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A RQUIVO DA C ASA DE Ó BIDOS P ALMA S ABUGAL

Este arquivo familiar, adquirido pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) em 199559, exemplifica bem a situação quanto ao destino deste tipo de acervos a partir das transformações políticas, económicas e sociais verificadas desde inícios do século XIX e que culminaram com a extinção dos morgadios em 1863, ao deixarem de cumprir a função primordial de prova de bens e mercês que lhes deu origem e garantiu a sua integridade durante cerca de cinco séculos. Por morte do último conde de Óbidos, em meados do século XX60, o arquivo, que desde finais do século XIX deixara de ser activo, entrou na posse de um parente, o marquês de Santa Iria, e terá sido já no último quartel do século XX que começou a ser alienado (mas não de uma só vez, pois há registos de vendas em alturas diferentes61), tendo a maioria do seu acervo dado entrada no ANTT na data referida.

Se bem que actualmente na Torre do Tombo não se conservem inventários anteriores deste Arquivo, sabemos da existência de pelo menos dois, na mão de particulares, que se prontificaram a autorizar a sua consulta e reprodução digital62.

Trata-se, no primeiro caso, de um inventário exaustivo (catálogo, chamar-se-ia hoje) da documentação conservada no Arquivo da Casa dos condes de Óbidos em 1836 e, no segundo, do inventário da fazenda do conde de Sabugal, datado de 1588 e aditado até 1609, contendo a descrição dos rendimentos e da respectiva documentação

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Conforme informação da ficha de Fundo do ANTT, o Arquivo foi comprado em leilão do Palácio do Correio Velho, SA, em 1995.

http://digitarq.dgarq.gov.pt/default.aspx?page=regShow&ID=4164750&searchMode=as

O lote 300 é assim referido no catálogo do leilão realizado em 8 de Maio: “Notável acervo de manuscritos, constituído por cerca de 1570 documentos, abrangendo desde o século XV, aos séculos XVIII e XIX que se encontra dividido por maços cronologicamente datados, compreendendo aforamentos, alvarás, arrendamentos, breves e bulas papais, cartas executórias, de mercê e patentes, certidões reais e apostólicas, confirmações de títulos e propriedades, doações, dotes, inventários de bens, petições, quitações, tenças, tombos de bens e propriedades, etc. quer sobre papel, quer sobre pergaminho, preservados na sua maioria os selos de origem, em impecável estado de conservação e referentes a numerosas cidades, vilas e povoações do território continental português e ultramarino (Açores, Madeira, Brasil e Índia), territórios por onde se estendiam as propriedades desta nobre e influente família portuguesa, testemunhando o importante papel de destaque que desempenhou ao longo da nossa história política e social. De realçar também que grande parte da documentação apresenta, anexa, uma ficha explicativa do seu teor, o que muito a valoriza, facilitando a sua leitura.(…)”. Termina, dizendo que “Este conjunto compõe-se por doze (12) maços de escritos divididos cronologicamente (…)”, e descreve sumariamente cada maço.

60 O último conde de Óbidos, D. Miguel Pedro de Melo Assis Mascarenhas, morreu sem descendência

em Vigeois, França, em 1945.

61 Pelo menos em dois distintos leilões do Palácio do Correio Velho, SA, em 1995 (Leilão de 8 de

Maio) e em 2004 (Leilão nº 167, sessão de 25 de Setembro).

62 Agradeço as facilidades de consulta e reprodução que me foram concedidas pelos proprietários, Tiago

28 comprovativa63. Por eles, sobretudo pelo primeiro, se percebe de forma clara como este era efectivamente “um arquivo de arquivos”, constituído ao longo de gerações por alianças matrimoniais e respectivas agregações de património e identidade, pois que os arquivos nobiliárquicos sempre funcionaram como depósitos de crédito genealógico e de legitimação histórica da família64.

