• Nenhum resultado encontrado

A S PRÁTICAS DE ACOLHIMENTO E INTEGRAÇÃO NA MIRA DOS DIREITOS HUMANOS

Requerentes de asilo na Dinamarca

PAÍS INSTITUIÇÃO FUNÇÃO DO ENTREVISTADO

4. CAPÍTULO | AS INSTITUIÇÕES, AS POLÍTICAS E AS PRÁTICAS

4.2. A S PRÁTICAS DE ACOLHIMENTO E INTEGRAÇÃO NA MIRA DOS DIREITOS HUMANOS

Uma análise preliminar do impacto dos instrumentos legais e jurídicos e do cumprimento dos mecanismos que agilizam procedimentos de pedidos de asilo e que potenciam a integração remetem-nos para um olhar atento sobre os Direitos Humanos.

As diferentes respostas à vaga de refugiados alicerçadas em revisões legais e jurídicas

têm sido consideradas, por muitos, um retrocesso em relação aos direitos humanos, com especial enfoque nos refugiados e imigrantes.

Caso Português

Relativamente a Portugal, o relatório sobre os Direitos Humanos da Amnistia Internacional 2018, salienta que foram transferidos 1.518 requerentes de asilo da Grécia e da Itália, deixando mais de 1.400 lugares para preencher, de acordo com o compromisso legal que havia assumido no âmbito do Programa de Recolocação da UE. No entanto, as autoridades informaram que, dos que foram recolocados, mais de 720 pessoas deixaram o país até o final do ano.

De acordo com o relatório de país do Asylum Information Database (AIDA, 2019), o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa anulou as decisões de transferência com base na sua interpretação da lei20, definindo que o SEF deve informar o requerente e dar-lhe a oportunidade de responder não apenas pelas declarações fornecidas durante a entrevista de Dublin, mas também no âmbito de um relatório contendo as informações subjacentes à decisão de transferência.

No mesmo ano, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAFS) anulou uma decisão de transferência para a Hungria com base nas informações disponíveis sobre o funcionamento do sistema de asilo húngaro que revelavam a existência de razões válidas para acreditar que

86 havia falhas sistémicas no procedimento de asilo e condições de acolhimento caracterizadas por um tratamento desumano ou degradante (nomeadamente devido à detenção sistemática e a atos de violência contra requerentes de asilo no país).

A sobrelotação do Centro de Acolhimento de Refugiados ao longo de 2018 e o atraso na transição para alojamento privado, foi salientado no relatório da AIDA. Relativamente ao acesso à educação, o governo introduziu o estatuto de “estudante em situação de emergência por razões humanitárias” para o ensino superior que pode ser reivindicado por qualquer estudante não português/da UE proveniente de um país afetado por conflitos armados, desastres naturais, violência generalizada ou violações de direitos humanos que exijam uma resposta humanitária. Os estudantes com estatuto de “situação de emergência por razões humanitárias” têm direito a procedimentos alternativos para avaliar as condições de entrada na ausência de documentação como diplomas, igualdade de tratamento para estudantes portugueses em relação a propinas e outras taxas e acesso total à assistência social disponível para estudantes de ensino superior.

A Provedoria de Justiça, no seu relatório sobre o Tratamento dos cidadãos estrangeiros em situação irregular ou requerentes de asilo nos centros de instalação temporária ou espaços equiparados (2017), salientou a situação de particular vulnerabilidade dos cidadãos estrangeiros do género feminino instalados nos locais de detenção. No Centro de Instalação Temporária (CIT) de Faro e de Lisboa, as pessoas do género feminino e do género masculino partilham as instalações, embora em quartos múltiplos separados, mas que estão situados na mesma ala e corredor21. O relatório salienta a necessidade de em instalações mistas, pessoas de géneros diferentes estarem separadas, a menos que pertençam à mesma família ou que estejam garantidas medidas que afastem totalmente o risco para a segurança das pessoas do género feminino em relação a violência e a exploração sexual (Provedor de Justiça, 2017).

De acordo com o Global Detention Project (2019), Portugal procurou ativamente incentivar o reassentamento de refugiados, inclusive desde 2015, ano de maior fluxo de refugiados. Enquanto muitos outros estados da UE, como Hungria, Eslováquia e Eslovénia, tentaram notoriamente fechar as suas fronteiras e a Dinamarca limitou as quotas de

21Cf. Standards do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura, CPT/Inf/E (2002) 1―Rev. 2015,

87 refugiados, Portugal anunciou que deveria aceitar 10.000 refugiados, triplicando a sua quota na UE. Neste relatório é destacado o discurso político anti xenófobo, enaltecendo a entrada de refugiados como uma oportunidade económica e social e o acolhimento de migrantes e requerentes de asilo resgatados por equipas humanitárias no mediterrâneo e recusados por Malta e Itália.

