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CASO UM

Raquel Morais

espécie de programa de televisão imutável e permanente que deveria dizer às pessoas tudo o que era indispensável para a sua vida quotidiana, bem como para a sua salvação eterna” (Eco, 1996). Com a difusão da invenção atribuída a Guttenberg no séc. XV, a da impressão por tipos móveis, o livro gradualmente torna-se a fonte de informação privilegiada e amplamente difundida. É interessante verificar que com a invenção da imprensa as reacções eram as da morte da arquitectura. “Uma coisa matará a outra. O livro matará o edifício” (Jean-Philippe de Tonnac cit. in Eco & Carrière, 2009, p. 9). “O livro matará a Catedral e o alfabeto matará as imagens” (Eco, 1996). Mas nada disto aconteceu e com a Internet, em contraste com a “era da reprodução mecânica” de Walter Benjamin as reacções foram da morte do livro e da comunicação textual. Antes pelo contrário, a visualidade dos nossos tempos contempla, provavelmente mais do que no passado, a palavra escrita, em novos formatos. “Com a Internet regressámos à era alfabética. Se alguma vez julgamos ter penetrado na civilização das imagens, eis que o computador nos reintroduz na galáxia de Gutenberg e toda a gente se vê de ora em diante obrigada a ler” Umberto Eco (Eco & Carrière, 2009, p. 20).

Já Marshall McLuan anunciava na sua Era de Gutenberg a alteração de leitura de um mundo linear para um mundo não-linear, feito sobretudo por imagens e meios electrónicos. “Os média precisavam de um certo tempo para aceitar a ideia de que a nossa civilização estava à beira de se tornar algo orientado por imagens – o que teria implicado o declínio da literacia. Hoje em dia este é um shibboleth13 comum para qualquer revista semanal”

(Eco, 1996). A imagem tornou-se afinal um meio comum de comunicação em que as componentes gráficas e textuais combinam, interpretam e comunicam: “não só a cultura pode ser captada de forma mecânica, e nem não só os acontecimentos são comentados criticamente, mas esta mistura de imagens, sons, e comentários podem ser largamente disseminados de forma praticamente instantânea” (Lessig, 2005, p. 243).

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LIVRO

TIPOGRAFIA EM AMBIENTE URBANO

Risco

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Síntese - Processo de vaguear, pesquisar, reagir, responder e reflectir

Se até ao aparecimento da rede, o livro era uma das chave de acesso à informação e percepção do mundo, agora, para um jovem estudante no mundo ocidental, essa chave de acesso ao mundo é a Internet. Funciona como uma chave de entrada a todos os níveis de interacção, a um nível social, cultural, profissional, lúdico. A vivência na Internet é constante e se não estamos presentes equivale a estarmos desconectados e aparentemente a não existirmos. A nossa existência confunde-se portanto com o estar ligado à rede. Se estamos lá podemos usufruir de tudo que também lá vive sendo que tudo o que lá está torna-se nosso ou da nossa existência. A existência na rede, por essa razão, não tem consequentemente a noção de propriedade, já não é uma questão de aquisição e posse. O facto de estarmos todos em rede permite a partilha de tudo o que lá existe, de certa forma é visto como nosso porque é de todos. Por exemplo, quando um jovem quer ver determinada série ou filme, ou ainda ouvir música, ele procura na net e faz o seu devido uso. Não adquire o disco ou o filme. Ou, quando produz uma imagem coloca na rede e divulga, difunde, partilha, logo, passa a existir.

A informação já não vem necessariamente ter com ele, mas sim o contrário e normalmente sem custos acrescidos. Tudo está disponível e o acesso faz-se com um simples click. Levanta-se portanto a questão de quem é o autor ou o proprietário? A partilha torna a informação distribuível e repartível, nas imensas comunidades e cada um tem uma cota-parte. A aquisição e colecção são do passado, pois tudo o que precisamos está na Internet. Esta maneira de estar no mundo, virtual ou não, é a comum aos meus estudantes. Daí ser tão complexo passar a ideia de cópia e de plágio, pois se tudo está disponível, acessível e pronto a ser consumido... O projecto passou assim para um outro lado do espelho, o do executar com a consciência plena que também é possível o fazer sem a existência da rede.

