• Nenhum resultado encontrado

marca, não retratamos os tempos, não reflectimos sobre nós próprios e o que nos rodeia”.

um ponto de partida, por um lado, da compreensão do mundo, por outro,da edificação da individualidade. São abordadas igualmente questões ligadas com a construção de imagens, a captura fotográfica e as problemáticas associadas às questões da imagem na Internet, à duplicação, à cópia e original.

68

LIVRO

TIPOGRAFIA EM AMBIENTE URBANO

Risco

&

Stroke

Descrição do projecto

A propósito de uma reflexão sobre o plágio, a relação ética e deontológica com os direitos de autor e conexos, escolheu-se o formato de livro para desenvolver um projecto de design gráfico que uniu alunos, professores e técnicos. Com pleno domínio de todas as fases, desde a concepção, passando pelo desenvolvimento de conteúdos, montagem e finalizando na produção e acabamentos, este projecto colocou à prova a capacidade da turma e da escola na produção do objecto. Alunos, professores e técnicos juntaram-se lado-a-lado num propósito de construção emergente de um artefacto que aborda não só as questões técnicas do design gráfico e artes gráficas, mas também as questões conceptuais, clarificadoras do caminho percorrido, da identidade e dos significados. O processo de construção de imagens é um fazer experimental, trabalhado individualmente por cada aluno, “como em outros domínios da educação, o significado é obtido ao fazer conexões conceptuais entre as observações discretas e / ou as experiências” (Thistlewood, 2005, p. 63). Pretende-se reflectir sobre um projecto

complexo, original e ambicioso, que encerra em si mesmo uma ideia de ensino artístico contemporâneo, experimental e transdisciplinar.

As problemáticas no ponto de partida eram: iliteracia sobre os direitos de autor e cópia privada, iniciação à captura de imagens fotográficas, o treino do olhar, competências em paginação e edição electrónica, competências de impressão e acabamentos (preparação dos documentos para impressão em serigrafia, impressão a 1 e 2 cores, coser um livro, montagem de 50 exemplares, entre outros) e exposição final do trabalho.

A AGECOP (Associação para a Gestão da Cópia Privada)3 promoveu a

2ª edição do concurso de criatividade para escolas do ensino secundário, denominado “Grande C”4, que visava sensibilizar os mais jovens para a

importância do respeito pelos direitos de autor e da propriedade intelectual. Os candidatos eram convidados a criar obras originais em diferentes categorias (música, letra, design, vídeo, escrita criativa e multimédia) e as escolas a abrirem a discussão aos jovens sobre a cópia, o plágio e os direitos de autor e conexos ligados à produção e distribuição em diversos suportes mass media.

No relatório da 1ª edição do concurso5, podemos entender melhor as

problemáticas directas associadas à promoção do concurso: segundo dados de diversos relatórios de 2009, em Portugal, “93% dos jovens entre os 15 e os 18 anos têm acesso à Internet de banda larga e 92% fazem downloads de obras protegidas;” Diversos estudos apontam para o facto de a esmagadora maioria dos downloads efectuados actualmente serem ilegais. No caso da música, estes valores ascendem aos 95%, segundo o relatório “Digital Music Report 2009”, IFPI6.

69 CASO UM Raquel Morais Imagens referentes ao projecto da letra A: em cima as imagens captadas pelo aluno, à direita os planos de impressão e à esquerda a página do livro. Na página seguinte, as páginas do livro referente à letra M.

70

LIVRO

TIPOGRAFIA EM AMBIENTE URBANO

Risco

&

Stroke

Ainda segundo este relatório as “motivações apontadas para este facto são de várias ordens, mas é de destacar a enorme confusão por parte dos utilizadores em relação à legalidade dos seus comportamentos no que

respeita a utilização de obras protegidas, já que 65% dos inquiridos tem uma percepção errada acerca da legalidade das suas gravações” (Estudo acerca de Hábitos de Gravação, realizado pela GFK/Intercampus para a AGECOP, Junho de 2009)7. Trata-se portanto de uma geração de utilizadores da