Apesar de Portugal se manifestar disponível para receber um maior número de refugiados, contrariando a tendência de muitos países da UE, não apenas não recebeu os números que procurava atrair, como muitos dos recolocados e reinstalados já abandonaram o país, de acordo com o relatório “devido à falta de oportunidades e à má gestão e prestação de apoio estatal”. Embora as autoridades portuguesas salientem as políticas e mecanismos recetivos ao acolhimento e integração de refugiados, o país implementou simultaneamente medidas rigorosas de controle da imigração, que resultaram na detenção sistemática de requerentes de asilo que faziam os seus pedidos nas fronteiras do país, questão que foi sinalizada em 2019 pelo ACNUR aquando da submissão da Revisão Periódica Universal para Portugal (Global Detention Project, 2019).

Estas medidas também se refletiram no número de crianças (acompanhadas e não acompanhadas) detidas, referindo-se uma maior frequência desde 2017. Em 2015 o SEF informou a detenção de duas crianças acompanhadas (não havendo referencia aos motivos da detenção), em 2017 subiu para 17 não acompanhadas e detidas na fronteira por períodos que variam dos quatro aos 50 dias, mais 40 famílias com crianças. Em 2018, 75 crianças em busca de asilo foram detidas, de acordo com o relatório do Global Detention Project (2019).

Finalmente uma nota para os centros de detenção de aeroportos cujas condições foram criticadas como inadequadas para detenções de "longo prazo". Observadores também referiram que não estão adequadamente equipados para confinar crianças e famílias (Global Detention Project, 2019).

No relatório sobre Portugal destacam-se algumas recomendações nomeadamente em relação à ausência de uma definição do risco de fuga na lei portuguesa, aumentando as consequências da amplitude de interpretações geradas. Refere o aumento de detenção de crianças e o facto de a lei portuguesa não proibir a detenção de crianças, sugerindo ainda que

88 raramente são consideradas “alternativas à detenção” aos requerentes de asilo (Global Detention Project, 2019).

Dos dois países, Portugal é o único que é referido no âmbito da violência contra as mulheres e meninas em geral, revelando a morte de 22 mulheres e a tentativa de assassinato de 23 e citando os planos do governo de isentar vítimas de violência sexual, assédio sexual, violação, mutilação genital feminina, escravatura e tráfico de seres humanos de pagamento de custas judiciais (Amnistia Internacional, 2018).

De acordo com a European Women’s Lobby (2016), ‘a violência contra mulheres e meninas é a violação mais generalizada dos direitos humanos das mulheres na Europa.’ Argumentando que ‘uma em cada três mulheres com 15 anos ou mais sofreu violência física e / ou sexual; mulheres e raparigas que fogem de conflitos e viajam para a Europa estão mais expostas a vários tipos de violência e agressão’.

Caso Dinamarquês

De acordo com o relatório anual do Instituto Dinamarquês para os Direitos Humanos (2016), a Dinamarca mantém os direitos humanos numa posição forte, mas os direitos dos imigrantes e refugiados estão sob pressão tanto na Dinamarca como no resto da Europa, com vários líderes políticos, incluindo o Primeiro-Ministro dinamarquês, a sugerirem uma renegociação das convenções internacionais de direitos humanos ou um abandono das mesmas.

No entanto, assegurar o reconhecimento dos direitos a todos os cidadãos é a prerrogativa para que os Direitos Humanos sejam de facto garantidos.

As medidas aprovadas pelo Parlamento dinamarquês que se traduzem em restrições às leis de asilo e migração, bem como a suspensão do acordo com o ACNUR para a reinstalação de refugiados, são sublinhadas no relatório da Amnistia Internacional sobre os Direitos Humanos.

‘Em janeiro, o Parlamento alterou a Lei dos Estrangeiros, restringindo o direito ao

reagrupamento familiar. Indivíduos que receberam status de proteção subsidiária tiveram que esperar por três anos antes de se candidatarem ao reagrupamento familiar. Em outubro, quatro sírios que receberam proteção iniciaram uma ação legal contra o

89

governo, alegando que as emendas violavam o seu direito à vida familiar’ (Amnistia Internacional, 2018).

No mesmo relatório, refere-se que o Comité de Direitos Humanos da ONU criticou as medidas do executivo dinamarquês relativamente à nova lei que permite confiscar os bens dos requerentes de asilo, as restrições adicionais ao seu regime de “tolerância de permanência”, que se aplicava a indivíduos excluídos de proteção por terem cometido um crime na Dinamarca ou terem cometido crimes de guerra ou crimes não-políticos em outro lugar. É ainda referida a decisão do governo de adiar a implementação do acordo com o ACNUR para receber 500 refugiados anualmente, tornando-se no único membro da ONU a recusar esta quota, apesar de ter sido o primeiro país a assinar a Convenção de Genebra. Durante o período 2015-2018, o país adotou quase 70 emendas legais que reforçam as leis de imigração (Amnistia Internacional, 2018).

Em 2017, após esta controversa resolução internacional aprovada pela Dinamarca, o Parlamento aprovou um sistema de quotas mais flexível, que indicam a aceitação de refugiados com esse enquadramento, num limite de 500 por ano, sinalizando um reforço do reassentamento (Danish Institute for Human Rights, 2018).

Constata-se, ainda, que houve mais indivíduos a receber proteção subsidiária, por oposição aos que receberam status de refugiado completo, sendo que a proteção subsidiária concedia menos direitos, inclusive no que diz respeito ao reagrupamento familiar (Amnistia Internacional, 2018).

