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CAPÍTULO 2 CARACTERIZAÇÃO DA PROFISSÃO DE

2.3 VULNERABILIDADE: FATORES DE RISCO

2.3.4 Passageiros-problema

Os variados tipos de passageiros que os taxistas levam e as mais diferentes situações e necessidades nas quais os taxistas são solicitados aumentam os riscos de taxiar. Faz parte da rotina dos taxistas carregar pessoas desconhecidas, levar mais de uma pessoa por vez (reduzindo a possibilidade de vencer um confronto físico), lidar com passageiros estressados, embriagados, entorpecidos, passageiros que estão em conflito entre si (muitas obrigando o taxista a interferir, sendo desta maneira envolvidos em problemas que não são seus). Há também casos de assaltantes em fuga que utilizam os serviços de táxi para evadir-se do local, e de pessoas que tomam a condução para comprar drogas, podendo assim envolver o taxista em situações nas quais sua segurança é posta em perigo.

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2.4 VULNERABILIDADE: DADOS E SUBNOTIFICAÇÃO

A soma desses fatores de risco resulta na exposição acentuada dos taxistas a episódios de violência. Embora haja um problema generalizado de sub-notificação quanto às agressões sofridas pelos taxistas, é possível ter uma ideia do que elas representam a partir da exposição de dados mais organizados de outros países. É importante ter em vista que, guardadas as diferenças nas taxas gerais de criminalidade e especificidades locais, a vulnerabilidade desses profissionais à violência é fator em comum.

Segundo dados do Instituto Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional – NIOSH, nos EUA, entre 1980 e 1992, dentre os profissionais mais atingidos pela violência, os motoristas de táxi aparecem como as principais vítimas, correspondendo a 22,7% do total de homicídios ocorridos no exercício da atividade ocupacional. Da mesma forma, pesquisa realizada pelo mesmo instituto na Austrália, em 1990, revelou que, em relação à população geral, os taxistas estavam 67 vezes mais expostos a roubos com uso da violência. Além dos homicídios, estima-se que eles sofrem mais agressões físicas (184 por 1.000 trabalhadores), ficando atrás apenas dos policiais (306 por 1.000 trabalhadores) e guardas de segurança privada (218 por 1.000 trabalhadores), profissionais que figuram nas mais elevadas taxas de vitimização (NIOSH, 1996).

Nos Estados Unidos, os taxistas são o grupo com maior risco de homicídio e assalto no trabalho. O roubo é motivo de 80% desses homicídios no trabalho e de 60% dos assaltos não- fatais (SMITH, 2005:1) A exposição dos taxistas à violência no trabalho é calculada como 15 vezes maior que a exposição média. Nos EUA, 510 taxistas em serviço foram assassinados entre 1992 e 1998, mas os atestados de óbito só os relacionaram a acidente no trabalho em 80% dos casos (MAYHEW, 2000a: 2).

Survey realizado na Nova Zelândia revelou que três quartos dos taxistas haviam sido vitimados no último ano, 4% haviam sofrido graves danos físicos e 22% haviam sido ameaçados. Na Escócia, firmas de táxi afirmaram sofrer, desproporcionalmente, com ataques violentos, fraudes e roubos (ELZINGA E BURROWS apud MAYHEW, 2000a: 2). Outra pesquisa de survey, desta vez no Canadá, mostrou que, em um ano, um em cada quatro taxistas havia sido atacado. Quase todos esses tiveram seus veículos danificados. Um em cada dez teve dinheiro roubado e mais de um em 12 teve outros pertences levados. Um em cada 15 taxistas foi seqüestrado. Entre 2001 e 2005, taxiar era a profissão mais perigosa do Canadá: de

69 assassinatos no trabalho, 11 foram de taxistas, enquanto os policiais mortos foram 10 (NOVA SCOTIA, s/d: 2, 4).

Os dados acima apontam para a alta vulnerabilidade dessa categoria profissional nos mais diversos lugares do mundo, o que traz uma reflexão acerca da influência de características gerais que são as mesmas para o exercício da profissão e que tornam os taxistas vulnerável em diferentes contextos sociais.