Nesta proposta de trabalho, em que existiu uma verdadeira conjugação de diferentes técnicas e saberes, tentou-se uma aproximação do projecto de design gráfico às experiências dos jovens e às suas reais preocupações. Neste projecto e na consequente articulação com a vida das pessoas tentou-se igualmente entender de que forma se faz a construção da identidade de um jovem, como um processo dinâmico e não-linear, de “guerra no íntimo de si próprio”.

A interpretação do programa passou por uma forma de estar relativamente subversiva e externa às questões práticas e técnicas, pretendeu ir mais além, na construção pessoal e de como encaram o mundo à sua volta. Os alunos foram incentivados a aprender sobre arte e objectos de design através do processo de vaguear, pesquisar, reagir, responder e reflectir. Ao enfatizar a relação entre o envolvimento pessoal dos alunos com o que produziram e as suas respostas em forma de artefactos pessoais, abrimos um novo caminho

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de conhecimento e envolvimento com o estudo e o lugar da escola.

Dentro da variedade de alunos, dentro de toda a complexidade que é lidar com diferentes pessoas e ainda tentar ensinar, tentamos uma resposta flexível, adaptável a cada um, uma educação inclusiva que atenta à diversidade e à participação individual. O que tentamos compreender e exemplificar é o que se passa ao nível dos processos de construção das imagens, que tem uma similitude óbvia com os processo construtivos e reconstrutivos educativos.

“Uma fotografia não ‘traduz’ a aparência” (Thistlewood, 2005, p. 64) pura e simples do objecto a ser fotografado. Fala para além do retrato ou ambiente que lá está, “cita” aparências não confinadas ao instante da exposição (ibidem). A fotografia traduz também todos os eventos que a ela estão ligados, o momento, o que permanece para trás no tempo e o que poderá vir a ser. “O isolamento da cotação fotográfica estabelece-se para além do fluxo de eventos a que pertencia” (ibidem). Estabelece-se uma relação e pensamento complexo, num plano ficcional e não factual dos eventos. O processo de construção e de interpretação das imagens e o resultado em termos de conhecimento contextual construído à volta da fotografia, amplia e enriquece o significado do sujeito pelas características narrativas associadas. É desta forma, um processo educativo único e de construção do sujeito.

Para além das questões relativas à aquisição da imagem e do que pode significar em termos educativos e de definição identitária, foram também abordadas as questões ligadas à rede Internet e à utilização das imagens como forma de apropriação, expressão e comunicação. O utilizador tem a possibilidade de ser autor, não é apenas um espectador passivo. Mas esta situação traz consigo responsabilidade sobre o que se dispõe e uma consciência reflexiva sobre o que se vê. Com infinitas possibilidades, poderemos continuar a ser originais? No sentido de quem somos ou da forma como nos expomos...

Com a finalidade de conseguir que os “cidadãos pensem criticamente sobre o seu ambiente, sugerimos uma caminhada, como prática estética” e a captura e “criação de imagens como uma intervenção artística pessoal” (Huerta, 2010, p. 80). Com esta lógica, a fotografia, a “caligrafia e a tipografia devem ser consideradas um importante recurso gráfico em exercícios de educação artística, e utilizada por professores para educar” (ibidem). O campo educativo das artes tem o dever de transmitir o seu legado de controvérsia, insubmissão, ruptura e redefinição, legado esse que passa pelo sentimento de insatisfação e crítica, com a vontade real de mudar. Porque não uma educação artística consciente da sua importância e que coloque a escola e a educação no alvo da reflexão, não se compatibilizando com questões logísticas, financeiras ou utilitárias?

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“O conhecimento contextual construído à volta

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