• Nenhum resultado encontrado

Mapa 4-Mapa de Cabo Verde

2.2 Novos enfoques nos estudos sobre polidez

2.2.2 Polidez e interculturalidade

Segundo Leech (2005), pesquisas acerca da polidez linguística seguindo uma abordagem pragmática começam a ser desenvolvidas por Leech (1977) e Brown e Levinson (1978)30. O pioneirismo desses autores possibilitou o reconhecimento do seu trabalho e ampla divulgação por aqueles que se interessaram pelo assunto posteriormente. Contudo, na mesma medida do reconhecimento, vieram as críticas. Brown e Levinson foram criticados pela inclinação de seu modelo para uma visão anglo-ocidental da supremacia do indivíduo em detrimento à orientação da cultura oriental que se centraria em uma relação grupal, como na China e no Japão, pela relação dos atos ameaçadores da face dos interagentes do discurso (FTAs).

Foi atribuído a Leech (1977) e a Brown e Levinson (1978, 1987) o caráter universalista da polidez. Leech (2005) afirma nunca ter feito qualquer reivindicação de universalidade no seu modelo de polidez, assumindo ter mencionado um quadro em que estudos contrastivos de estratégias pragmalinguísticas poderiam ter se realizado. Em relação a Brown e Levinson, menciona que eles também têm sido caricaturados, pois embora se comprometam com a posição universalista, eles também enfatizam as dimensões da intercultura/variação linguística.

Segundo Leech (2005), o uso de polidez na comunicação depende de vários fatores entre os quais estão: a língua, o meio social ou cultural. Assim, a polidez pode ser linguística ou socioculturalmente orientada, dependendo dos fatores que se focalizam. A primeira denomina pragmalinguística, e a segunda, sociopragmática. Em geral, o código linguístico de polidez e os valores culturais que permitem ao falante se expressarem reforçam- se mutuamente, mas pode haver alguma incompatibilidade.

O plano pragmalingüístico de polidez é codificado principalmente através dos recursos morfológicos, sintáticos e lexicais de diferentes línguas, como formas honoríficas,

verbos modais, omissão de primeira e segunda pessoa de referência, entre outras. Contudo, é necessária a atenção para as formas altamente convencionalizadas, pois estão suscestíveis à perda da força de expressividade.

O plano sociopragmático da polidez refere-se ao peso dos valores a serem transmitidos por meio de escalas. Essas são bastante gerais para as sociedades humanas, mas os valores variam de cultura para cultura. A variação é simultaneamente quantitativa e qualitativa. Segundo Leech (2005), as diferenças quantitativas nas escalas influenciam a norma de polidez e devem ser tomadas como provisórias, exemplificando o fato da modéstia ter um nível mais alto em japonês ou em coreano do que em sociedades “Anglo”, possuidora de um nível mais alto de tato. Ressalta que as generalizações estereotipadas são excesso de simplificações, contudo a teoria não possui uma estrutura para comparações interculturais da pragmática da polidez a este nível. As diferenças qualitativas por sua vez influenciam a norma de polidez, por exemplo, a distância social é interpretada diferentemente para os chineses e para os britânicos. Brown e Levinson (1987) envolvem fatores como idade, status social na distância vertical. Nas culturas chinesa, coreana e japonesa, segundo Leech (2005), a idade é muito importante como um índice na escala de poder.

Existem diferenças condicionadas por vários fatores, como: a) diferenças intra e intergrupos; b) diferenças entre os direitos e obrigações socialmente definidos (como de pai e filho, passageiros e motoristas) na sociedade japonesa, por exemplo, existe um alto grau de deferência e obrigação do pessoal de serviço para atender os clientes (por exemplo, em hotéis e lojas), embora essa manifestação de polidez no Japão já esteja ameaçada pela influência da "cultura jovem"; c) diferenças na avaliação do peso - avaliação do peso pode variar de cultura para cultura. Por exemplo, guarda-chuvas no Japão, na Rússia, cigarros, carros nos EUA podem ser facilmente emprestados ou doados (relativamente falando).

Para Ndoleriire (2000), a comunicação entre outros grupos pode constituir um processo complexo, principalmente em interações face a face. Ressalta que a compreensão do processo de comunicação intercultural é essencial para se compreender as relações humanas em qualquer parte do mundo, contudo na África “com sua imensa diversidade social, cultural e econômica, espalhada por mais de cinquenta países, onde cada um deles se encontra em diferentes estágios no processo de sua estruturação como nação” (MACEK, 2007, p.53) parece ter um papel determinante.

Assim, para Ndoleriire (2000, p.268), “compreender a comunicação intercultural é uma tarefa importante, especialmente se um país está em processo de integração nacional e

construção da nação.”31 Esse autor menciona que qualquer debate sobre comunicação

intercultural envolve, naturalmente, língua e cultura, para isso exemplifica com o caso na Europa e da América do Norte que compartilham a mesma cultura (moderna ou ocidental), mas que apresentam uma grande variedade de línguas, muitas até incompreensíveis entre si.