Internet a agir em inconformidade com a lei da cópia e dos direitos de autor, mas sem se aperceber de tal facto, por total desconhecimento deste tema e por nem sequer compreenderem que isso é um problema. Quando este assunto é abordado nas aulas a surpresa é sempre grande, “se está na net é porque é para usar”, é a resposta frequente. Num curso que lida com diversos conteúdos mas essencialmente com imagens, é necessário desde a primeira aula estabelecer um diálogo sobre estes assuntos, distinguir e ter em consideração as noções de apropriação, cópia e plágio. Se por um lado podemos assistir a uma atitude de apropriação na área artística e verificar designers e artistas a utilizar deliberadamente imagens de outros, através da colagem, da alteração ou distorção, por outro lado, há que ter o conceito assimilado sobre o plágio. Isto é, devemos distinguir claramente o que é a utilização de imagens de outros autores enquanto atitude artística de

71

CASO UM

Raquel Morais

apropriação, colagem ou até uma atitude crítica relativa às imagens, ou ainda quando a intenção clara é a construção e reconstrução de novas imagens a partir das já existentes. Outra atitude em oposição é copiar deliberadamente e atribuir a autoria quando foi de propósito copiado ou mesmo alterado. Este tema e discussão é recorrente em todos os inícios de curso e as estratégias têm sido várias para o seu debate e compreensão.

Para as professoras introduzirem esta temática, o concurso fornecia algum material no site da AGECOP, constituído essencialmente por pequenos vídeos de artistas de música nacionais a declararem a importância e legitimidade dos direitos de autor. Também foi importante o visionamento de alguns exemplos de más práticas no design gráfico, em oposição a boas práticas de artistas e designers que criam através da colagem, apropriação ou outras técnicas, e detêm um sentido crítico face à utilização e disseminação com a introdução nas nossas vidas das novas tecnologias e da Internet. Passou também pela discussão do que é ser original, de como se constroem as ideias (que são uma reconstrução ou colagem de outras ideias, onde estará então esse ponto de viragem?), o valor e tipo de pesquisa como fonte de informação e construção, sobre a nossa memória visual e capacidade de distinção entre um plágio e uma apropriação. A turma concluiu, de uma

Nesta página, capa em tecido com reprodução dos azulejos existentes no interior da escola; Na página seguinte, páginas dedicadas à letra Z;

72

LIVRO

TIPOGRAFIA EM AMBIENTE URBANO

Risco

&

Stroke

forma geral, que estava na intenção e conceito das peças produzidas a chave para a distinção entre o fazer bem ou mal. Que a atitude individual e a honestidade intelectual com que um artista enfrentaria estes problemas eram essenciais.

O desafio proposto no concurso era o de criar uma peça totalmente original, constituída a partir da captação de imagens e finalizada sob a forma de texto. A fim de unir conteúdos de duas disciplinas (Oficina Gráfica, módulo “Paginação” e Design Gráfico, módulo “Imagem”), o formato de um livro pareceu-nos o que melhor se adaptava. Em ambas as disciplinas o programa referenciava diversos conteúdos: desde adquirir noções sobre tipografia e tipos de letra (anatomia, desenho e origem histórica das principais famílias tipográficas, etc); sobre a aquisição de imagem digital (ferramentas, focagem, enquadramento, tratamento digital, etc); ainda questões técnicas ligadas à paginação de um documento (criação de páginas master, gestão dos conteúdos, etc) e à criação de um livro (tipos de imposição, secções, etc). Para além dos conteúdos programáticos e técnicos a proposta de trabalho deveria incidir sobre algum assunto que se relacionasse directamente com os alunos e permitisse ao mesmo tempo um trabalho individual de reflexão e colectivo de discussão. Um problema todos os anos detectado era que os estudantes não conheciam bem a zona envolvente da escola, tinham diversos “medos” de se deslocar sozinhos na área e apresentavam um total desconhecimento da história e do património material à volta da escola.

