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Mapa 4-Mapa de Cabo Verde

2.3 A análise da conversa e suas influências

2.3.1 Os marcadores conversacionais

Os marcadores conversacionais, também chamados por Marcuschi (1989) marcadores pragmáticos, apresentam muitas funções, muitas podem se sobrepor, ou seja, podem apresentar mais de uma função simultaneamente. Dadas às multiplicidades de funções e características, resultam, também, definições diversas. Keller (1979) chamou-os gambitos, e considerou impossível citar uma lista completa, pois, dependendo da definição de marcador pragmático, essas formas podem ser bastante diferentes. Afirma que “essas expressões geralmente consistem de elementos verbais ou nominais que permitem manipulação morfológica” (KELLER, 1979, p.222).

Para Castilho (1986, p.8), marcadores conversacionais são operadores conversacionais que servem para “designar as execuções verbais, às vezes, esvaziadas de conteúdo semântico e de papel sintático, irrelevantes para o processamento do assunto, porém indispensável na tarefa de engajamento numa conversação”. Assim como Castilho (1986), Preti (1987, p.3) define os marcadores ou operadores conversacionais como “vocábulos ou expressões estereotipadas, quase sempre desprovidas de valor semântico e de papel sintático, que funcionam como elementos de interligação para os vários segmentos do discurso.”

Marcuschi (1989) considera os marcadores como expressão da fala, que “[...] operam, simultaneamente, como organizadores de interação, articuladores do texto e indicadores da força ilocutória, sendo, pois, multifuncionais [...]34”. (MARCUSCHI, 1989, p.282). Castilho (1989, p.273) ressalta, também, a multifuncionalidade presente nos marcadores, embora destaque que há características em comum entre eles, como a de organizador do texto, a qual considera uma espécie de hiperfunção dos marcadores.

Para Marcuschi (2003), existem relações estruturais e linguísticas entre organização da conversação em turnos (quando um falante está de posse da palavra e a cede ou deixa que o interlocutor a tome), acreditando que os marcadores do texto conversacional são específicos e com funções tanto conversacionais quanto sintáticas. Subdividiu os marcadores em três tipos:

(a) verbais – “formam uma classe de palavras ou expressões altamente estereotipadas, de grande ocorrência e recorrência, não contribuem com informações novas [...] Alguns não são lexicalizados: „mm‟, „ahã‟, „ué‟, etc.” (MARCUSCHI, 2003, p. 62-63);

34 Isso se dá segundo Marcuschi (1989) porque o uso da língua na interação verbal ocorre com aplicações de

(b) não-verbais – chamados, também, de paralinguísticos, são constituídos por gesticulações, olhares, risos;

(c) supra-segmentais – são representados pelas pausas35, tom de voz, entonação.

As funções exercidas pelos marcadores são de “elo de ligação entre as unidades comunicativas e de orientadores dos falantes entre si.” (MARCUSCHI, 2003, p. 63). Aponta duas funções específicas: (1) funções conversacionais e (2) funções sintáticas.

Os marcadores conversacionais foram ignorados por muito tempo, geralmente tratados como um defeito, uma deformação da fala resultante da falta de planejamento da oralidade. As gramáticas tradicionais36 privilegiavam a língua literária, abstraindo exemplos de textos escritos e primordialmente dos romances de autores renomados e as palavras que não se encaixavam na classificação canônica das classes gramaticais eram incluídas em outro grupo sob o rótulo de “palavras denotativas”. Urbano (2010) ressalta a grande frequência, convencionalidade e idiomaticidade que esses elementos possuem, embora não integrando o conteúdo cognitivo do texto, mas contribuindo para proporcionar coesão e coerência ao texto oral, principalmente sob o enfoque conversacional.

No interior de uma conversação, relacionando tanto aos elementos intrínsecos aos textos quanto à relação interpessoal dos interagentes, funcionam

como articuladores não só das unidades cognitivo-informativas do texto como também dos seus interlocutores, revelando e marcando, de uma forma ou de outra, as condições de produção do texto, naquilo que ela, a produção, representa de interacional e pragmático. Em outras palavras, são elementos que amarram o texto não só como estrutura verbal e cognitiva, mas também como estrutura de interação interpessoal. Por marcarem sempre alguma função interacional na conversação, são denominados marcadores conversacionais. (MARCUSCHI, 1989, p.282; URBANO, 2010, p. 98, grifo do autor).

