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Requerentes de asilo na Dinamarca

PAÍS INSTITUIÇÃO FUNÇÃO DO ENTREVISTADO

4. CAPÍTULO | AS INSTITUIÇÕES, AS POLÍTICAS E AS PRÁTICAS

6.4. M ULHERES E MENINAS RECOLOCADAS E REUNIDAS COM A FAMÍLIA

A recolocação e o reagrupamento familiar refletem os trajetos mais seguros e diretos realizados por nove mulheres e cinco adolescentes com destino à Dinamarca e a Portugal. As modalidades de mobilidade são diversas e categorização da participação no projeto migratório alternam-se entre o envolvimento passivo e a implicação ativa da mulher na construção e consecução do processo de refúgio (Farris, 2010).

Rakia partilhou com o marido a vontade de migrar, mas a guerra na Síria acelerou o processo para o Qatar, país onde o marido estava quando o conflito começou. Os países vizinhos começaram a bloquear a entrada de estrangeiros, sobretudo dos que vinham de zonas de conflito e as restrições, mesmo para quem já residia, começaram a aumentar. O destino Portugal foi definido em 2015, por influência de amigos portugueses, pela facilidade na obtenção de residência.

“Fomos à embaixada pedir um visto e ficámos surpreendidos, porque passado um mês já

o tínhamos e sabíamos que era difícil para os sírios conseguirem vistos para os países europeus”.

165 Conseguiram o visto de turista por um mês, e era esse o período que tinham para se organizarem e viajarem com os dois filhos para Portugal.

“Despedi-me do meu trabalho e em janeiro de 2016 decidimos viajar, era um novo

caminho, uma nova vida, para dar aos nossos filhos uma vida melhor. Na Síria já não era possível”, justifica Rakia. Um mês depois pediram autorização de residência solicitando o

estatuto de refugiado.

Alnaz saiu de Alepo em 2013, com o conflito a intensificar-se na sua cidade não tiveram muito tempo para planificarem o seu projeto migratório, mas assegura que as decisões foram tomadas em conjunto com o marido.

“Saímos da Síria a pé, com os nossos cinco filhos pequenos, andamos dois dias e meio

pela floresta escondidos, até à fronteira com a Turquia. Fomos pelos nossos próprios meios, não falamos com ninguém,” salienta, “foi um trajeto de muito sofrimento, o meu filho mais novo tinha seis anos.”

Refere várias vezes que não se lembra do nome dos locais e das datas porque não sabe ler nem escrever, assegura que conseguiram arranjar casa na Turquia pelos meios próprios. O marido arranjou emprego e viveram em quatro casas diferentes ao longo de quatro anos. Decidiram sair da Turquia por não conseguirem assegurar tratamento médico a um dos filhos que é portador de uma deficiência e por estarem descontentes com a educação dos outros quatro filhos.

“Ouvi dizer que na Europa havia bons médicos e boas escolas então fomos inscrever-nos

para irmos para a UE. Não conhecíamos Portugal, mas fomos escolhidos para vir”.

Explica Alnaz sem saber quem os selecionou. No entanto, o objetivo cumprir-se-ia, vir para a Europa. Foi querendo saber mais e revela que “comecei a ter a ideia de que Portugal

era um bom país, onde ia encontrar paz, onde o meu filho ia ser tratado e onde os meus outros filhos poderiam estudar e ter um bom futuro”. Chegou a Portugal em dezembro de

2017 e seguiu do aeroporto diretamente para a cidade de Castelo Branco, onde residem atualmente.

166 Famira partilha a mesma nacionalidade e um trajeto semelhante. Saiu de Alepo em 2013, “eram duas da manhã, saímos a correr para a rua porque começaram os bombardeamentos,

começaram a cair casas, começou toda a gente a fugir”, um relato de guerra. Decidiram fugir

para a Turquia, onde já tinha familiares. Famira, o marido e os seis filhos que tinham na altura, hoje são oito.

“Fomos para a Turquia de carro através de pessoas que ajudavam os outros a sair, não

eram mafiosos, eram mesmo pessoas que ajudavam as famílias a chegar à Turquia”,

salienta.

Não encontraram obstáculos no percurso e cedo se instalaram numa cidade turca, onde o marido arranjou um trabalho que assegurava as despesas de toda a família, “nunca tivemos

que ir para um campo de refugiados ou partilhar casa, tivemos sempre numa casa só para nós”, adverte Famira. Por razões profissionais do marido mudaram-se três vezes dentro da

Turquia. Mas foi a educação dos filhos que motivou a saída para a Europa.

“Queria que os meus filhos continuassem a estudar e na Turquia não podiam e o ensino

não era tão bom, não tínhamos pensado em nenhum país, mas qualquer um na Europa “,

explica.

Diz terem sido escolhidos por uma organização para virem para Portugal e viajaram diretamente para Lisboa em setembro de 2017.

