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Mapa 4-Mapa de Cabo Verde

4.1 A manifestação da polidez linguística nas entrevistas do PROFALA/UFC

4.1.1 Marcadores de atenuação

Nas entrevistas, os marcadores conversacionais exercem dentre outras funções a de atenuadores evitando um confronto direto entre os interagentes. O termo atenuação no dizer de Rosa (1992) pode ser tomado como sinônimo de polidez, mas deve-se considerar que a polidez é mais abrangente que a atenuação, esta pode ser concebida como um dos recursos que possibilitam a polidez. Fraser (1980) já chamava atenção para isso, o abrandamento, ou a atenuação pode implicar polidez, mas a polidez nem sempre implica atenuação. No corpus estudado é possível observar ocorrências de polidez positiva que não são feitas por meio de atenuação.

Na tabela 5, que segue, elencamos os marcadores de atenuação, considerando as subdivisões de Rosa (1992), acompanhados dos seus respectivos números de ocorrências. Na tabela 5, mostramos as ocorrências de marcadores de atenuação nas entrevistas com os cabo- verdianos, notamos que eles preferiram dois subgrupos dos atenuadores, os hedges e os marcadores de opinião.

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Nenhum falante, qualquer que seja sua língua materna, é capaz de expressar-se de forma neutra: suas expressões são corteses ou não, o que equivale afirmar que não há meio termo. (Tradução nossa).

Tabela 5-Ocorrências de Marcadores de Atenuação nas entrevistas com os cabo-verdianos

MARCADORES NÚMERO DE

OCORRÊNCIAS

01 Marcador Hedges “digamos”, “sei

lá”, “não sei”; 55

03 Marc. distanciamento ”parece”, “é

possível” “diz/dizem que”, etc; 00

04 Marc. de opinião “acho que”, “creio

que”, tenho impressão”, “talvez”, etc; 28 05 Marc. de rejeição “não que eu saiba”,

“se não me engano”, etc.) 00

SOMA 83

Fonte: Elaboração da autora.

Por meio dos marcadores hedges, mais frequentes na fala dos estudantes cabo- verdianos, podemos depreender que eles evitaram o enfrentamento com os documentadores, distanciando-se de um FTA, utilizando uma estratégia de polidez no sentido de preservar sua face positiva de acadêmicos de outra nacionalidade, que estão dispostos a se integrar num espaço territorial brasileiro. Dentro dos marcadores de Atenuação, temos os marcadores de opinião, “acho que” “creio que”, “tenho a impressão”, “talvez”, considerados por Brown e Levinson (1987) como hedges por ter a capacidade de dimimuir a força ilocucionária, o uso desses marcadores pode sugerir uma relação com a verdade, mas o falante não se compromete, não afirma categoricamente, usa uma forma de não afirmar diante do seu interlocutor, no fragmento seguinte, temos duas ocorrências desses marcadores, “eu acho que” e “sei lá”.

Fragmento 1

DOC. 1: entrevista com 4H+CVQFF no dia 14 de julho de 2011 (+) primeira pergunta “qual é o tipo de moradia mais comum aqui da região”

4H+CVQFF: acho que é a apartamento mesmo (++)

DOC.1: mas existe outro tipo de moradia ((pronunciou lentamente)) que também é comum”/além dessa que você falou” (++)

4H+CVQFF: e:: esse nego/saí de condomínio sei lá casa/enfim

Notamos que ao ser interrogado sobre o tipo de moradia mais comum da região, o entrevistado 4H+CVQFF dá uma resposta com a qual não quer se comprometer, protegendo sua face de uma contraposição por parte do entrevistador. Ao mesmo tempo, podemos perceber que o entrevistador discorda sutilmente do entrevistado, argumentando se não haveria outro tipo que também fosse comum, o entrevistado tenta contra-argumentar e utiliza outro atenuante “sei lá” que parece deixar mais clara a sua intenção de preservação de face e não comprometimento com a resposta dada.

Na tabela 6, abaixo, registramos a presença dos atenuadores na aplicação do QFF aos timorenses, obtivemos um elevado número de ocorrências de marcadores hedges, o que pode significar uma grande preocupação por parte dos entrevistados em preservarem sua face, pois segundo Brown e Levinson (1987) esses tipos de modalizadores são capazes de modificar a força ilocucionária, o desejo do falante de não se impor, usando uma estratégia de polidez negativa.

Verificamos que as formas de atenuação, assim como a utilização de hedges apresentam várias formas de se manifestar na superfície do texto, contudo é necessário destacar que embora tenhamos analisado-os na perspectiva da polidez, eles não se restringem a essa caracterização, a melhor forma de se verificar a sua aplicação parece ser observá-lo dentro do contexto de uso da língua.

Tabela 6-Ocorrências de Marcadores de Atenuação nas entrevistas com os timorenses.

MARCADORES NÚMERO DE

OCORRÊNCIAS

01 Marc. Hedges “digamos”, “sei lá”,

“não sei”; 346

02 Marc. distanciamento ”parece”, “é

possível” “diz/dizem que”, etc; 00

03 Marc. de opinião “acho que”, “creio

que”, tenho impressão”, “talvez”, etc; 08 04 Marc. de rejeição “não que eu saiba”,

“se não me engano”, etc.) 00

SOMA 354

Fonte: Elaboração da autora.

