito pouca documentação anterior ao século XVIII.

Por fim, o Arquivo Municipal de Lisboa também forneceu alguma documentação, não só respeitante às funções de vereador e de presidente de D. Duarte da Costa e de seu sobrinho D. Gil Eanes, como também ao palácio construído por Álvaro da Costa sobre a Porta da Oura, que, herdado pelo filho Duarte, se manteve neste ramo da família até meados do século XVIII.

Além destes fundos arquivísticos portugueses, foi também pesquisada a documentação que pudesse existir no Brasil e que se referisse à actuação de D. Duarte da Costa enquanto governador-geral. Grande parte dos testemunhos da sua actividade governativa encontra-se publicada nos Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, onde conseguimos identificar um conjunto de documentos produzidos enquanto esteve no Brasil, incluindo algumas cartas que lhe foram dirigidas por D. João III, e por ele mandadas registar no Livro I de Provisões80.

Finalmente, os inventários dos arquivos da Casa de Óbidos-Palma-Sabugal, de 1836, e da Casa de Soure, de 1862, foram elementos essenciais para a reconstituição da produção documental não só de D. Gil Eanes da Costa como de seus filhos, D. João e D. Gil Eanes da Costa, e até do próprio D. Álvaro da Costa. Estes inventários dão- nos uma panorâmica destes arquivos de família em meados do século XIX e permitem-nos, por comparação com a documentação identificada a partir de outros fundos, perceber quão fragmentária é a nossa visão destes arquivos, que, ao longo do tempo, foram sendo acrescentados e diminuídos conforme os interesses e os objectivos de cada momento.

Os quadros que se seguem dão-nos uma panorâmica dos resultados obtidos:

80 Cf. RIO DE JANEIRO. Biblioteca Nacional – Documentos históricos. Vol. 35 – Provimentos

Seculares e Ecclesiásticos, 1549-1559. Rio de Janeiro, 1937, pp. 195-404.

Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/documentos-historicos/094536 (consultado em 13- 12-2017).

38

D.ÁLVARO DA COSTA 1