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CAPÍTULO I – DISPOSITIVOS DA ANÁLISE DO DISCURSO

1.4 Maingueneau e sua abordagem sobre gênero do discurso

Tendo como base a abordagem de Bakhtin, Maingueneau (2006, p. 234) enca- minha suas reflexões sobre gêneros dizendo que são considerados dispositivos

de comunicação sócio-historicamente condicionados, que estão sempre mu-

dando e aos quais podem ser facilmente aplicadas metáforas como contrato,

ritual e jogo. E quando se fala em jogo e contrato, não se pode desvinculá-los das cenas enunciativas e do ethos discursivo, conceitos que integram as práti- cas da AD.

A AD e as correntes pragmáticas colocaram a categoria de gênero no centro de suas preocupações, sugerindo que se remetam as obras, não apenas a temas e a mentalidades, mas também ao surgimento de modalidades específicas de comunicação. Pode-se entender que a obra não se limita a representar um real exterior a ela, mas define igualmente um quadro de atividade que é parte inte- grante do universo de sentido que ela simultaneamente pressupõe e tenciona impor que

um livro não pertence mais a um gênero; todo livro diz respeito somente à literatura, como se esta detivesse de antemão, em sua generalidade, os segredos e as fórmulas, únicas instâncias que permitem conferir a realidade de livro àquilo que se escreve (BLANCHOR, apud MAINGUENEAU, 2006, p. 230).

Tal proposta mostra-se elementar no que diz respeito à doxa, mostrando que o gênero é questão de embalagem, um elemento periférico e que a verdadeira obra, tal como Deus, excede toda a determinação. Porém, em contrapartida, Maingueneau (2006, p. 230) relata que o gênero não é exterior à obra, mas, ao invés disso, é uma de suas condições. Historicamente, o autor diz que o gêne- ro também se manifesta em circunstâncias apropriadas e com protagonistas qualificados.

Em condições adversas, nos estudos literários em que os parâmetros empre- gados habitualmente para definição de gênero são bastantes heterogêneos, românticos envolvidos com a situação, defenderam a ideia de que haveria gêneros supremos (o lírico, o épico, e o dramático), que se especificariam por si próprios de maneira arborescente em subgêneros. O épico seria analisado em epopeia, romance, conto; o romance, em romance de aventuras, de amor, e assim sucessivamente.

Na França, os trabalhos desenvolvidos por Genette, e mais tarde os de Schaeffer, fizeram esse notável esclarecimento mediante a cuidadosa separa- ção entre os gêneros, que são historicamente definidos, e os modos ou regi-

mes enunciativos. Sendo que os modos definem-se com o auxílio de critérios

sócio-históricos e os regimes enunciativos atravessam as épocas e as culturas. O que Genette resume da seguinte forma:

Não existem arquigêneros que escapem totalmente à historicidade ao mesmo tempo que conservam uma definição genérica. Existem modos, como a narrativa; e gêneros, como o romance (GENETTE, apud MAINGUENEAU, 2006, p. 232).

Devido à complexidade da aplicabilidade do termo gênero, Maingueneau (2006, p. 233), esclarece que os analistas do discurso concordam em pensar que a noção de gênero tem um papel central em sua disciplina (AD), porque esta não apreende os lugares independentemente das palavras que eles auto- rizam (contra a redução sociológica), nem as palavras independentemente dos lugares de que são parte integrante (contra a redução linguística).

Entretanto, eles podem distinguir as tipologias de gêneros que vêm dos usuá- rios das que são elaboradas pelos pesquisadores. Distinção essa, de específi- ca importância para o discurso literário, em que os envolvidos, recorrem a divisões em gêneros que, mesmo não sendo rigorosas, formatam de maneira profunda as práticas de criação, de leitura e de arquivamento.

