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repensar o passado para pensar um futuro: identidade e ficção

III.4 Marguerite humeau

Artista de origem francesa e atualmente sediada em Londres, Marguerite Humeau (Cholet, 1986) estudou no Royal College of Art. O seu trabalho manifesta uma forte tensão entre o real e o ficcional tal como entre o tempo e o espaço. Partindo sempre de extensas investigações sobre o passado, a artista joga e especula sobre possíveis realidades alternativas: seja repensar ou recriar um passado histórico ou pensar e especular um futuro (que apelida também de promessa histórica), o que Humeau sintetiza afirmando que cria paralelismos entre diferentes tempos e lugares reanimando coisas e trazendo-

as para um outro tempo e lugar.94 Em resposta a ideias que considera mistérios

existenciais do universo95, levanta questões que não serão respondidas,

encaminhando uma reflexão sobre as mesmas potenciando diferentes perspetivas sobre o que poderia ou poderá ter acontecido no passado e/ou num futuro: “I started with one question again —the show was about eternal life and transitions from one life to another —and instead of proposing one solution, I tried to create various answers, in the form of sculptures or in the fresco and with the soundtrack, that could all together tackle the same idea but from different angles. To create enigmas instead of solving them. I wanted that, when one would enter the show, one would be confronted with different solutions to the same question, the enigma would then become unsolvable, the mystery filled with contradictions and paradoxes.”96

94. “Here 2017: Marguerite Humeau,” vídeo youtube, 30:46. “It’s Nice That”, 29 de agosto de 2017. https://www.youtube.com/watch?v=FZWSvQrJxNg&t=932s (acedido em julho de 2019), 95. Ibid.

96. Marguerite Humeau, entrevista de Eva Folks, “An interview with Marguerite Humeau,”

AQNB, (7 de setembro de 2015). https://www.aqnb.com/2015/09/07/an-interview-with-

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Desenvolve estas questões focando-se numa realidade visceral e

maioritariamente animal (geralmente incidindo mais sobre morfologia e anatomia animal), com uma referência direta às civilizações e estruturações humanas, mas tentando afastar-se da presença das mesmas. A artista declara que a certa altura achou que o cerne da sua investigação artística seria

mesmo esse, o de construir mundos paralelos onde não existissem humanos97

apenas outras criaturas que viveriam em outros contextos repensados por si. Os seus processos são sempre resultado de parcerias com biólogos, paleontólogos e zoólogos (entre outros), partindo de uma investigação e conhecimento do real à qual adiciona uma porção de ficção, criando assim realidades alternativas, especuladas por si e pelos investigadores que a acompanham. Segundo a artista, começa sempre com um mundo perdido ou desconhecido- um mundo, tempo, espaço ou criatura específica

que quer reavivar, reativar, reencenar, ou simplesmente investigar.98

Estas considerações são visíveis em projetos como The Opera of Pre-

Historic Creatures (2012) (figura 14), onde a autora, usando o passado(real ou

imaginado) como inspiração, tenta reconstruir funcionamentos orgânicos a partir de vestígios fossilizados de espécies extintas. Como os tecidos moles não fossilizam, a reconstrução baseia-se nas informações restantes como a

estrutura óssea.99 Com essas últimas, recria as estruturas físicas necessárias

à produção de som onde faz passar ar através de compressores, atingindo sons próximos ao que seriam existentes. Também na instalação Echoes

97. Ibid. 98. Ibid.

99. Emily Spicer, “Art Now: Marguerite Humeau: Echoes,” Studio International, fevereiro de 2018. https://www.studiointernational.com/index.php/marguerite-humeau-echoes-review- tate-britain (acedido em julho de 2019).

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Figura 14

Marguerite Humeau

The Opera of Pre-historic Creatures- Walking Whale

(ambulocetus), 2012

Imagem retirada de https://www.forbes.comsitesjonathonkeats/2016/08/08/ this-young-artist-is-reviving-voices-of-prehistoric-creatures-to-confront- mass-extinction/

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Figura 15

Marguerite Humeau

Echoes, 2017

Imagem retirada de http://moussemagazine.it/marguerite- humeau-tate-2018/ (acedido em agosto de 2019)

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(2017) (figura 15) recria não só a possível voz de Cleópatra, como também a possível linguagem que se pensa ter sido usada na sua altura e região. Neste último projeto está acentuada uma outra característica do seu trabalho,

a tensão entre vida e morte que a artista assume como indissociáveis100

, sendo que no processo deste trabalho se focou numa investigação sobre o fascínio pela transição entre vidas (e os rituais de morte como passagem) da civilização egípcia antiga.101

“Humeau’s installation is conceived as a confrontation between life and death, with the gallery transformed into part temple, part laboratory for the industrial production of an elixir for eternal life.” 102

Embora não represente concretamente o humano, são questões ontológicas que acabam por estar por detrás dos mistérios que Humeau nos traz – seja o desenvolvimento da senciência, da linguagem ou de elixires da vida para alcançar a imortalidade. De suma relevância para este relatório de projeto é essa vontade existencial de procurar a essência das coisas através de uma investigação sobre os diversos processos de desenvolvimento

das espécies, sempre num clima de tensão entre vida e morte103. Entre uma

elevação extraterrestre atemporal e um confronto com o terreno.

“What I wanted was to create works that would have a universal aura, trying to bridge different times, spaces, history, trying to confront different civilisations. I am trying to get to the essence of things and to

100. “Here 2017: Marguerite Humeau” 101. Ibid.

102. “Confront nature’s lethal powers in a hypnotic yellow environment devised from black mamba venom,” Tate Britain, 2017. https://www.tate.org.uk/whats-on/tate-britain/exhibition/ marguerite-humeau-echoes (acedido em julho de 2019).

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see if there are patterns in the history of humanity or of the universe.”104

Tal como em Nazareth Pacheco (analisada no sub-capítulo II.2), os

seus projetos apresentam um aspeto de limpeza clínica e laboratorial que é contrariado pelos conteúdos sugeridos. Apesar dessa limpeza, os objetos são de uma realidade mais sórdida e um pouco aterrorizante por criarem uma estranheza misteriosa e tocarem o desconhecido, encontrando-se num limbo entre prazer e angústia, como também é exemplo o trabalho de Rebecca Horn (analisada em III.2).

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