• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 TAXIANDO EM RECIFE: ROTINA, RISCOS E

3.4 RISCOS E PROBLEMAS

3.4.1 Rotina instável, renda instável

Como foi visto no capitulo 2 e no que foi apresentado nos perfis dos entrevistados neste capítulo, a rotina desses profissionais é marcada por alguns aspectos que são comuns a todos os profissionais e outros que atingem diretamente alguns deles.

De uma maneira geral, os taxistas estão expostos à incerteza sobre como será cada turno iniciado, quantos passageiros será possível levar, qual a distância das corridas a serem solicitadas e o tempo em que será possível fazê-las. Mesmo que um turno de trabalho seja muito bom, o taxista não pode se dar por satisfeito, porque ele não sabe se o turno seguinte ou o dia de amanhã será bom ou ruim. É o que mostram Daniel e Josué:

Daniel: porque tem dia que você faz, tem dia que você não faz e assim é a vida do taxista, é uma caixinha de surpresa, entendesse?

Gilberto: E não dá pra parar e juntar (dinheiro), né?

Josué: Dá não... Num para não, porque aqui é o seguinte: não dá todo dia... Não dá todos os dias. Você diz assim: ―eu ganho dois salários mínimos‖. Mas é um dia pelo outro. Aí você tem um dinheirozinho que você (ainda) tem que pagar a diária. Então, aí no final ainda sobra um pouquinho. Completou dois salários. Não é um salário que você vai sustentar sua família.

A fala de Josué introduz um problema adicional no que diz respeito à renda dos taxistas, que é o pagamento de aluguéis por parte dos motoristas auxiliares, que precisam alugar o carro de algum autônomo ou de uma das frotas da cidade. Segundo os dados da CTTU, há 14 destas empresas em Recife, alugando entre um e vinte táxis cada uma, num total de 99 carros. Existe, porém, um número não calculado de taxistas que alugam seus veículos por um turno, dias inteiros ou por todo o mês, em negociações diretas (e irregulares) com um ou mais dos 4.964 taxistas auxiliares atualmente cadastrados na CTTU.

A princípio, a categoria de taxista auxiliar tem a função de ―complementar‖ o sistema de táxi, sem que para isto seja necessário aumentar o número de permissionários4. Com esse

4 A presença dos motoristas auxiliares é fundamental para garantir o funcionamento do transporte individual de

objetivo, a regulamentação do sistema de táxi do Recife estabelece que cada permissionário pode ter até dois taxistas auxiliares, cujas habilitações ficam ligadas àquele carro, que pode, então, ser dirigido pelos dois ou três, em revezamento. É muito comum, porém, que permissionários antigos, que já não exercem a profissão, continuem renovando seus cadastros todos os anos e aluguem seus veículos de maneira permanente a um taxista cadastrado como seu auxiliar. Em troca, os que alugam os carros pagam diárias que giram entre 50 a 100 reais. A outra opção para os que têm habilitação de taxista auxiliar é alugar um táxi a uma das frotas existentes na cidade, pagando entre 60 e 80 reais a diária. Visto que a renda bruta média dos taxistas entrevistados (que atuam em diferentes zonas da cidade, alguns com e outros sem sistema de rádio-táxi) gira em torno de 2.500 reais, o valor destes aluguéis é muito alto. Diante disso, os profissionais que alugam o táxi assumem jornadas de trabalho mais longas, somente encerrando a corrida depois de feita a renda necessária.

Os proprietários também não ficam tranqüilos quando falam em renda. O desgaste sofrido pelos veículos devido ao intenso uso, a pressão da clientela (e da concorrência) para que os carros estejam sempre novos e limpos faz com que seja necessário trocar de carro com freqüência e ter custos altos de manutenção, pressão que se dá, principalmete, para quem trabalha para cooperativas de rádio-táxi. Ter um carro velho pode significar menos clientes e o taxista pode encontrar dificuldades para rodar em pontos considerados de melhor clientela:

Daniel: assim... como o carro era velho, né, não tinha muita opção de você rodar nos cantos que realmente dá pra você rodar e o pessoal vai apanhar seu táxi. Aí, inclusive, uma das primeiras corrida que eu fiz, a mulher disse: "moço esse carro não é seu não, né, moço?" Aí eu disse: "por que senhora?", "seu carro tá muito velho, todo remendado", aí eu disse "é, senhora, esse carro não é meu não, eu pago... É de frota". " Ah, por isso! Se fosse seu você não deixaria desse jeito não?‖ Aí eu disse: "com certeza!"

É possível ter uma ideia do quanto os taxistas de Recife investem em seus veículos levando em consideração que dos 6.065 táxis em cujos cadastros da CTTU constam a data de fabricação, 15,23% possuem menos de um ano, 65,75% têm entre 1 e 5 anos de fabricação e 19% têm mais de 5 anos de fabricação5. Além disso, opcionais como 4 portas e ar-

maior disponibilidade de carros, principalmente nos horário em que os permissionários optam por não rodar, como no fim da noite e madrugada.

5 Esses números assemelham-se aos de São Pablo, em que pesquisa realizada com 550 taxistas revelou que 19%

trocam de carro todo ano, 37% trocam de carro a cada 2 ou 3 anos e 26% trocam de carro a cada 3 ou 4 anos (VEJA SÃO PAULO, 2010:36).

condicionado são praticamente unanimidade: dos 5.255 táxis sobre os quais há esta informação, 81,7% possuem 4 portas e ar-condicionado, contra apenas 2,33% com 4 portas sem ar-condicionado e 1,5 % com 2 portas, sem ar-condicionado.