A denominação marcadores conversacionais vem da percepção de Marcuschi (1989) de marcar sempre uma função interacional, como por exemplo, de opinião (esses

35 Rath (1979 apud MARCUSCHI, 2003, p.63-64) dividiu as pausas em dois tipos: pausas sintáticas e não-

sintáticas. As primeiras foram subdivididas em dois subgrupos: a) de ligação: substitui um conector, como “e”, “então”, “mas”, exercem função interna da unidade. b) de separação: serve para delimitar ou separar unidades comunicativas, geralmente sucede um sinal de fechamento da unidade ou de redução do tom de voz. As segundas formam dois subgrupos: a) de hesitação: podem ser idiossincráticas, preenchidas ou não, ou estarem servindo para o planejamento verbal e têm uma motivação sobretudo cognitiva; b) de ênfase: possui valor de sinalizadores do pensamento, reforçando-o ou chamando a atenção. Essa classificação por vezes pode causar alguns problemas, como a coincidência de função sintática entre as pausas de separação e de hesitação. Outras vezes as pausas de hesitação podem apresentar semelhanças com as de ligação.

36 Said Ali, em 1930, foi uma exceção entre os gramáticos, sua perspicácia o fez perceber a existência desse

fenômeno da fala, o qual denominou de “expressões de situação”. Said Ali fez um estudo sobre marcadores lexicalizados como mas, agora, sempre, não é, pois é, pois vá lá, pois sim, pois não, pois, pois então, que quer que eu faça, você sabe, dentre outros.

marcadores podem cumular mais de uma função, muitas vezes servem para denotar a atenuação da atitude do falante)37: eu acho que, eu tenho a impressão de que”, para preencher pausa: ahn ahn (geralmente produzido pelo ouvinte) entre muitas outras. A partir dessa perspectiva, reconhece-se a importância do marcador conversacional para a eficiência de uma interação face a face, sendo imprescindível considerar esses elementos conectores para o bom entendimento do texto oral. Veja esquema do aspecto formal proposto por Urbano (2010).

Quadro 4-Esquema do Aspecto Formal dos Marcadores.

lexicalizados (sabe?) - verb ais não-lexicalizados (ahn)

linguísticos

- prosódicos (pausas, alongamentos)

marcadores

não-linguísticos (ou paralinguísticos) – olhar, risos, etc. simples (sabe?)

marcadores compostos ou complexos (quer dizer, no fundo)

oracionais (acho que) combinados (mas acho que)

Fonte:URBANO (2010).

Observando o esquema, pode-se verificar a diversidade que os marcadores apresentam em relação à forma, primeiramente com uma divisão macro entre marcadores linguísticos e não linguísticos. Dentre os linguísticos, tem-se a possibilidade de duas formas as verbais e as prosódicas. As verbais são representadas por termos lexicalizados ou não; já as formas prosódicas estão no ritmo e na musicalidade da fala, representadas pelas pausas e alongamentos. Os não-linguísticos são elementos que não estão no nível do signo, mas que ainda assim tornam a comunicação mais completa e rica fazendo perceber algumas nuances, muitas vezes, imperceptíveis só pela veiculação das palavras.

Ainda a partir do esquema, apresentado acima, podem-se perceber formas simples, compostas, oracionais e combinadas. As formas simples são formadas por apenas um lexema ou para-lexema, como ocorre com as formas interrogativas, com os advérbios, verbos, adjetivos, conjunções e pronomes; já as formas compostas são sintagmas, frequentemente,

37 Os marcadores conversacionais participam da dinâmica interativa sendo comum acumularem mais de uma

estereotipados, como “tá certo”, “que coisa né”, “sim mas”, entre outras formas; as formas oracionais “eu acho que”, “não sei não”, entre outras.

Os marcadores, embora bastante recorrentes nas interações verbais, não formam uma classe gramatical „autônoma‟, são vistos, muitas vezes, de forma preconceituosa, como uma deformação da fala. Marcuschi (1989) detectou que os verbos cognitivos, emotivos, de percepção, copulativos, atuam como marcadores discursivos. Com base em Castilho (1989), construiu-se o quadro abaixo mostrando os marcadores que são constituídos por verbos.

Quadro 5-Marcadores constituídos a partir de Verbos.

COGNITIVOS EMOTIVOS PERCEPÇÃO COPULATIVOS

Verbos epistêmicos ou

“cogitandi”. São os verbos de “affectuum”. Verbos que ajudam a perceber, identificar.

