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CAPÍTULO 3 TAXIANDO EM RECIFE: ROTINA, RISCOS E

3.5 ESTRATÉGIAS DE PRECAUÇÃO

3.5.1 Mapeamento de riscos

Um dos elementos de vulnerabilidade dos taxistas é a circulação por locais da cidade com menor vigilância e configuração espacial propícia à realização de crimes, já que estas condições aumentam o risco de serem vitimizados por crimes economicamente motivados (BEATO, PEIXOTO &ANDRADE, 2004)

Gilberto: Tô entendendo. Então, tu considera uma profissão arriscada, a profissão de taxista?

Marcelo:Todas ela é, né? E da gente que é, que é arriscada mesmo, que a gente entra dentro de uma favela onde carro de polícia nenhum num entra. Entendeu?

Gilberto: Anran.

Marcelo: O policial entra lá armado e a gente entra desarmado (...) Em Santo Amaro, ali mesmo no Campo do Onze, a gente entra. Mas carro da polícia, só de quatro, cinco (carros de polícia).

Os riscos da violência não se devem apenas ao passageiro que se pega ou deixa, mas também aos lugares de saída e destino do cliente. Dessa maneira, observar o ambiente no qual alguém acena para o táxi e saber o destino exato pretendido por um possível passageiro são elementos fundamentais na avaliação da corrida. Quando perguntei que lugares eles consideravam mais perigosos para rodar, surgiram variações, tendo sido apontados locais diferentes, aqui agrupados pela quantidade de vezes que foram referidos. Citados três vezes: Santo Amaro e Coque; Citados duas vezes: Água Fria, Águas Compridas, Alto do Pascoal, Curado, Dois Unidos, Comunidade do Detran, Ibura; Citados uma vez: Alto Santa Teresinha, Beberibe, Bomba do Hemetério, Cais de Santa Rita (Santo Armando), Caixa D'água, Córrego do Tiro, Coelhos, Entra a Pulso (Boa Viagem), Ilha de Deus (Imbiribeira), Ilha de Juaneiro (Campo Grande), Jordão, Tejipió, Vila São Miguel (Afogados).

Além de pré-noções relacionadas aos índices de pobreza desses bairros, as indicações relacionam-se também com as histórias ouvidas de assaltos, homicídios e agressões,

especialmente as que têm os taxistas como vítimas. Procuram, por exemplo, ficar informados sobre ondas de assaltos a taxistas em determinadas localidades e evitam circular por esses lugares onde ouviram falar que têm ocorrido problemas. Além disso, o horário em que ocorre a interação é fundamental, visto que, com o aumento das oportunidades, a maior parte dos crimes economicamente motivados acontece à noite e de madrugada (BEATO, PEIXOTO &ANDRADE, 2004).

Essa noção de que a noite é perigosa acompanha a avaliação feita sobre o local de destino. Ao listar os locais que consideravam perigosos, quase todos complementaram com o adendo ―principalmente à noite‖ ou com uma relativização de que, durante o dia, era possível circular e pegar alguns passageiros na rua.

Gilberto: E se tu tivesse que me dizer o perfil da situação perigosa, situação que o taxista em geral deve evitar qual é? Como é que tu monta assim?

Ciro: Eu monto o que? De noite, não parar pra dois homens, assim, em área de risco o que... tem muita área de risco aqui

Gilberto: é? quais são?

Ciro: Santo Amaro, Santo Amaro pra mim é o primeiro lugar, a parte do Campo do Onze, aquela parte ali, pra mim aquilo ali... deu a mão ali de madrugada ali eu não paro pra ninguém ali

Gilberto: Mas de dia tu para?

Ciro: De dia eu ainda paro, né? Se eu olhar assim achar que devo parar eu paro, mas de noite pode dá a mão que eu...

Marcelo avalia que a noite é mais perigosa nos dias de semana devido ao menor número de pessoas na rua e de eventos onde estariam as ―pessoas boas‖ que, durante a semana, não ficam pela rua até tarde. Edmilson, por sua vez, afirma que a noite é arriscada pela maior probabilidade de assalto mas, também, de acidentes de trânsito.