No conjunto das proposições de Maingueneau (2006, p. 234), a categoria de gênero do discurso, como relacionada anteriormente, é definida a partir de critérios situacionais, designando dispositivos de comunicação socio-historica- mente definidos e concebidos habitualmente com a ajuda das metáforas do

contrato, do ritual ou do jogo. Falamos, assim, de gêneros do discurso para

referir-nos a um jornal diário, a um programa de televisão, uma dissertação etc. Assim, os gêneros evoluem sem cessar, junto com a sociedade.

Retomando os termos da tão conhecida fórmula de Bakhtin, Maingueneau (2006, p. 234) relata que a comunicação verbal supõe de fato a existência de gêneros do discurso. De acordo com o autor, aprendemos a estruturar nossos discursos em forma de gênero e, quando ouvimos o discurso do outro, já ima- ginamos o seu gênero a partir das primeiras palavras e encaminhamos toda uma composição até o fim. A propósito, a comunicação humana seria impossí- vel se não houvesse os gêneros do discurso e nós não os dominássemos e tivéssemos que criá-los pela primeira vez, no meio do processo discursivo.

Mediante essas complexidades com relação aos gêneros, várias propostas de modelos foram criadas por Maingueneau e que mobilizam certo número de parâmetros para os gêneros como: uma finalidade; estatutos para os par- ceiros; circunstâncias adequadas; um modo de inscrição na temporalida- de; a periodicidade; a duração; a continuidade; o tempo de validade; um suporte; um plano textual; certo uso da língua. Todavia, é bom que se leve em conta que há tipos de discurso nos quais alguns gêneros não impõem

anteriormente um dado uso linguístico: isso é, em princípio, o caso da literatura contemporânea (MAINGUENEAU, 2006, p. 237).

Diante da proposta apresentada pelo autor, esclarecemos que conforme o

corpus selecionado para estudo, pode-se chegar a concepções variadas entre

si. Fato esse ocorrido com o corpus da nossa análise, tamanha a sua diver- sidade quanto aos gêneros. Sendo assim, destacamos o item certo uso da língua, por considerá-lo de maior relevância para a nossa pesquisa, visto que faz uma abordagem ampla sobre as mais divergentes situações de comu- nicação em seus inúmeros discursos. Nesse modelo, todo locutor se acha di- ante de repertório bem vasto de variedades geográficas como: (linguagem po-

pular, dialetos, variedades sociais, variedades profissionais etc). A cada um

desses gêneros discursivos, associam-se opções desse tipo que desempe- nham papel de norma.

Para maiores esclarecimentos, na Antiguidade, a reflexão sobre gênero tinha caráter heterogêneo, alimentando-se de duas tradições que, além disso, reivin- dicavam a mesma filiação aristotélica: a da poética e a da retórica. No declínio da retórica, os gêneros e os subgêneros da literatura passam ao primeiro plano. Com isso, a AD usa uma categoria que, no decorrer de uma história bastante longa, foi ficando saturada de sentidos. Mas, por outro lado, a literatura vê-se hoje analisada através de uma categoria cujo nome lhe é familiar, mas que não é verdadeiramente a sua como se fazia crer.

A avaliação do estatuto dos gêneros no discurso literário, conforme Maingue- neau (2006, p. 238.) requer, desde o início, uma distinção entre dois grandes regimes de genericidade: são os gêneros conversacionais e os gêneros instituí-

dos. Esses dois regimes obedecem a lógicas distintas, ainda que existam práti- cas verbais situadas nas fronteiras entre eles.

Não há uma relação estreita entre os gêneros conversacionais com lugares institucionais. Em geral, os gêneros têm suas composições e temáticas bas- tante instáveis e seu quadro transforma-se incessantemente, chamados de coerções locais e horizontais, isto é, estratégias de ajuste e de negociação entre os interlocutores. Em contrapartida, os gêneros instituídos reúnem aque- les que poderíamos chamar de gêneros rotineiros e gêneros autorais.