Aparecem nas construções “Ser + N”, e nas expressões estereotipadas. Saber, entender, compreender.

Gostar, preferir. Ver, ouvir, olhar “Ser que” - Olha... ... eu... como

você sabe/

- porque a gente vê aí na televisão sistematicamente uma orientaçãozinha do governo...

subliminar.../ não sei o que lá

- espera aí deixa eu ver uma coisa... eu acho o seguinte...

Gostaríamos que.../

vocês falassem /.../ Veja bem/ desse jeito a coisa não dá. Ouça aqui/ você vai fazer o seguinte. Olha/... eu... como você sabe.../

Eu comecei (...)/ é claro.

por isso mesmo é que porque há muita liberalidade/ né?

Fonte: Castilho (1989).

Como os marcadores não constituem uma classe autônoma, podem ser representados por várias classes gramaticais. Acima se mostraram casos em que os verbos figuravam marcadores. No quadro a seguir, têm-se outras classes que figuram como marcadores.

Quadro 6-Marcadores conversacionais por classes gramaticais.

CLASSES EXEMPLOS38

Advérbios de oração agora/ vamos usar um termo... então a minha fuga (...) certo/ não existe passado

Interjeições e palavras exclamativas ah.../ isso evidentemente que influenciou/ entende?

Como é/ você Vai ou não vai hein? Classes intranucleares mas assim a tua reação assim emocional... Fonte: Elaborado a partir de Castilho (1989).

Marcuschi (1989) observou que os marcadores lexicalizados das unidades discursivas são menos frequentes em diálogos assimétricos, “com ganhos para o material constante do núcleo e consequente ocorrência de turnos mais longos, e em maior nos diálogos simétricos, com consequências opostas”. (MARCUSCHI, 1989, p. 270).

Já se destacou que os marcadores podem acumular mais de uma função. Quanto à funcionalidade desses elementos, Castilho (1989) reconhece dois tipos: os marcadores interpessoais e os ideacionais. Os primeiros visam administrar a posse da palavra (a posse do turno), servem para assinalar a abertura, a passagem, a tomada, a manutenção e encerramento de turno39. Os marcadores interpessoais de abertura, são utilizados nas pré-sequências, como “olha ... (1ª), “escuta”, “vem cá”, “nós queríamos saber”, “e aí?”, (ii) Nas sequências de proposta de assunto (“vamos dizer o seguinte”), de aceitação (“bom”, “tá”, “tá certo”) e de recusa (“negativo”, “desculpe...mas”, “tá certo...só que”. (CASTILHO, 1989). Os de passagem são próprios da mudança de turno, quando o falante franqueia o turno para seu interlocutor, é comum nesse contexto o aparecimento de “agora”, “agora é sua vez”. (CASTILHO, 1989). Já a tomada de turno pode ser assinalada por “ah não!”, “mas espera aí um pouco”. A manutenção da interação pode ser feita por meio de marcadores, como “como eu dizia” “e isso não é tudo” e o encerramento do turno ou a despedida é sinalizado muitas vezes por meio de expressões como “tá bom”, “depois nos falamos”, “foi bom”, “valeu”.

Os marcadores ideacionais são utilizados pelos falantes para negociar e desenvolver um determinado tema. Castilho (1989) agrupa-os de acordo com a sua funcionalidade, assim, há aqueles que servem para fazer a “negociação do tema” (“bom”, “então”); os de aceitação ou recusa do tema (“tá bom”, “corta essa”, “lá vem você de novo”); mudança ou retomada do tema (“agora me lembro”, “voltando agora ao ponto”), tipificação do tema (“não é?”, “pô!”); ênfase de um aspecto do tema (“o principal nisto é que”, “o mais importante”, “antes de tudo”); atenuação de um aspecto do tema (“isso é secundário”, “basicamente”, “num certo sentido”, “de certa forma”, “praticamente”); sistematização do tema (“primeiramente”, “em seguida”); encerramento do tema (“bom, chega disso”, “numa palavra”, “sei lá”).

Mediante a uma diversidade de classificações dos marcadores conversacionais, optou-se, nesta tese, por trabalhar com dois grupos: a) marcadores linguísticos (marcadores de atenuação, de aprovação ou concordância, de argumentação, de busca de aprovação, de discordância e de identidade de grupo; b) marcadores não linguísticos (o „silêncio‟ e o „riso‟).

39 Expressões como “tá bom”, “depois nos falamos”, “foi bom”, “valeu” marcam o encerramento de um turno ou