73

CASO UM

Raquel Morais

Em cima, páginas do livro impressas a uma cor; Exposição no hall da biblioteca do abecedário completo, @ Sara Lopes;

74

LIVRO

TIPOGRAFIA EM AMBIENTE URBANO

Risco

&

Stroke

Para unir tantos conteúdos e problemas tão diversificados, as professoras chegaram a um tema que provocasse alguma divagação fora da sala de aula e a uma proposta que contivesse diversas actividades: visita de estudo fotográfica à zona envolvente da escola, trabalho individual e cooperativo na sala de aula habitual e na oficina, exposição de trabalhos e momentos de reflexão individuais e colectivos. Após alguma pesquisa, depois de vários encontros e material partilhado, chegámos a uma proposta de trabalho que continha todas as variantes enumeradas: seria a de fazer um abecedário em formato livro a partir de imagens e textos produzidos pelos alunos.

Demos início ao projecto, ainda na sala de aula, explicámos o funcionamento das máquinas fotográficas, experimentámos

enquadramentos, focagens e clarificámos o desafio: a cada aluno tinha sido atribuída por sorteio uma letra do abecedário e eles teriam que a descobrir através da máquina fotográfica, por meio de enquadramentos, zoom ou outras vias, nas imagens que iríamos tirar ao ambiente à volta da escola. Para as professoras, ficaram os números do livro abecedário que iríamos juntos criar. Toda a turma e professoras saíram para a zona envolvente à escola e iniciámos o passeio pela cidade. Esta proposta continha também uma componente lúdica e de envolvimento entre os intervenientes já que não nos conhecíamos ainda, importante para o conhecimento mútuo e também de reflexão sobre a cidade que vivemos. Cada aluno com a sua máquina fotográfica enquadrava, focava, na tentativa da procura da forma de cada letra na sombra, reflexo ou do pormenor. Nesta busca, o olhar percorria os edifícios e a luz de uma cidade marcada pela história, património e vivências. Desvendavam-se “coisas que nunca tinha visto”, nas palavras de uma aluna, provocada pela normal distracção de quem passa por ali todos os dias. Já em aula, cada aluno procedeu à selecção das imagens e ao processo de retoque digital, enquadramento e composição da sua letra num quadrado de 20 cm de lado. Depois de impressos, procedemos à montagem de uma pequena exposição do abecedário completo da turma na zona própria da escola, no hall de passagem e acesso à biblioteca. Foi um momento de confrontação com o trabalho desenvolvido e de novas conversas sobre a origem e resultado das imagens.

Apesar desta actividade ser de carácter prático e de acção, também é uma actividade mental complexa onde se descobrem significados, experimentam soluções e se manipulam conceitos. Segundo Thistlewood (2005) a

actividade de fotografar desafia os alunos a prosseguirem actividades complexas onde se podem identificar quatro objectivos distintos: examinar o seu meio ambiente através das percepções que conseguem isolar no tumulto de possibilidades que os rodeia; interpretar as observações dentro das potencialidades técnicas e expressivas do medium; avaliar a temática escolhida e estabelecer uma postura em relação ao assunto; transmitir as suas percepções e ideias de forma comunicável e a ser entendida pelo outro.

75

CASO UM

Raquel Morais

Nesta página, diversas fases de impressão

em serigrafia, © Sara Lopes; Na página seguinte, acabamento e colagem dos livros na oficina;

76

LIVRO

TIPOGRAFIA EM AMBIENTE URBANO

Risco

&

Stroke

“No centro de tudo isto, está o princípio de retirar dados visuais da massa de informação que os camufla, a fim de encontrar e exprimir significado” (idem, p. 62). Este processo de distinção e expressão é multifacetado: ao mesmo tempo que os alunos fazem, também pensam, para exprimir algo, num processo reconstrutivo de descoberta e de pensamento complexo. A próxima actividade seria a de construir os conteúdos textuais para o livro. As professoras lançaram mais um desafio: os alunos teriam que escolher três palavras iniciadas pela sua letra que relacionassem significados e conceitos com as imagens captadas. As fontes de informação teriam que ser diversificadas, pelo menos três diferentes (por exemplo: textos do próprio, livros, Internet, dicionário, jornais, revistas, entrevista, entre outros) e devidamente assinaladas. Os textos eram discutidos e explorados por vários alunos e pelas professoras. Produziram-se desta forma conteúdos textuais originais ou devidamente identificadas as suas fontes. Depois de múltiplos