O Summario alfabetico dos documentos existentes no Cartorio da Illma. e Exma. Casa dos Senhores Condes de Palma, Obidos e Sabugal, manuscrito in 4º, encadernado em pele, com 366 fólios numerados e índice no final, contém, 3.143 entradas65 descrevendo sumariamente os documentos que integravam em 1836 o arquivo, dito cartório, da Casa dos condes de Óbidos, de Palma e de Sabugal.

63 Já vem referido no Summario de 1836, f. 207v, sob a rubrica “Livros”, como Livro das fazendas do

Conde D. Duarte de Castello Branco, Meirinho Mor… e tem a seguinte nota: “Este livro he hum indece dos papeis que continha o cartorio naquelle tempo, e se não extrata por estar extratado por miudo o dito cartorio neste Indece geral”. Estava então conservado no maço 79 como livro A.

64 Cf. IRANZO MUÑÍO, Maria Teresa – Arqueologia del Archivo: inventarios de los condes de

Aranda..., cit., p. 88.

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Estas 3.143 entradas não correspondem necessariamente ao mesmo número de documentos, pois que alguns registos aparecem repetidos com a mesma tipologia ou tipologias distintas, o que se percebe pela existência de cotas distintas (mç., n.º).

Fig. 6

Summario alfabetico dos documentos existentes no Cartorio da Illma. e Exma. Casa dos Senhores Condes de Palma, Obidos eSabugal , fl. de rosto (Arq. Priv.)

29 Principiado pelo P. João Fillipe da Cruz66 redigio e concluio Joze Joaquim Mattoso Gago da Camara67 Perito Paleografico no anno de 1836. Com hum Supplemento. Também o rosto nos informa que foi feito por ordem de D. Manuel d’ Assis Mascarenhas, 5º conde de Óbidos, de Palma e de Sabugal68.

Talvez as recentes leis de desamortização de Mouzinho da Silveira tenham contribuído para a elaboração deste instrumento de descrição, mas sobre a razão explícita da sua redacção, nada é revelado. A descrição da documentação está distribuída por 123 tipologias, organizadas alfabeticamente, e as entradas dentro de cada tipologia ordenadas de forma cronológica69. Além da data e da classificação tipológica, faz o resumo do documento mais ou menos desenvolvido, indicando no final o nº do maço e o nº do documento dentro do maço. Curiosamente, feita a ordenação das entradas pelo nº do maço e respectivo nº de documento, não se consegue desvendar o critério de arrumação nesses maços. Não é tipológico, nem cronológico, nem geográfico, não é por morgados, nem por famílias. Os documentos parecem estar acumulados dentro dos maços aleatoriamente, e à primeira vista só o recurso ao Summario permitiria recuperá-los70.

Pela análise deste Summario alfabetico, verifica-se que a documentação se

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O Padre João Filipe da Cruz foi um “perito paleógrafo”, autor de um dos primeiros manuais de Diplomática portuguesa, Elementos de Diplomática Portugueza (1805), que se conserva inédito no ANTT – Manuscritos da Livraria, nº 2193-A. Cf. GOMES, Saul António – “Anotações de Diplomática eclesiástica portuguesa”. Humanitas, vol. L (1988) e NÓVOA, Rita; LEME, Margarida - “The expert paleographer João Filipe da Cruz (c. 1798-1827)”. In: ROSA, Maria de Lurdes ; HEAD, Randolph (eds.) - Rethinking the Archive in Pre-Modern Europe: Family Archives and their Inventories from the 15th to the 19th Century. Lisboa: IEM - Instituto de Estudos Medievais, 2015, pp. 77-82.

67 Era em 1823 “oficial diplomático” no Arquivo da Torre do Tombo, ganhando anualmente 250 mil

réis.

68 Herdou a Casa de seu pai, D. José de Mascarenhas, 4º conde de Óbidos, de Palma e de Sabugal, por

morte deste em 1806. Nascido em 1778, veio a falecer em 1839, deixando como herdeira da Casa sua filha D. Eugénia Maria d’ Assis Mascarenhas, 6ª condessa de Óbidos, de Palma e de Sabugal, que nesse ano de 1839 casa com D. Pedro Maria Bruno de Sousa Coutinho Monteiro Paim, quarto filho do 1º marquês de Santa Iria, D. Luís Roque de Sousa Coutinho Monteiro Paim. Será por este casamento que mais tarde, já em meados do século XX, o Arquivo da Casa de Óbidos se tornará propriedade dos marqueses de Santa Iria.