Marcelo: À noite é muito perigoso em dia de semana, porque não tem pessoas, assim, não tem locais, não tem local pra pessoa sair, ir pra uma boate, como nós costumamos pegar essas pessoas que vem de balada, né, boates, festa rave, às vezes tem show em casas de show como algum evento, assim, como uma banda de fora, que a gente sabe que é boa, entendeu? Então a gente entra muito na agenda cultural pra poder rodar à noite (...) Porque dia de semana, só quem sai na noite ou é bandido de... ou é bandidão, né?

Edmilson: Por causa de assalto, assalto, você vai... principalmente final de semana motorista bebo, de carro particular, você vai no cruzamento, você passa, ele vem pega você pelo meio, aí lá vai o cara ficar parado . Faz o que dia 17, parece que foi 17 de novembro o cara ia batendo em mim de frente, eu livrei, subi o muro, subi a calçada, peguei o muro, aí passou.... fui pegar esse carro de novo no dia 9 de dezembro

Evitar locais considerados perigosos, ―principalmente à noite‖, é apenas uma das formas possíveis de precaução e, em geral, não é possível utilizá-la sempre, visto que isso resultaria na negação de muitos passageiros, colocando em risco o rendimento do dia. Portanto, por mais que haja sempre um risco maior, independentemente das avaliações, é preciso assumi-lo com certa freqüência (GAMBETTA E HAMILL, 2005).

Marcelo: Nesses bairros, é, a gente infelizmente leva, né? Não sei se nós usamos o bom senso ou se acreditamos muito em Deus e seguimos a viagem.

Algumas estratégias costumam ser aplicadas para rodar na periferia da cidade. A primeira delas é dar preferência aos locais familiares, ou seja, nos quais o taxista conhece os caminhos, os locais mais propícios à ocorrência de crimes e, principalmente, as pessoas. A familiaridade que cada um tem com certos locais faz com que se sintam seguros, mesmo que seja um bairro ou comunidade violentos (PAES-MACHADO & RICCIO-OLIVEIRA, 2009)

. Essa segurança ocorre, principalmente, através da inserção em relações capazes de garantir proteção.

Roberto: Não, não tem, não existe área perigosa nem ruim não, porque veja o seguinte: aqui tem o ponto de, de, de táxi. Aqui, essa área aqui é perigosa, eu não conheço aqui, então não fico aqui. Geralmente quem trabalha aqui nesse ponto daqui, essa área daqui é um pouco violenta um exemplo assim, Torreão, você mora, tem um apoio de táxi aqui, então os táxi que já são da redondeza, né? Já conhece já a bandidagem.

Quando não são moradores ou freqüentadores da área, é possível fingirem que são, ou seja, fazerem um gerenciamento de impressões no sentido de mostrar que são da área ou que são durões (tal qual os mímicos que tentam entrar no carro como bons passageiros)6.

Marcelo: Você tem que dizer na altura dele também "ó, parceiro, dá não, véi, dá não que eu tô com os perrengue meu pra resolver e não dá pra te levar não, doido". Aí ele já... Entendeu?

Gilberto: Tem isso também, é?

6

Essa postura foi identificada por Gambetta e Hamill (2005), como parte das estratégia dos taxistas de Belfast (Irlanda do Norte).

Marcelo: É (...) Se ele ver, por exemplo, eu mermo, barbeado... Arrumado e tal. "Não, o cara é taxista, é profissionalzinho mais ou menos, é gado", entendesse? Agora quando ele vem... (...) Aí "quanto é pra..." (respondo) "ah, parceiro, tô com uma bronca aí pra resolver e não tenho condições de te levar não, doido. Pega outro aí, bicho". "Meu irmão, tu vai levar a gente não?" (e respondo) "Vou não, doido, por quê? Tu quer que eu leve a pulso, é? vai vai, vaza doido, vaza."

Pode ocorrer, ainda, de entrar em alguns locais contando com o próprio passageiro como garantia de proteção. É nesse sentido que Josué liga a luz interna do táxi, permitindo que as pessoas que estão na rua vejam que está tudo em ordem dentro do carro e que é um morador quem está chegando. Marcelo e Ciro também relataram casos em que o cliente ofereceu a segurança, embora isso não os tenha tranqüilizado:

Ciro: Mandou eu acender a luz de dentro do carro, "ninguém vai mexer com você não" e eu passei, atravessei a Ilha de Juaneiro todinha, que eu não gosto de entrar ali nem de dia eu gosto de entrar (...) nesses, cara, eu fiquei com medo, fiquei com medo que ele disse que não ia acontecer nada, aí que eu fiquei com mais medo ainda (risos)

Marcelo - Bom, ao entrar, a gente tem que baixar o farol, ao entrar a gente baixa o farol, e a gente segue, deixa o cliente até o local, às vezes o cliente, é, já vai acenando: "ó, ele vai voltar, ele vai voltar, viu? É meu, ele vai voltar." E a gente volta sem problema.