O mais recente relatório sobre direitos humanos, relativo a 2017-2018, do Instituto Dinamarquês para os Direitos Humanos, salienta retrocessos na consecução de residência permanente e subsequentemente na concretização de reagrupamento familiar e de obtenção de cidadania, por via de mecanismos mais restritivos. O período de três anos de espera que os refugiados ou beneficiários de proteção temporária têm que cumprir para poderem solicitar o reagrupamento familiar, foi alvo de recomendações por parte do Comitê dos Direitos da Criança da ONU, no sentido de abolir a regra dos três anos.

Uma nota preocupante refere o aumento significativo das tentativas de suicídio (cerca de 40% face a 2015) nos centros de asilo dinamarqueses. Em 2016 foram registados três

90 suicídios, 120 tentativas, 29 dos quais com menores e crianças (Ministry of Immigration and Integration, 2017).

Entre os requerentes de asilo e os refugiados, as crianças e os adolescentes são os grupos mais vulneráveis a doenças do foro psiquiátrico, com maior propensão para sofreram de distúrbios mentais, elevados níveis de ansiedade e maior tendência a depressões, segundo análise a dezenas de estudos feitos em vários países Europeus, incluindo Portugal e Dinamarca (Kien et al, 2019).

No entanto, alguns progressos foram identificados, nomeadamente o estabelecimento de órgãos no setor social para um monitoramento profissional do alojamento de menores não acompanhados no sistema de asilo; e a transferência de algumas tarefas do Ministério da Imigração e Integração para o Conselho de Apelações para Refugiados e para o Conselho de Apelações de Imigração, resultando numa melhoria dos procedimentos dos recursos interpostos.

Em 2017, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU recomendou que a Dinamarca garantisse a todas as crianças e mulheres grávidas não registadas o acesso total aos serviços de saúde. Uma recomendação feita anteriormente pelo Instituto Dinamarquês de Direitos Humanos sugerindo alterações legislativas. Finalmente, e após determinação do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre a necessidade de conceder residência humanitária a estrangeiros gravemente doentes que não tinham acesso a medicamentos vitais no seu país de origem as autoridades dinamarquesas estão a rever e a alterar essa prática.

Em 2018, o asilo foi novamente mencionado pela Amnistia internacional referindo que o Supremo Tribunal definiu um regime obrigatório de pernoita e relatórios duas vezes por dia, em centros para indivíduos em “estadia tolerada”, que estão excluídos de proteção e não podem ser deportados, constituindo uma medida desproporcional. É ainda mencionada a supressão de direitos a cuidados de saúde e subsídio alimentar caso uma pessoa deixe o centro de asilo para morar com a sua família.

A Amnistia Internacional destaca a conclusão do Provedor de Justiça Parlamentar sobre a política do governo de separar casais em busca de asilo quando um parceiro tinha menos de 18 anos de idade, como uma violação da Lei Dinamarquesa de Administração Pública e possivelmente uma violação do direito à vida familiar. A política não previa um processo para

91 determinar se a separação era do interesse do cônjuge mais jovem e não considerava sua opinião.

As alterações introduzidas pelas autoridades dinamarquesas em 2018 também constam no relatório da Human Rights Watch destacando “a aplicação dos ‘valores dinamarqueses’, designando certas áreas como "guetos", com base no elevado número de residentes de minorias étnicas ou origem imigrante e de baixo rendimento. As crianças nessas áreas estariam sujeitas a creches obrigatórias em nome da integração. Em agosto, a proibição de usar véus que cobrissem o rosto em público entrou em vigor.”

No âmbito da violência contra as mulheres, o relatório refere a rejeição do parlamento à proposta da oposição de introduzir uma definição de violação baseada em consentimento, em conformidade com a Convenção do Conselho da Europa para Prevenir e Combater a Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul) ratificada pela Dinamarca em 2014. Em novembro, o Grupo de Peritos do Conselho da Europa em Ação contra a Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (GREVIO) incentivou as autoridades dinamarquesas a mudar a atual legislação sobre violência sexual e basear-se na noção de consentimento livre, conforme exigido pela Convenção de Istambul (Amnistia Internacional, 2018).

De acordo com o relatório da Global Detention Project (2019), as maiores preocupações assentam na persecução de uma agenda migratória altamente restritiva e na subsequente queda na concessão de estatuto de refugiado de primeira instância, entre 2015 e 2017, apesar da simultânea redução significativa dos pedidos apresentados.

Segundo este relatório, desde novembro de 2015, o Ministro da Imigração está autorizado a declarar “circunstâncias especiais”, suspendendo temporariamente salvaguardas, incluindo audiências oportunas nos tribunais, e restringindo o objetivo da revisão da detenção. Finalmente refere-se o acesso limitado ou inexistente de dados estatísticos sobre a detenção de imigrantes na Dinamarca e os procedimentos considerados inadequados pelos observadores, para identificação de vítimas de tortura e que correm o risco de serem colocados em detenção de imigração (Global Detention Project, 2019).

92