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Cf. ROSA, Maria de Lurdes; HEAD, Randolph C. (eds) - Rethinking the Archive in Pre-Modern Europe: Family Archives and their Inventories from the 15th to the 19th Century. Lisboa: IEM - Instituto de Estudos Medievais, 2015, pp. 164-165.

70 Só a completa introdução dos dados referentes a cada documento, numa base de dados, permitirá tirar

conclusões definitivas acerca desta hipótese. Os documentos actualmente conservados na Torre do Tombo encontram-se envoltos numa capilha de papel tipo almaço, onde consta a mesma data e o resumo do Summario, se bem que no canto superior direito tenham um outro número, o qual não é referido no Summario. Nessa capilha não está o número do maço e do documento, que se encontra, porém, no verso da grande maioria dos documentos originais. Poderá ser que essas capilhas, se bem que aproveitando na sua maioria os resumos do Summario, tenham sido postas posteriormente e então numeradas.

30 distribui desde o início do século XIV71 até 181672 da seguinte forma: 10 documentos pertencem ao séc. XIV, 209 ao séc. XV, 1.122 ao séc. XVI, 1.031 ao século XVII, 607 ao século XVIII, e 19 ao início de século XIX, existindo 154 sem data, num total de 3.152 documentos, conservados em 82 maços. Quanto às 123 tipologias identificadas, destacam-se, além das de carácter judicial, as que se relacionam com a aquisição e gestão do património. Assim, contabilizaram-se 302 sentenças (10%), 275 certidões (9%), 244 compras (8%), 173 alvarás (6%), 134 arrendamentos (4%), 114 posses (4%), 105 mercês (3%), 100 doações (3%) e 100 recibos (3%), num total de 49% dos documentos existentes no arquivo em 1836.

Mas para além da documentação de carácter judicial ou patrimonial, conservava-se neste, como na maioria dos arquivos de família, documentos de carácter pessoal e de função, que fornecem informação imprescindível para o conhecimento da constituição e evolução não só da família como do próprio arquivo. Refiram-se os testamentos (53), inventários (8), cartas de partilha (25), de dote (33), contratos (22), instituição de morgados ou de capelas (17), bem como apontamentos e árvores genealógicas, para além da correspondência, familiar ou não.

Apenas pela análise da informação contida no Summario ficamos elucidados sobre a génese e evolução da casa, ao longo de cinco séculos e quinze gerações. De um tronco comum de apelido Mascarenhas, que se identifica a partir de meados do século XV, sairão no início do século XVI os dois ramos que darão origem às Casas de Palma (título de conde datado de 1624) e de Óbidos (título de conde datado de 1636). Quando em 1669 as casas se unem pelo casamento do 2º conde de Óbidos com a 3ª condessa de Palma (e 5ª condessa de Sabugal, cujo título fora concedido pela 1ª vez a D. Duarte de Castelo Branco em 1582), já a Casa de Palma estava aliada à de Sabugal pelo casamento em 1638 de D. Nuno Mascarenhas com a 3ª condessa de Sabugal, D. Beatriz de Meneses.

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Existe um único documento atribuído ao século XIII (1299) mas trata-se da cópia de uma carta de brasão italiana, concedida aos condes de Palma: Brazão d’ Armas dado pelo Conde de Artois etc. a Arimberto de Palma seu parente em remuneração de serviços progenitos dos Duques de Stª Elia em Itália na Sicília. Efectivamente, vê-se por outra documentação descrita neste Summario que os condes de Palma se reclamavam parentes destes Palmas italianos.

72 Se bem que o inventário esteja datado de 1836, o documento com a data mais tardia registado no

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