Gilberto: Ah, tem isso mermo, é?

Marcelo: Tem, tem. E eles deram uma diminuída, porque às vezes, muitos taxistas se recusam a entrar na favela pra socorrer uma pessoa, então eles, eu acho que eles maneiraram, né? Eles agora tão considerando mais um pouco, devido a essa necessidade (...) mas, chegando lá, quando você desembarca esse cliente, que a gente sai, aí às vezes tem pessoas que aborda a gente, já aconteceu até fatos de pessoas se deitarem na rua, entendeu? Pra gente parar o carro pra eles poder fazer a investida.

Quando as estratégias para andar em um bairro violento não parecem o suficiente ou o taxista cisma com os passageiros, ele pode negar a corrida, encerrá-la no meio ou negociar para que fiquem na entrada da comunidade, de forma que o taxista possa realizar a corrida sem, no entanto, adentrar um local onde não se sente seguro, criando dificuldades para a ação de um mau passageiro (COHEN & FELSON, 1979).

Ciro: Rapaz... A gente tem que levar o cliente, pô, tem que levar o cliente até lá, a gente diz pro cliente "olhe, eu não tô desconfiando de você, mas eu vou lhe deixar lá dentro e depois vou voltar sozinho? Dá pra você ficar numa área, numa área, tipo principal, assim, uma via principal, para eu não entrar lá pra dentro?", aí eu pergunto antes se dá , quando é uma área assim que eu vejo que

é área de risco eu pergunto, pergunto se dá. Se não dá, "então você pega outro carro aí que eu não vou até ali dentro não, porque eu não tô desconfiando de você, mas depois que eu lhe deixar lá que voltar alguém pode me abordar e me assaltar que eu não tenho nem como andar rápido ali, eu sei que é uma área tudo apertado, cheio de lombada e tal", tá entendendo?

Roberto: Evitando pegar no local, como levar pra aquele local, e até levo, mas pergunto pra pessoa, me certifico primeiro, qual é a rua? Aonde ele vai ficar? Se é dentro da favela, falo: olha, só vou te deixar na avenida, pra, pra evitar problema, quando chegar você vai querer entrar lá dentro, eu não vou entrar. Aí , aí falo pra ele tudinho pra ele.

Marcelo: É, às vezes a gente também pergunta, que a gente, como a gente anda em vários lugares, a gente conhece, sempre alguns lugares têm um ponto de referência, aí a gente pergunta "ah, é perto da caixa d'água, é?", aí ele fala "pronto, é ali mesmo!" e você "ó, não dá não, não vou ali não, porque eu tive uma briga lá com um pessoal lá e não quero ir pra lá não". Entendeu? Que é justamente os lugares que a gente ouviu algum comentário sobre taxista fulano de tal que foi assaltado.

Para os que não trabalham com rádio-táxi, uma alternativa interessante é tentar estabelecer relações com clientes fixos, de forma a reduzir a necessidade de levar pessoas desconhecidas. É assim que Armando procede, distribuindo cartões com seu número em locais que considera confiáveis e entre passageiros com quem tenha feito boas corridas:

Armando: Distribuir cartão com o pessoal dos prédios. Dou cartão ao pessoal, quando tem uma corrida me chamam pra ir buscar, entendeu, táxi é isso... Digamos, o camarada pega uma corrida com dois cara desconhecido, vai daqui pra Paulista, né? Paulista, Abreu e Lima, cara desconhecido, quando chega lá ele cisma de tomar o carro do camarada, de botar uma arma em cima, ele bota a arma e toma o carro, às vezes o camarada pega um casal, o casal chega lá na frente, ele vai desce do carro e bota o revolver em cima do camarada e assalta e às vezes até o camarada manda uma pessoa só também, não tem quase ninguém pra conhecer disso não...às vezes a gente cisma, mas quase não conhece. O camarada pega um casal, como o camarada falou que chegou uma pessoa no carro, três pessoas num carro aí mandou a mulher pegar o táxi, a mulher pegou o táxi e levou...