Essa situação foi descrita por um taxista com quem conversei na fase exploratória da pesquisa, que estava se preparando para largar a profissão porque não queria mais viver endividado. Segundo ele, ―taxista deve a todo mundo, deve as parcelas do carro, deve à oficina, deve à rádio, é uma bola de neve‖. Esse taxista, que tinha em torno de 50 anos e exercia a profissão há cerca de 10, dirigia um carro bastante confortável e falou de forma positiva sobre o ponto de táxi e as amizades, mas repetiu várias vezes que a profissão não valia a pena porque ―demora muito pra tirar algum dinheiro, qualquer comércio que você monte rende mais que táxi‖. Opinião semelhante foi expressa por Armando:

Gilberto: O que é ser taxista? O que é ser, viver a vida de taxista pro senhor? Armando: Rapaz... eu acho que a vida de taxista é quase feito um negócio de camel,ô né, camelô trabalha todo dia, né, é a mesma coisa do táxi, né? Tem que trabalhar todo dia pra sobreviver, né, sobreviver que o camarada tem que trabalhar pra comprar aquilo que ele precisa, né, pagar, ter confiança o pessoal confiar nele, que às vezes a gente faz um serviço no carro e não tem nem o dinheiro pra consertar, mas pela confiança a pessoa faz pra gente pra depois a gente pagar

Gilberto: E tem muito isso é de ficar devendo?

Armando: É... o camarada faz um serviço, o carro às vezes se quebra e o camarada não tá nem com o dinheiro pra pagar, o cara da oficina vai, cara bom da oficina vai e conserta o carro com ele, " e aí fulano paga com três dias, com quatro, trabalha, roda e arruma o dinheiro e me paga" entendeu , a gente faz isso, arruma o dinheiro e vai levar pra pagar, paga a ele, qualquer coisa o carro tá quebrado num lugar, precisa de uma ajuda ele vem

De qualquer forma, ao falar no problema da renda, todos apontam as dificuldades dos que dependem de aluguel. Isso ficou especialmente claro no grupo focal, no qual, enquanto os dois participantes que alugavam carros a frotas falavam, o taxista permissionário comentava, em tom de descontentamento, o esforço e as dificuldades enfrentadas pelos colegas para garantir algum dinheiro no final do dia. Isso aconteceu, por exemplo, quando perguntamos sobre a jornada de trabalho de Manoel

Manoel: Ah eu começo aqui de seis e meia, sete horas e não tem hora pra parar não

Gilberto: Mas para mais ou menos de que horas? Manoel: Às vezes vou até onze, meia noite Gilberto: E final de semana?

Manoel: Final de semana é a mesma coisa, eu não paro não, eu tenho que pagar 80 reais todo dia,

Pablo: Arrumar gasolina, arrumar Manoel: Fora a gasolina. Combustível Pablo: Arrumar o feijão dentro de casa...

Manoel: Fim de semana, esse mês agora de janeiro, eu tô trabalhando só pra pagar a renda, não dá pra...

Um reflexo dessas dificuldades, como dá para perceber, é o aumento da carga horária desses taxistas. Essa é umas das grandes diferenças entre permissionários e taxistas auxiliares:

Edmilson: A segunda-feira eu folgo, só se tiver corrida marcada, mas se não tiver eu folgo e final de semana eu trabalho à noite, que é sábado e domingo Pablo: Eu não, eu geralmente não trabalho fim de semana, porque que é como ele disse, ele já paga uma taxa de carro(diária), ele é auxiliar, entendeu? No meu caso, eu não pago, pago mesmo a prestação do carro, já cai um bocado, aí eu geralmente eu relaxo fim de semana e tal...

Gilberto: Aí já dá pra parar um pouco mais é?

Pedro: Dá pra parar um pouco mais, exatamente. Esse pessoal que paga aluguel de carro se sacrifica mais, luta mais (...) A maioria dos carro aí (no ponto) é tudo de locadora, a locadora entrega aos camarada e tem aquela renda fixa, né, chegou segunda-feira, se não dá pra arrumar aquela renda ele ingressa pela noite, chegou meio de semana ele fez a feira dele, chega fim de semana ele tem que batalhar pra arrumar o dinheiro do homem, entendeu?

Manoel: Eu que pago 80 reais a diária, eu trabalho de domingo a domingo, eu não paro não

(...)

Gilberto: E a sua renda? Que você tenta tirar no mês...

Manoel: Ah... não dá nem pra gente se basear direito, né? Porque é aquela coisa a gente tem que tirar os 80 da renda todo dia, combustível, aí o que ficar é da gente: trinta, quarenta..

Pablo: Vinte, dez, nada... Marcelo: Às vezes nada...

Gilberto: Mas tem dia que falta pra pagar a diária?

Manoel: Oxe! (risos), graças a Deus aqui não, ainda não faltou pra mim não, mas é aquela coisa também eu só paro quando eu tô com a renda. Às vezes, quando eu paro, eu não agüento nem ficar em pé, seis, sete e meia até a meia noite, uma hora da manhã

Como podemos perceber, o trabalho como taxista é marcado por extensas jornadas de trabalho, que se tornam maiores para os taxistas auxiliares. A necessidade de fazer a renda leva esses profissionais a passarem mais tempo circulando nas ruas da cidade (em, pelo menos, dois turnos). Essas circunstâncias, por si, já aumentam a probabilidade de vitimização, já que, como destacam Beato, Peixoto & Andrade (2004:76), um dos fatores que mais influenciam o risco de vitimização é a exposição em lugares públicos, locais nos quais se estabelecem interações sociais.

De qualquer maneira, ambas as categorias (permissionários e taxistas auxiliares) compartilham um fator de risco fundamental no que diz respeito aos rendimentos da profissão, que são os prejuízos causados pelos engarrafamentos da cidade.