Outro aspecto dos estudos que tentam avaliar os impactos da violência nessa categoria ocupacional é o problema da sub-notificação deste tipo de violência, já que muitos taxistas não fazem boletins de ocorrência em caso de vitimização e, boa parte das vezes, os registros oficiais não classificam como violência no trabalho (MAYHEW, 2000a: 2; DALZIEL & JOB, 1997:127). Mayhew aponta, ainda, que mesmo a realização de surveys como forma de tentar minimizar os efeitos da sub-notificação não capta a realidade dos ataques a taxistas devido ao efeito “trabalhador saudável”, pois os trabalhadores feridos ou que sofreram maiores danos deixaram a profissão e, portanto, não estarão presentes nos questionários. O problema é ainda maior no caso das tentativas de roubo, já que, não tendo se concretizado, elas podem parecer menos graves, e nem mesmo entendida pelo taxista como algo que seja caso de policia. Smith (2005:2) argumenta, porém, que reportar-se a essas tentativas poderia ser particularmente útil no desenvolvimento de estratégias para lidar com a violência contra taxistas, visto que se trata de casos em que, por alguma razão, o roubo não pôde ser concretizado, sendo importante, portanto, conhecer estas razões.

A sub-notificação gera dificuldades para que se faça uma caracterização da violência desenvolvida em ambientes de trabalho no Brasil, como vêm apontando os estudiosos que procuraram mensurar os impactos da criminalidade sobre populações específicas (PAES- MACHADO E LEVENSTEIN, 2000; SOUZA, 2006). Desse modo, a escassez de dados coloca-se como um problema particular na apreensão de informações que permitam conhecer a dinâmica da violência no trabalho. Mesmo assim, considerações gerais a respeito da profissão e relatos que se repetem, dadas as semelhanças em contextos urbanos das grandes metrópoles, permitem o desenvolvimento de reflexões sobre a violência a que os trabalhadores do transporte individual de passageiros estão expostos.

2.4.1 Padrão de ataques

A partir dos dados coletados a respeito dos ataques a taxistas, alguns autores traçaram um padrão desses episódios, com o objetivo de guiar medidas de segurança para esses

profissionais. Unindo os dados de Mayhew (2000a - Austrália), Work Place Safety (s/d – Reino Unido), Rathbone (2002 – EUA), Smith (2005 – EUA) e Yavuz et al (2008 - Turquia), é possível traçar um panorama dos padrões.

Os tipos de agressão variam de praguejamentos a tiros, passando por socos, facadas e camisas rasgadas, mas, devido à gravidade atribuída e aos dados disponíveis a respeito, os eventos mais citados nos estudos são assalto, homicídio e calote.

Agressões e ameaças são, recorrentemente, atribuídas a passageiros bêbados, agressivos e abusivos. No caso dos assaltos, fatores de risco mais específicos são apontados: homens, jovens, fim de tarde/noite, embriaguez, acenos para o táxi na rua, passageiros pegos no subúrbio, clientes pobres e perseguições empreendidas pelos taxistas a clientes que haviam dado calotes. Os danos típicos de agressões decorrentes de assalto são contusões, lacerações à cabeça e parte superior do corpo, além de fraturas ocasionais (nariz e mandíbula), a maior parte deles causadas por passageiros sentados no banco atrás do motorista. Os instrumentos mais utilizados são armas de fogo, facas e punhos, havendo, ainda, referências a sprays, seringas, garrafas, pedras, bastões de baseball e quebradores de gelo.

Quanto aos homicídios, os dados mais completos foram compilados por Rathbone (2002), em relação aos EUA (analisando 606 homicídios de taxistas entre 1980-1994) e por Yavuz et al (2008), analisando 201 homicídios de taxistas em três cidades turcas (Istambul Ankara e Izmir), entre 1996 e 2006. No primeiro caso, quase 95% dos ataques ocorreram com o motorista dentro do táxi, sendo que 25% dos assaltantes estavam fora do táxi no momento do ataque; 85% das mortes foram causadas por tiros na cabeça, sendo o restante por outros danos na cabeça e pescoço. Os ataques ocorreram à noite em 80% das vezes, 75% deles foram realizados por adolescentes, dos quais 50% agiram sozinhos.

No caso da Turquia, 52,2% dos homicídios resultaram de assalto, contra 45,8% de desentendimentos, questões de honra e brigas. Entre os assaltos seguidos de morte, 90,9% dos crimes foram cometidos à noite ou ao final da tarde, 52,48% no subúrbio, 55,05% com armas de fogo e 41,78% dos golpes que causaram a morte foram na cabeça. Entre os assaltantes identificados e presos (63,3%), a maioria deles (44,6%) tinha entre 20 e 29 anos e todos entraram no táxi como clientes. Na Turquia, os táxis de todas as vítimas tinham rádio para comunicação, 29,7% dispunham de GPS e não havia outra medida de segurança instalada em nenhum deles.