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AS REPRESENTAÇÕES COLETIVAS SOBRE MIGRANTES NAS SOCIEDADES ACOLHIMENTO SOCIEDADES ACOLHIMENTO

Para além das dimensões funcionais, tornam-se cada vez mais relevantes as categorias que permitem aferir a bidirecionalidade das opiniões, representações e o seu impacto no processo de integração que diverge entre os países da União Europeia.

O modo como a sociedade civil acolhe os migrantes e como o processo é influenciado pela opinião pública, pode ser entendido como um segundo nível, referido por Portes (1999) no conceito de modos de incorporação e mencionado no primeiro capítulo, remetendo para a relevância das representações sociais do Sul e Norte da Europa. A forma como as comunidades recetoras representam os migrantes e refugiados é por um lado, condicionada pelos discursos mediáticos e políticos, abordados no quarto capítulo, e condicionante nas relações, participação e integração dos refugiados.

A partir da teoria da representação coletiva de Durkheim, Moscovici introduziu o conceito de representação social, considerando que não é um produto da sociedade como um todo, mas dos diferentes grupos sociais que a compõem, definindo-o como um sistema de valores, ideias e práticas com uma dupla função. Primeiro, estabelecer uma ordem que permita conceber uma mentalidade social que oriente os indivíduos nos mundos sociais e dominá-los; e, em segundo lugar, permitir que a comunicação ocorra entre os membros de uma comunidade, fornecendo- lhes um código para intercâmbio social e um código para nomear e classificar inequivocamente os vários aspetos de seus mundos e da sua história individual e de grupo, podendo as crenças coletivas impor ao indivíduo (Moscovici, 2001).

Durkheim defende que a realização plena do ser humano depende da sua ligação em sociedade, da harmonia social, da solidariedade mecânica, baseada num único substrato que une as duas consciências do homem, uma que reflete a personalidade e a constitui e outra que representa o tipo coletivo, ‘por consequência, a sociedade sem a qual não existiria’ (Cruz, 2013).

Pretende-se deste modo compreender, por um lado, que ‘laços e símbolos de pertença coletiva nas relações entre pessoas e conjuntos de pessoas foram constituídos’ ao longo de diferentes períodos de tempo, e por outro como se verifica uma integração sistémica por via da ‘interação e da interdependência estrutural’ nos processos de integração (Pires, 2012).

188 A compatibilização entre pertença coletiva, por um lado, e autonomia e singularidade individuais, por outro, refletem um dos principais problemas de integração social nas sociedades modernas. Analisando as diferentes dimensões das meninas e mulheres refugiadas nas vertentes cultural, religiosa, socioeconómica, profissional, educacional, étnica, sob a perspetiva teórica de ‘pessoas’ na sociedade, podemos compreender de que modo prevalece a função primordial do termo indivíduo enquanto ‘uma entidade autónoma no plano normativo, singular no plano valorativo e com autoconsciência da sua autonomia e singularidade no plano cognitivo’, que simultaneamente compõe e caracteriza as sociedades modernas (Pires, 2012).

A integração social não requer nem o consenso nem a ausência do conflito, mas não é compatível com a total ausência de conhecimento comum, nem com todo o tipo e grau de conflitualidade. O processo de integração pressupõe a manutenção de um certo grau de individualidade em consenso ou conflito com as representações coletivas das sociedades de acolhimento e das suas próprias perceções sobre essas representações.

A análise das representações sociais das sociedades portuguesa e dinamarquesa enquanto comunidades de acolhimento, condicionadas e condicionantes dos discursos mediáticos e políticos, demonstra-se essencial para compreender a interação enquanto elemento determinante no processo de integração.

A partir dos dados do European Social Survey (ESS) 732 e do Eurobarómetro de 2017, são analisadas as opiniões públicas das populações recetoras sobre os imigrantes, as suas perceções e atitudes. A diversidade de notícias veiculadas pela comunicação social no auge da vaga migratória de 2015 despertou perspetivas e valores distintos, colocando os recém- chegados como estranhos e diferentes dos europeus (Council of Europe Report, 2017).

Apesar da disseminação de um estereótipo por vezes negativo, os públicos europeus tornaram-se um pouco mais positivos sobre o efeito da migração nas suas sociedades. De acordo com a análise do European Social Survey (2017), em 2002, o balanço de opiniões sobre se o seu país seria um lugar melhor ou pior tendo mais migrantes, foi ligeiramente

32Apesar do European Social Survey 8 já ter sido apresentado parcialmente, os dados sobre Portugal e

189 negativo com treze dos países com uma pontuação média menor que 5 [considerando que a escala é de 0 a 10, sendo 0 pior e 10 melhor]. Portugal destacou-se por ser o país com o valor mais baixo, menos de 4. A Dinamarca por oposição apresentou o melhor resultado a seguir à Suécia com mais de 5 pontos. Apesar de alguns países registarem algumas alterações face a 2014, movendo-se para um território de opiniões mais positivas, Portugal manteve-se entre os três mais negativos, juntamente com a Hungria e a República Checa. A Dinamarca reforçou a opinião positiva mantendo-se como segundo país com opiniões mais positivas (European Social Survey, 2016). Divergindo das narrativas das mulheres entrevistadas, face à sua perceção sobre as representações dos autóctones sobre os refugiados.