Assim, para Ndoleriire (2000), a extensa interação tem causado convergência cultural entre grupos linguisticamente diferentes. E, nesse sentido, pode-se dizer que a comunicação é um dos elementos que a cultura abarca, sendo esta mais abrangente e congregando várias outras funções32. No entanto, não se pode deixar de considerar a ampla relação existente entre língua e cultura, pois reflexos linguísticos, paralinguísticos, verbais e não verbais estão na base cultural que se manifesta através da linguagem humana e, na África especialmente esses aspectos se fazem sentir pela sua expressividade, pela riqueza de sua linguagem e pelas muitas línguas que servem de veículo para a sua comunicação.

Na África os fatores não verbais, como a distância ou a proximidade física entre os participantes de uma interação verbal, baseados na análise da proxêmica, parecem ser muito importantes numa interação. Segundo Macek (2007, p. 57):

Em algumas sociedades, a distância física é determinada pela hierarquia social. Assim, pode não ser apropriado para uma criança permanecer muito perto de um adulto durante uma discussão, um subordinado ficar muito próximo de um chefe ou um aluno aproximar-se muito do professor, a menos que sejam autorizados a se aproximarem. Do mesmo modo, dependendo do tipo de relacionamento interpessoal, pode não ser apropriado um homem permanecer muito próximo de uma mulher numa interação comunicativa, pois caso isto ocorra, o fato pode levar a um mal- entendido que, por sua vez, pode comprometer a fluidez da comunicação.

Ndoleriire (2000) ressalta que muitos desses valores desenvolvidos nas sociedades africanas vêm se perdendo ao longo dos anos, contudo alguns persistem, principalmente em situações de maior formalidade, exemplifica com uma situação em que Nelson Mandela (durante o seu mandato de presidente da África do Sul) fez uma visita a Uganda e a vice- presidente de Uganda, Dra. Speciosa Wandera-Kazibwe, responsabilizou-se em servir como sua interprete do então presidente em aparições públicas. Nessa ocasião, para demonstrar respeito, ajoelhava-se diante do presidente quando trazia seus pronunciamentos.

Devido às dimensões africanas, é possível observar aspectos bem controversos. Há, por exemplo, várias sociedades que não admitem o beijo em público. Outras, que tiveram

31 Understanding cross-cultural communication is an important task, especially if a country is in the process of

national integration and nation-building (2000, p.268).

32 Segundo Mazrui (2000), a comunicação é apenas uma das sete funções que a cultura desempenha, dentre as

quais elenca: 1. Cultura como uma lente de percepção e cognição; 2. Razões para comportamento; 3.critérios de avaliação;4. Uma base para identidade; 5. Um modo de comunicação; 6. Uma base de estratificação. Sendo assim, a cultura é muito mais abrangente

influências francesas, cumprimentam-se ou se despedem com um beijo, principalmente em áreas urbanas. Na África do leste, é comum o cumprimento por meio de um abraço, sejam pessoas do sexo oposto ou do mesmo sexo, desde que tenham certa proximidade.

A altura da voz, como um elemento paralinguístico, em muitos grupos étnicos em Uganda, principalmente em grupos originários do bantu, pode indicar simpatia com o interlocutor, quanto mais alta, maior a simpatia, isso quando se trata de interlocutores que detém o mesmo status, ou o interlocutor tiver um status inferior ao do locutor, ou quando se refere a crianças. Já em baganda, a altura da voz aumenta à medida que se aproxima da finalização do cumprimento.

Macek (2007) afirma que, em várias sociedades, tanto a intensificação da altura da voz quanto a sua redução pode ser significativa, dependendo das circunstâncias podem indicar alegria ou raiva, medo ou respeito. A velocidade da voz, também, pode ser encarada por algumas sociedades como motivo de reconhecimento das habilidades linguísticas, demonstrando domínio e articulação. Particularmente na África, os elementos paralinguísticos ou paraverbais e não verbais possuem uma reconhecida importância.

Ndoleriire (2000) sintetiza a inter-relação entre língua e cultura relevando a aprendizagem dos valores, crenças, normas, visões e padrões de comportamento como resultantes das interações verbais. Da mesma forma que os grupos expressam suas identidades culturais, seus comportamentos sociais, através da língua ou de uma variedade linguística. Por outro lado, o contexto cultural de uma sociedade está presente nos significados socioculturais nas unidades linguísticas e nas variedades linguísticas, em convenções discursivas como os cumprimentos, expressões de agradecimento, camaradagem, consideração, apreço, enfim expressões de cortesias.

Em vista disso, deve-se considerar que as características discursivas como aspectos linguísticos, paralinguísticos, não-linguísticos, esquemas de interpretação, pistas de contextualização, entre outros, são culturalmente determinados, assim, há partes da África em que a proximidade ou distância física do interlocutor, como já mencionado, é bastante relevante. No Brasil, de forma generalizante, a proximidade é bem tolerável, principalmente quando há intimidade entre as pessoas. No entanto, enquanto na África a elevação da voz pode mostrar simpatia, no Brasil tem um efeito inverso, caracterizando-se como impolidez.