Neste item, no entanto, foram elencados marcadores de atenuação usados como estratégias de polidez linguística. Fragmento 2 exemplifica esse uso.

Fragmento 2

Doc.1: qual o san/ o que se comemora é::: na na data a a festa desse santo‟ casamenteiro” cê sabe o nome desse santo” (autor)

73H+CVQFF: não tenho certeza

Para evitar comprometimento, o entrevistado utiliza um marcador que atenua a ameaça à face do seu interlocutor não tenho certeza, deixando claro que não quer cometer um FTA.

Esses marcadores abarcam tanto expressões verbais, locuções adverbiais e frases consideradas prefaciadoras ou posfaciadoras. São bastante recorrentes nas interações face a face. Além de traduzir a cosmovisão do locutor, expressa também a sua incerteza ou insegurança a respeito do que diz.

No corpus estudado encontramos as seguintes expressões verbais: (eu) acho (que), (eu) suponho, (eu) acredito (que), (eu) penso (que), eu considero (que), eu sinto que. Suas ocorrências foram observadas nas três posições (inicial, medial e final). Os verbos que compõem essas expressões se referem ao conhecimento do falante e a forma como ele avalia o que diz. Brown e Levinson (1987) consideram essas expressões como hedges, palavra ou expressão ou grupo nominal que pode ser parcialmente verdadeiro, ou melhor, que pode ser verdadeiro em alguns aspectos, mas não em sua totalidade ou, ainda, como hedges de força ilocucionária.

Usar esses marcadores é uma forma de evitar o comprometimento com o que diz o enunciado, no dizer de Brown e Levinson (1987) é uma forma primária e fundamental de desarmar a ameaça na rotina interacional. Assim, equaliza a ação endereçada ao interlocutor, agindo de forma respeitosa, utiliza-se da polidez negativa, o cerne do comportamento respeitoso.

Fragmento 3

DOC. 1: Dario (+) qual o tipo de moradia mais comum aqui da região” (+)

16H-CVQFF: Ah/ essa eu conhe/Pra vê se eu conheço o:: tipo de moradia tipo de moradia mais

comum acho que é: apartamento/acho que é apartamento né”

DOC. 1: apartamentos” tem outros tipos de moradia que as pessoas tem:: 16H-CVQFF: [usam na

região”

DOC. 1: [utilizam

16H-CVQFF: Oh/ah acho que mais comum mesmo é apartamento (+) MAS acho que varia também

((muito rápido)) porque tem o centro tem a periferi:a/na periferia as pessoas usa mais o sistema familiar aí/usam tem mais casas de:: de telha né/ aí é o mais comum Mas acho que aqui no centro é apartamento.

No fragmento 4, abaixo, o entrevistado 4H+CVQFF utiliza um marcador de opinião (acredito que não), um recurso para evitar o comprometimento com o que é enunciado, uma vez que se trata de um tema que desconhece devido às suas convicções religiosas, ao mesmo tempo que evita um confronto direto com o documentador. A interação verbal em si já pressupõe um caráter dialógico, se há intercâmbio entre os indivíduos, há também a necessidade de se ajustar continuamente no decorrer da interação, de alinhar-se ao comportamento do outro. Neste caso em particular, diante da insistência do documentador em

tratar de um tema que deixava o interlocutor pouco à vontade, há a necessidade de alinhar-se ao contexto, mesmo que este fosse pouco favorecedor, por essa razão, acontece o „riso‟ que disfarça a tensão existente no momento da interação.

Fragmento 4

DOC.1: você lembra o nome desse santo” ((rindo))→autor 4H+CVQFF: acredito que não ((rindo))

Subjaz ao uso do marcador, no fragmento acima, a ideia de que o entrevistado manteve um comportamento respeitoso, paciente diante de toda a pressão feita pelos documentadores, oferecendo-lhe pistas que o levassem ao nome do santo sobre o qual perguntavam.

Com o objetivo de neutralizar ou minimizar qualquer reação desfavorável do interlocutor, o locutor se antecipa utilizando marcadores que o auxiliem na prevenção contra um conflito, ou uma má interpretação. Consideramos o uso desses marcadores semelhantes ao procedimento que Kerbrat-Orecchioni (2006) chama de desarmadores em que “se antecipa uma possível reação negativa do destinatário”. Casos como “não queria te importunar, mas...”, “sei que você não gosta de emprestar seus discos mas...”, “Espero que não me interprete mal, mas...”.

No fragmento abaixo, registramos um exemplo ocorrido do marcador de rejeição, ou de uma forma desarmadora ocorrida na fala do Doc.1, embora a pesquisa incida sobre a fala dos entrevistados, é constante o uso de estratégias de polidez pelos documentadores.

Fragmento 5

Doc.1: nas festas de igreja‟(+) você diz que é agnóstico‟ mas eu acredito que você vê isso AQUI‟ as

pessoas fazendo caminhada levando um santo‟

19H+CVQFF: certo

O reconhecimento por parte do documentador de que a pergunta não se adequaria ao entrevistado 19H+CVQFF por causa do seu ceticismo religioso, é uma forma de “desarmá- lo”, de não invadir o seu território pessoal, de preservar a sua face negativa, ao mesmo tempo que o documentador trabalha em favor da sua própria face positiva, como aquele que respeita o território do outro. Galembeck (2005) assinala a importância desse tipo de marcador no decorrer da interação por resguardar o falante de possíveis objeções e críticas.