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CAPÍTULO 3 TAXIANDO EM RECIFE: ROTINA, RISCOS E

3.10 NEGAR E ENCERRAR CORRIDAS – DILEMAS NA PRODUÇÃO DE

pessoal e de grupo lhes mostra isso. Seria um equívoco não realizar seleção, não realizar julgamentos. Porém, a seleção não se dá sem conflitos. Os taxistas sabem que, por lei, não

podem negar passageiros e, ao fazê-lo, escutam reclamações dos que foram negados e correm o risco de uma repreensão. A seleção é tão necessária e, ao mesmo tempo, tão constrangedora que, muitas vezes, o taxista, mesmo detectando sinais negativos no passageiro, acaba não conseguindo negar a corrida. Quando está com o carro em movimento e passa direto, o taxista fica pouco constrangido, mas, na medida em que ele para o carro e conversa com o passageiro para sondá-lo, negar a corrida torna-se mais constrangedor porque é preciso dizer ―na cara‖ que não vai levar e isso pode ser tomado como uma ofensa pessoal. Some-se, portanto, ao constrangimento, o risco de um passageiro ofendido iniciar uma discussão. Delicado também é o caso em que o passageiro já aborda o taxista entrando no carro. Para todos esses casos, os taxistas costumam lançar mão de justificativas como ―estou esperando uma pessoa‖, ―estou indo na direção contrária‖, ou mesmo ―estou de folga‖.

A situação torna-se ainda mais complicada quando a decisão de abrir mão da corrida ocorre depois que a viagem já foi iniciada. Embora não seja comum, isso ocorre em situações nas quais os taxistas sentem, seguramente, que algo errado está para acontecer e, mesmo diante de todos os custos, de todos os constrangimentos de encerrar uma corrida pela metade, preferem dar a situação por encerrada.

Daniel: (...) aí quando chegou na entrada de Jardim Brasil I, muito escuro, aí eu me lembrei que teve um colega que foi assaltado lá em Jardim Brasil I e eu disse que não entrava e ainda até parei, puxei o carro, acho que andei uns três metros e disse que realmente não dava, que o coração pediu pra eu não entrar (...) Disse assim mesmo pra eles, eu disse "olhe, mano, tua corrida terminou aqui", ele disse "por quê?", aí eu "rapaz, né por nada não, mas o coração tá dizendo que tua corrida terminou aqui", aí ele disse ―mas rapaz eu peguei o táxi!", inclusive a menina disse "eu pego um táxi pra ir até a porta da minha casa e você diz que não vai entrar", aí eu disse "é, realmente eu não vou entrar não, porque tua corrida terminou aqui", aí ele disse ―mas tu não tem nenhum amigo não que tu possa ligar pra ele e vim apanhar a gente?", aí eu disse‖ tem não colega, tem não que nem celular eu tenho e a corrida de vocês terminou aqui nesse exato momento! Tá dando 12 reais e vocês vão me dar 10 reais por causa do transtorno". Aí ele foi, desceu do carro e puxou a carteira, mas eu fiquei com o carro acionado em marcha, porque qualquer coisa eu poderia arrastar o carro. Ele puxou a carteira e me deu 20 reais, eu passei o troco de 10 e voltei, e ele ficou reclamando por conta de eu não ter deixado

A depender da situação, para garantir a própria segurança, quando informar o encerramento abrupto da viagem é necessario também elaborar estratégias e, na maior parte das vezes, ser educado é fundamental:

Roberto: É. Ou então, no caso no outro carro, tinha um botãozinho que eu conseguia desligar o combustível, eu corto o combustível. Vou chegando perto de uma viatura, corto combustível. Aí o caba "que que é?" "o carro quebrou, bicho." "na, na, na, né fogo? que que houve?" e vou lá ver o negócio e digo "ah, tem jeito não", aí a viatura tá lá ligada, eu não posso chamar a polícia, mas se tu realmente era um bandido, tu vai pagar minha corrida, não vai me assaltar e vai pagar minha corrida, que eu tô junto da viatura.

Pedro: Aí eu já sei que tem alguma coisa errada, aí eu já quebro o carro no posto, desligo o carro e digo que não pega, tá entendendo...

O que os taxistas demonstram em suas falas é que a avaliação dos passageiros é importante, mas é um problema para eles; há uma sensação de estar fazendo algo errado ao negar ou dispensar um cliente, pois eles sabem que, de qualquer maneira, trata-se de um pré- julgamento.

Daniel: Eu acho que eu fiz o certo (em parar a corrida). Não é o correto não, mas quando o coração pede você tem que obedecer, né?

Albérico: Aí, quer dizer, eu desconfiei e vi que não ia dar pra mim, né? Nesse caso eu acertei. Agora, se fossem cinco rapazes decentes...

De qualquer maneira, essas histórias são sempre finalizadas com a sensação de que, embora desagradáveis, esses procedimentos são necessários para a manutenção da própria segurança. Todas essas estratégias e os critérios utilizados para avaliar sua utilização não aparecem de maneira claramente organizada nas falas, mas são um elemento em comum entre todos os taxistas entrevistados, o que mostra que há uma percepção de que os riscos a que estão expostos e o gerenciamento destes são de sua responsabilidade. Essa afirmação parece simples, mas ela é fundamental porque reforça a ideia de risco e a possibilidade de seu controle, conforme concepção de Luhmann (2000).

Esse gerenciamento de riscos e a própria percepção de que é possível fazê-lo não se dá de maneira homogênea entre todos os taxistas. Gambetta e Hamill (2005) apontam para a probabilidade de que haja um desenvolvimento dessas habilidades de avaliação de passageiros ao longo da profissão, mas não desenvolvem a questão. Interessado em compreender melhor como esse desenvolvimento pode ocorrer na prática, busquei informações a partir das histórias contadas pelos taxistas para pensar os processos de aprendizagem, assunto a ser tratado no próximo capitulo.