Biaz saiu do Paquistão com duas crianças, um rapaz e uma rapariga. Viajou para a Turquia e seguiu para Portugal ao abrigo do reagrupamento familiar solicitado pelo marido, beneficiário de proteção subsidiária e residente em Castelo Branco. Não teve qualquer intervenção no processo. O marido deixou o seu país de origem em 2012 e em 2017 informou-a que viria para Portugal, um país do qual nunca tinha ouvido falar a não ser pelo marido, quem definiu o projeto migratório.

Zafira tem uma história semelhante, mas refere as circunstâncias em que o marido viajou. “Não sei porque veio para Portugal, mas sei que veio a pé, de autocarro, de carro, andou

167 Zafira viajou para Portugal com os seus sete filhos, seis raparigas, três das quais participantes no estudo, e um filho. Fatir, Halima e Amira souberam que iriam deixar o seu país com destino a Portugal, dois dias antes da viagem, referindo naturalmente. Ao abrigo do reagrupamento familiar concedido ao marido, viajaram para Portugal em 2016.

Gumar ficou no Paquistão mais quatro anos depois de o marido fugir do país. Não sabia onde estava, soube que o marido estava em Portugal pouco antes de lhe ter dito para ela viajar com os filhos no âmbito do reagrupamento familiar. Não fazia ideia para onde vinha, não questionou. O seu envolvimento no projeto migratório foi passivo e a dependência constatada durante a entrevista, quando pergunta se pode ligar ao marido para responder a questões sobre a sua opinião ou até mesmo sobre a idade. Gumar viajou diretamente para Portugal em fevereiro de 2017 com os quatro filhos do casal. Naria, uma das filhas participante do estudo, tem uma atitude semelhante, justificada por uma experiência de vida envolta em normas socioculturais e religiosas muito restritivas, onde a ascensão do poder masculino é exponenciada (Binder & Tosic, 2005).

Nadia concretizou um sonho que tinha há muitos anos, sair do Irão para um país europeu, onde os direitos das mulheres fossem reconhecidos. Não definiu o destino migratório porque o marido já estava exilado na Dinamarca quando casaram, mas concordou em viajar assim que lhe foi concedido o reagrupamento familiar. Em 2014, tirou o visto na representação dinamarquesa em Teerão e quatro meses depois viajou para a Escandinávia.

Rassia fugiu da guerra da Síria e da violência na cidade de Hama em 2012. Antes de sair já se tinha deslocado internamente com os três filhos, depois do marido ter sido preso. Depois de terem pago pela libertação do marido, fugiu da Síria pela Jordânia até chegar à Arabia Saudita, o trajeto migratório estava definido. Rassia esperou as orientações do marido depois de ter autorização para reunir a família. Apesar da legalidade, enfrentou riscos acrescidos por ser mulher e estar sozinha com três crianças.

“Fui presa na fronteira da Síria com a Jordânia, queriam dinheiro. Vinha de autocarro

com os meus filhos, paramos e uns soldados mandaram-me sair ameaçando que não me deixavam seguir enquanto o meu marido não viesse, porque queriam levá-lo”.

168 Explica Rassia testemunhando a experiência de uma mulher exposta por relações familiares com oponentes do regime, correndo riscos acrescidos de se tornar vítima de extorsão, abuso e violência (Smith, 2013). Os conhecimentos ao longo do trajeto valeram-lhe a libertação.

“Tive umas pessoas conhecidas que me ajudaram, pagaram muito dinheiro a esse soldado

para podermos passar a fronteira, mas até lá passamos muito mal, tivemos mais de nove horas em muito más condições, os soldados eram violentos, diziam coisas horríveis, não tínhamos água, comida, estava com os meus filhos , sozinha…chorei muito não sabia o que iria acontecer”, relata.

Ser mulher, é para Rassia uma categoria inequívoca para uma maior exposição à ameaça, ao abuso e à violência. Depois do pagamento seguiu com os seus filhos de autocarro até à Arábia Saudita.

“Eu estava legal, tinha os documentos, podia viajar, mas como sou de Hama e o meu

marido era perseguido, eu também era”, reitera.

Entrou na Arabia Saudita com autorização prévia para se reunir com o marido e permaneceu até 2016. Dois anos depois do marido pedir refúgio na Dinamarca e lhe ser concedida permissão para o reagrupamento familiar. Rassia viajou com os filhos, uma das quais Jamil, que poucas memórias tem dos trajetos, apenas de viajar da Arábia Saudita para o Dubai e de lá para a Dinamarca.

Apesar da maioria dos testemunhos de percursos feitos ao abrigo do reagrupamento familiar evidenciarem menores riscos, o testemunho de Rassia sublinha os riscos que permanecem ao longo do trajeto, relacionados com os contextos de origem e as especificidades de género.

No que se refere à participação da mulher no projeto migratório, verifica-se uma heterogeneidade quando acompanhadas e precursoras da cadeia ou por reagrupamento familiar. Esta complexidade confirma-se inclusivamente na categoria de mulheres que viajam sozinhas, como testemunhado, apesar da maioria das que lideram os percursos terem um papel ativo, muitas vezes principal no projeto e cadeia migratória, uma das narrativas

169 apresenta a mulher como iniciadora do processo, sem ter sido parte ativa e determinante do próprio projeto e destino migratório.