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Requerentes de asilo na Dinamarca

2.3. R ESPOSTA LEGISLATIVA À ‘ CRISE DOS REFUGIADOS ’

Perante este quadro legal e jurídico e sob o escrutínio da União Europeia, do ACNUR, de várias organizações internacionais, mas também das sociedades de acolhimento, os países adotaram instrumentos, introduziram exceções e aplicaram novos procedimentos em resposta ao maior número de refugiados a chegar à Europa, depois da Segunda Guerra Mundial.

Portugal foi um dos países da União Europeia que assinou todos os acordos previamente referidos. Aprovou em 2008, novas diretrizes respeitantes à entrada de requerentes de asilo, reforçando a proteção dos requerentes de asilo considerados mais vulneráveis – os menores e menores não-acompanhados –, para além de aplicar o princípio de non-refoulement. Foi introduzida uma nova figura jurídica distinta de refugiados: os refugiados reinstalados,

49 referindo-se aqueles refugiados que são transferidos do seu país de asilo (onde já possuem esse estatuto legitimado) para um país terceiro (neste caso, Portugal), tendo-se previamente acordado acolhê-los e conceder-lhes um estatuto formal, com residência permanente e faculdade de aquisição de nacionalidade. Em 2015, em resposta ao crescimento dos fluxos de refugiados, o Governo Português criou um Grupo de Trabalho (GT) para a Agenda Europeia da Migração (despacho nº10041- A/2015) para assegurar o mapeamento dos recursos, por forma a instalar e integrar refugiados e outros requerentes de proteção internacional (2018). Desse GT fazem parte: o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) responsável pela coordenação; a Direção Geral dos Assuntos Europeus; o Instituto de Segurança Social; o Instituto de Emprego e Formação Profissional; a Direção Geral de Saúde; a Direção Geral da Educação e o Alto Comissariado para as Migrações, I.P.

Reforçando o tema das migrações na agenda política nacional, o Governo Português aprovou em 2015, o Plano Estratégico para as Migrações7 (2015-2020) assente em 5 eixos políticos prioritários. i) Políticas de integração de imigrantes, orientadas para ‘a capacitação e combate à discriminação dos imigrantes e grupos étnicos na sociedade portuguesa, tendo em vista uma melhor mobilização do seu talento e competências, a valorização da diversidade cultural, o reforço da mobilidade social, da descentralização das políticas de integração e uma melhor articulação com a política de emprego e o acesso a uma cidadania comum’. ii) Políticas de promoção da inclusão dos novos portugueses, reforçando ‘medidas de promoção da integração e inclusão dos novos portugueses, nomeadamente dos descendentes de imigrantes e de todos aqueles que, entretanto, acederam à nacionalidade portuguesa, através de ações nos domínios da educação, formação profissional, transição para o mercado de trabalho, participação cívica e política, inclusão digital, empreendedorismo e capacitação’. iii) Políticas de coordenação dos fluxos migratórios, dirigidas ‘à valorização e promoção internacional de Portugal enquanto destino de migrações, através de ações nacionais e internacionais de identificação, captação e fixação de migrantes, contribuindo para uma gestão mais adequada e inteligente dos fluxos migratórios e para o reforço da atração e

7 Plano Estratégico para as Migrações 2015-2020 ACM. Presidência do Conselho de Ministros.

Resolução do Conselho de Ministros n.º 12-B/2015, 20 de março de 2015 Disponível em. https://www.acm.gov.pt/documents/10181/222357/PEM_net.pdf/3a515909-7e66-41e8-8179-

50 circulação de talento e capital humano’. iv) Políticas de reforço da legalidade migratória e da qualidade dos serviços migratórios. v) Políticas de incentivo, acompanhamento e apoio ao regresso dos cidadãos nacionais emigrantes. A adoção e implementação destas políticas visam atingir quatro objetivos fundamentais:

1.Equilibrar o saldo migratório, através da reentrada de pessoas que haviam saído; 2. Facilitar o processo de reintegração, pois ainda que eventualmente necessária, é certamente mais fácil a integração de um cidadão português que a de alguém que não possui com Portugal quaisquer laços; 3. Enriquecer o país através da captação de emigrantes cuja valorização académica e profissional no estrangeiro constitua uma mais-valia para os próprios e para o país; 4. Criar incentivos e condições para o regresso de cidadãos emigrados (Governo de Portugal, 2015).