Os gêneros autorais são os geridos pelo próprio autor e, às vezes, por um editor. Seu caráter autoral é manifestado por meio de indicação paratextual no título ou subtítulo: meditação, ensaio, dissertação, aforismo, tratado, etc. Main- gueneau (2006. p. 238) ressalta que esses gêneros se acham particularmente presentes em certos tipos de discurso: o literário, sem dúvida, mas também o filosófico, o religioso, o político, o jornalístico, entre outros.

Com relação aos gêneros rotineiros, os preferidos dos analistas do discurso por serem os que melhor correspondem à definição de gênero do discurso como dispositivo de comunicação entendido sócio-historicamente (as revistas, a lábia do camelô, a entrevista radiofônica, a dissertação literária, o debate televisivo, a consulta médica e o jornal diário), propõe Maingueneau (2006, p. 239) que, no caso desses gêneros, não é fundamental saber quem os inventou, onde e quando. Tendo em vista que a fonte não tem tanta importância para os usuários e sim a verdade que eles veiculam. O interesse desses gêneros para analistas do discurso é fundamental, deixando aos especialistas em Literatura, Filosofia, Religião, os gêneros autorais.

Porém, não há, conforme Maingueneau (2006, p. 240), nenhuma razão teórica de peso para que a análise do discurso não apreenda uma parcela da produ- ção verbal e para que os especialistas em literatura não remetam a generi- cidade dos textos que estudam ao do conjunto das produções verbais. Em vez de aceitar tal divisão, considera-se mais produtivo os gêneros instituídos em toda a sua diversidade. E é dessa forma que nos propomos a distinguir quatro

tipos de genericidade instituída, cada qual na sua especificidade, a partir da relação que se estabelece entre os que chamamos de cena genérica e ceno-

grafia.

Entendemos, dessa forma, que não devemos rotular os gêneros e deixar todos com uma única forma. Isso porque um rótulo pode remeter mais às proprie- dades formais de um texto, à sua interpretação ou a uma combinação das duas. Não se pode rotular os textos e colocá-los em situação estanque. É pre- ciso observar a situação de dominância. Essa rotulação única só se faz de fato presente se houver uma disparidade manifestada entre o rótulo reivindicado e a realidade comunicacional do texto.

Assim, consideramos necessário para o estudo do gênero em nossa pesquisa, reconhecer o percurso histórico e suas inferências no contexto linguístico, bem como sua aplicabilidade, principalmente por termos entre os recortes seleciona- dos um sermão religioso e uma meditação, instituídos dentro de um discurso literário. Isso porque sabemos da tendência da AD por corpora que permitam articular facilmente fenômenos linguageiros e sociais, acentuando que isso não ocorre com o discurso religioso, tendo em vista que as relações entre textos doutrinais e o mundo vivido é indireta.

Para tal, ao selecionarmos nossos recortes enquanto gêneros, estabelecemos com eles uma linha de flexibilidade discursiva e os situamos entre os gêneros conversacionais por estarmos tratando de diálogos, monólogos, sermão e exor- tação. Entretanto, não podemos distanciá-los dos gêneros instituídos, visto que, tais amostras foram selecionadas no interior de um discurso literário, lem- brando que os gêneros instituídos reúnem aqueles que podem ser denomi- nados de gêneros autorais. E mesmo que existam práticas verbais situadas nas fronteiras entre eles, ainda assim, obedecem a lógicas distintas.

Maingueneau (2010, p.126) acrescenta que isso não mais acontece, se o inte- resse se desloca para as práticas discursivas especificamente da vida religiosa em toda a sua diversidade. Na verdade, o gênero deriva do funcionamento da instituição eclesiástica e das condições de comunicação social em um mo-

mento determinado, enquanto o trabalho de posicionamento deriva de uma lógica do campo discursivo. As duas abordagens se cruzam, o dispositivo de comunicação restringe o dizível, enquanto o enunciado deve legitimar seu próprio espaço por meio de suas elaborações. O enquadramento interpretativo

puro só se faz de fato presente se houver uma disparidade manifesta entre o rótulo reivindicado e a realidade comunicacional do texto (MAINGUENEAU,

2006, p. 246).