Outro nível de análise prende-se com questões relacionadas com a identidade, revelada muitas vezes, em práticas culturais e religiosas distintas. Questionados sobre as atitudes face a diferentes origens de migrantes, foi possível verificar uma hierarquia clara do tipo de migrante preferido, dividido entre o povo judeu, muçulmano e cigano. Os mais preferidos eram pessoas da mesma ‘raça’ ou grupo étnico que a maioria. O povo judeu figurava como muito mais bem-vindo que os muçulmanos, que por sua vez eram melhor aceites que os ciganos. Essa hierarquia de tipos preferidos de migrantes foi encontrada em todos os 21 países, embora países como Israel e Hungria apresentassem maiores distinções entre os diferentes tipos de migrantes, enquanto que países como a Suécia e o Reino Unido fizessem uma menor distinção, colocando Portugal e a Dinamarca em posições semelhantes com a mesma opinião que a maioria dos países, mantendo uma hierarquia de preferências de judeus, seguidos de muçulmanos e por fim de ciganos. Sugerindo mais desafios para a maioria das mulheres refugiadas, oriundas de países muçulmanos.

A preocupação sobre o impacto cultural da migração apresenta-se na direção negativa. Não se revelando nas primeiras rondas do ESS como uma preocupação premente, surge como um tema que vai ganhando relevo. Nos 21 países participantes, o padrão de preocupações face às migrações foi semelhante, revelando uma perceção mais negativa do seu impacto no crime e menos negativa na vida cultural. No entanto, em alguns países o impacto nos empregos foi percebido como superior ao dos serviços, entre os quais Portugal (European Social Survey, 2016).

190 Relativamente à população que acredita que é muito importante que os imigrantes falem o idioma oficial do país e a população que acredita que é muito importante estar comprometida com o modo de vida do país (ESS 2014), Portugal verifica percentagens acima dos 50% em relação à importância do domínio da língua, valorizando menos do que 13 dos 21 países, dando maior relevância ao modo de vida do país com um valor superior a 60%, e abaixo de 15 países da UE28. A Dinamarca surge como um dos países que menos importância dá aos dois temas figurando como o terceiro país em termos de importância do uso do idioma oficial e como segundo face ao modo de vida (European Social Survey, 2014).

Valores que divergem dos programas de integração alicerçados, para além do emprego, do ensino obrigatório da língua e das aulas de cultura dinamarquesa para todos os que têm o seu processo de requerimento de asilo aprovado.

De salientar que as respostas do ESS são apresentadas de modo diferente do Eurobarómetro, este último com diferentes níveis de respostas, não sendo por isso passível fazer uma comparação direta.

De acordo com o Eurobarómetro especial sobre a integração de imigrantes na União Europeia, realizado em 2017, é possível aferir que 59% dos dinamarqueses consideram que as notícias veiculadas sobre os imigrantes são muito negativas, sendo que 73% da população assegura estar bem informada sobre o tema, inversamente a Portugal, onde apenas 23% da população inquirida diz estar devidamente a par da imigração e da sua integração.

Ao analisar as proporções de imigração estimadas pelas populações, é possível verificar que todas apresentam proporções superiores às reais, com maiores discrepâncias em Portugal do que na Dinamarca (Eurobarómetro, 2017). Convergindo com a ideia de ‘invasão’ de refugiados, transferindo muitas vezes a imagem de refugiado heroico, para o requerente de asilo fraudulento (Agier, 2008), associando-se a uma imagem negativa que pode ser promotora de atitudes e perceções que influem nos processos de integração (Freedman, 2007).

A interação da população com os imigrantes é variável, desde o contacto esporádico ao convívio no local de trabalho. Na Dinamarca pelo menos três em cada 10 respondentes interagem diariamente com imigrantes no local de trabalho. Em Portugal, apenas dois e a maior proporção de inquiridos, raramente ou nunca tem qualquer contacto com este grupo (Eurobarómetro, 2017).

191 A maioria dos entrevistados nos dois países vê a imigração igualmente como um problema e uma oportunidade. A proporção de entrevistados que responde a essa pergunta é particularmente alta na Dinamarca (41%). Em Portugal 32% da população encara a imigração como um problema e uma oportunidade, a mesma percentagem considera uma oportunidade e 26% observa como um problema. Um valor pouco mais elevado do que na Dinamarca onde 24% dos inquiridos perceciona a imigração como um problema (Eurobarómetro, 2017).

No que concerne à integração, a grande maioria dos dinamarqueses considera que é importante que os imigrantes se sintam como um membro da sociedade, registando uma das percentagens mais altas entre os países participantes com 69%, enquanto apenas 41% dos portugueses vê neste elemento, um contributo muito importante para a integração dos imigrantes (Eurobarómetro, 2017). No entanto, os sentimentos de pertença revelam níveis e motivos diferentes, de acordo com as meninas e mulheres entrevistadas nos dois países. Não sendo representativa, esta análise permite aprofundar as experiências e perceções das refugiadas e pode indicar pistas relevantes por ser demonstrativa desta subpopulação.

Outro fator evidenciado pela maioria dos entrevistados nos dois países, foi a importância dos imigrantes se comprometerem com o modo de vida do país, aceitando os valores e as normas da sociedade de acolhimento, assim como a partilha de tradições culturais do país recetor. O domínio da língua mostrou-se mais relevante para a população dinamarquesa nos resultados do Eurobarómetro (2017), apresentado em escalas de valor, assim como a contribuição através de impostos e a aquisição de cidadania (ver gráfico 11).

A opinião pública da sociedade de acolhimento, assim como as suas representações sobre os migrantes e refugiados, bem como os fatores que consideram relevantes para uma integração social bem-sucedida, são condicionantes dos processos de integração das mulheres e meninas refugiadas, colocando questões de identidade, de valores, de negociação de normas sociais e culturais com consequências nas relações de género e nas relações intergeracionais.