testes, correcções e retoques procedeu-se à preparação dos planos de impressão, saídas e à impressão final. Foi feita no processo de impressão serigráfico em planos de 1 cor e 2 cores numa edição de 50 exemplares. Estas sessões de trabalho em oficina realizaram-se por turnos, por questões técnicas e de segurança. Dois alunos e uma das professoras com o técnico de serigrafia faziam a impressão dos diversos cadernos. Em simultâneo, a outra professora e o resto da turma permaneciam em sala já na elaboração de outro projecto. Seguiram-se os acabamentos, coser os cadernos, montagem, colagem e encadernação do livro. Nesta fase final de produção e acabamentos, devido à especificidade técnica e ao número de cadernos e livros, o projecto requereu muitas horas extra. Foi com alegria que assistimos à dedicação dos alunos, professoras e técnicos que ficavam em regime de voluntariado na oficina na sua tarde livre ou em algum intervalo que conseguiam. O entusiasmo à volta de ver a obra

77

CASO UM

Raquel Morais

nascer foi para além do esperado. O ambiente menos formal e pouco digital de uma oficina fazia também crescer empatias e conversas para além das matérias e das artes gráficas.

Na conclusão sobre este projecto, a professora estagiária Sara Lopes regista igualmente na sua tese, sobre o envolvimento criado e a importância para o seu futuro:

“Com este (des)envolvimento os alunos sentem que conhecem a escola, que fazem parte dela, pois acompanharam e participaram em todas as fases da produção. Percebemos que neste tipo de interacção do aluno com o meio cria-se o envolvimento necessário, para que olhe de forma diferente para algo que teve o seu esforço, dedicação e participação. Reforçamos que a educação está no envolvimento, está na orientação dos alunos para os objectivos” (Lopes, 2013, p. 45).

Assim se realizou um livro de originais em que alunos e professoras se transformam em criadores, autores e originais. Chegou-se ao título “Tipografia em Ambiente Urbano” por tema e conteúdos se basearem na descoberta de formas tipográficas na malha da cidade, na composição atenta da tomada da fotografia e na consciência sobre o envolvimento e atenção à urbe que habitam.

Páginas do livro dedicadas à letra X;

78

LIVRO

TIPOGRAFIA EM AMBIENTE URBANO

Risco

&

Stroke

À volta do projecto

Todos os projectos podem ser um princípio de divagações imensas, de perder o horizonte, onde o início não consegue ver um fim. Este, como tantos outros, abre possibilidades quase infinitas de discussão e reflexão. Para uma arquitectura da narrativa, e de forma a não perder o essencial, precisamente quando o discurso é sobre uma dimensão múltipla e os assuntos não são

lineares, irei conduzir a minha reflexão tendo como base o exercício mental da tomada fotográfica, adaptado de Thistlewood (2005) — examinar, interpretar, avaliar e transmitir — de forma a não derivar o discurso muito mais além do projecto. Irei examinar relacionando com as questões associadas a uma aula sem ser na sala, o sair da escola e ao deambular pela cidade, escrutinando o que nos rodeia. A fase de interpretar será dedicada à reflexão que se circunscreve a uma questão fundamental no curso, a do treino do olhar e como a construção das imagens pode ser uma ferramenta útil e consequente para o desenvolvimento de um pensamento complexo. A construção de significados prende-se com a construção da identidade dos jovens sob a perspectiva de uma educação em design gráfico e comunicação visual. Será o momento de avaliar o projecto e validar o seu formato.

Transmitir refere-se à publicação dos resultados do trabalho não necessariamente de uma forma directa, mas sim da ligação do processo de construção com a

exteriorização, termino deste modo com a relação das imagens e da nossa vivência em rede.

“Imagens são superfícies que pretendem

Outline

Documentos relacionados