O relatório de avaliação intercalar do Plano Estratégico para as Migrações (PEM) realizado entre 2015 e 2016 referiu que 80% dos inquiridos revelou relutância, desconhecimento ou dúvidas sobre a eficácia do processo de implementação do PEM, salientando a importância da análise das práticas face às políticas por vezes promissoras, mas com baixo nível de impacto na melhoria de vida dos migrantes.

No mesmo ano de 2015, a Comissão Europeia estabeleceu um sistema de quotas no âmbito da Agenda Migratória Europeia, reinstalando e recolocando refugiados nos países da União Europeia, nomeadamente Dinamarca e Portugal, como resposta suplementar ao aumento expressivo do número de refugiados que procuravam a Europa como território de proteção. Portugal recebeu uma quota de 3,52% e a Dinamarca 1,73% (EC, 2015).

Em sequência do aumento acentuado de pedidos de asilo, a Dinamarca definiu um conjunto de exigências que não fazem parte da Convenção das Nações Unidas sobre Refugiados, tendo sido alvo de críticas por parte da ACNUR, com considerações específicas que resultaram num conjunto de recomendações àquele Estado Membro do Norte da Europa, nomeadamente por “introduzir uma proposta legislativa explicitamente destinada a restringir o regime nacional de asilo neste momento, quando a necessidade de exercer solidariedade internacional e partilha de encargos é maior do que nunca” (UNHCR, Observations on the proposed amendments to the Danish Aliens Ac., 20178).

8UNHCR Observations on the proposed amendments to the Danish Aliens legislation, L 87:

51 Em janeiro de 2016, o Parlamento Dinamarquês aprovou 11 das 34 medidas apresentadas pelo Governo de coligação, que colocaram mais obstáculos aos requerentes de asilo a entrarem e a viverem na Dinamarca.

Os refugiados recebiam autorizações de residência renováveis de cinco anos, mas sob a nova proposta legislativa, a residência foi reduzida para três anos. Foram ainda propostas mudanças nos procedimentos de seleção, acrescentando a exigência de que a seleção de refugiados seja baseada no potencial de integração dos mesmos (Global Legal Research Center, 2016).

Aqueles que receberam o Estatuto de proteção subsidiária têm agora que esperar três anos para serem elegíveis para o reagrupamento familiar (a Dinamarca não foi a única a introduzir períodos de espera para o reagrupamento familiar). As autoridades dinamarquesas foram autorizadas a confiscar bens de refugiados se o valor excedesse os 1200€, com exceção de itens de “valor sentimental”, como anéis de casamento. O Ministério da Imigração e da Integração justificou a medida alegando que a ajuda do Estado era destinada a pessoas sem capacidade financeira e que esse princípio também se aplicava a requerentes de asilo. A Dinamarca decidiu ainda recusar reinstalar os 500 refugiados estabelecidos pelo ACNUR (Global Legal Research Center, 2016).

Desde 2015 que as mudanças legislativas na Dinamarca têm refletido uma orientação para o retorno e repatriamento dos refugiados ao invés da integração. Os períodos de autorização de residência foram reduzidos de 5-7 anos para 1-2 anos. Foi criado um estatuto especial de curto prazo para certos refugiados, permitindo revogá-lo aos primeiros indícios de melhoria nos países de origem, retirando autorizações a cerca de 900 Somalis que viviam na Dinamarca há 4-5 anos. Só após 8 anos de residência é que poderá ser pedida a autorização de residência permanente, mas o risco de expulsão antes dos 8 anos é elevado e a probabilidade de cumprir todos os critérios exigidos para a concessão da residência permanente é cada vez mais baixo (Bendixen, 2019).

Em agosto de 2018 o Parlamento Dinamarquês aprovou uma lei que proíbe o uso de véus que cubram todo o rosto em espaços públicos, com multas que poderão ir dos 135 € aos 1350€, dependendo da reincidência (Kern, 2018).

Uma lei que afeta em particular meninas e mulheres refugiadas, mobilizou organizações internacionais a favor da liberdade de escolha e suscitou polémica no espaço público e privado. Através de vários contactos no terreno, dias após a aprovação da lei, foi possível constatar que muitas das mulheres, apesar de não envergarem nenhum dos véus que cobria todo o rosto, eram a favor da liberdade de escolha. Não obstante, outras mulheres em refúgio,

52 também muçulmanas, mostravam-se favoráveis à lei da proibição, argumentando que nenhuma mulher usava burka por verdadeira vontade e convicção e que o uso de véus que cobrissem o rosto não só não correspondia à cultura dinamarquesa, o que as agradava, como poderia coagir outras mulheres a usá-lo.