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da potência do corpo ao controlo da máquina

III.2 rebecca horn

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Figura 10

Rebecca Horn

Measure Box, 1970

Staatsgalerie Stuttgart. Imagem retirada de https://www.pinterest.pt pin/327636941639356004/?lp=true (acedido em agosto de 2019)

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experimentos estão confinados à extensão espacial de sua própria experiência física.”76

Começa a criar objetos para o corpo (maioritariamente para o seu, mas não

só) com os quais realiza ações. O que publica destas ações privadas são registos fotográficos e vídeos ou os objetos usados, que são posteriormente reservados em caixas. As performances que realiza indicam uma vontade de extensão e melhoramento do corpo, com o uso de objetos-próteses que proporcionam ao corpo outra dimensão espacial e potenciam outros movimentos e interações com o espaço circundante. São exemplo Unicorn (1970-72), Moveable Shoulder

Extensions (1971) ou Scratching Both Walls At Once (1974-75) entre outras.

Embora o uso destes objetos seja uma tentativa de suplantar as capacidades do corpo humano, acabam por se demonstrar tecnicamente inúteis. O que faz com que haja uma reflexão sobre a limitação do corpo e da sua debilidade inerente. Esse conflito entre imobilização (impotência sobre o controlo e limitação do corpo) e mobilização aumentada está materializada em outros trabalhos da mesma época. Em White Body Fan (1972), a autora usa uma espécie de leque gigante comandado pelos seus braços que aumenta a sua envergadura e alude a uma ideia de asas. Esta impressão é contrariada pelas tiras que agregam o objeto ao seu corpo, que o aprisionam e imobilizam numa estética semelhante a coletes de força ou outros objetos do universo médico. Semelhantemente a este objeto, em Arm Extensions (1968) é novamente dada uma sensação de aprisionamento do corpo e sequente fixação ao chão/imobilização. Neste não só o tronco e membros inferiores são embrulhados com tiras, como também os

76. Doris Von Drathen, “No Ponto Zero de Turbulência: Um Diário de Viagem,” Rebecca

Horn- Rebelião em silêncio (2010):126, https://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/

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braços estão limitados e estendem-se apenas para tocar o piso inferior-como se de um apoio extra se tratasse. Rebecca Horn descreve esta ação como sendo um momento em que o movimento se torna impossível pois o corpo encontra- se enfaixado como uma múmia e estende-se em dois pilares basilares que o

equilibram e o fundem com o chão.77

Destas preocupações iniciais, começam a surgir outras mais relacionadas

com a relação do corpo com outros corpos e com máquinas. Na sua fase inicial, mesmo em White Body Fan há uma presença e semelhança ao funcionamento da máquina sobre o corpo. Parte da experiência, da análise e da reflexão sobre o movimento do corpo, para o movimento da máquina sobre e com o corpo. Dessa passagem é exemplo o seu trabalho Mechanical Peacock Fan (1978) que faz um paralelismo com White Body fan. Estas máquinas, que inicialmente se agregam ao corpo, saem dele e independentizam-se embora continuem a estabelecer relações com a ideia de corpo. Seguindo a mesma lógica, Horn exterioriza os movimentos internos do corpo humano – como é visível em Overflowing

Body Machine (1970) (figura 11) – para posteriormente os independentizar do

corpo-espaço para o espaço. Desta forma, “[a] circulação interna do corpo é (…) capaz de participar do grande fluxo e troca de energia universal”78

Essa ideia de fluxos energéticos é mais característica da fase mais recente do seu trabalho:

“Olhar para dentro dos corpos e meditar sobre o próprio caminho para eles torna possível deixar que eles se tornem paisagens que são permeadas com fluxos de energias, crateras pulsantes e formações

77. Lucy Watling, “Rebecca Horn- Arm Extensions”, Tate, agosto de 2012, https://www.tate. org.uk/art/artworks/horn-arm-extensions-t07857 (acedido em maio 2019)

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Figura 11

Rebecca Horn

Overflowing Blood Machine, 1970

Metal, vidro, plástico e bomba de água 167 x 72 x 43 cm

Coleção Tate, Londres. Imagem retirada de https://www.tinguely.ch/en/ ausstellungen/ausstellungen/2019/rebecca-horn.html (acedido em agosto de 2019)

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similares a montanhas. Embarca-se nessa jornada, mas não de um modo como o da ficção científica. Olha-se para um centro oculto, talvez o plexo solar, e seque-se o movimento circular ou as correntes de energia da respiração.”79

A artista começa a apropriar-se de espaços determinados construindo sobre eles o que poderia ser o seu interior visceral – como se de corpos ampliados se tratassem, simulando relações e funções biológicas entre elementos desses espaços. Exemplo desta fase do trabalho de Horn é The Inferno Paradiso Switch (1993), exibido paralelamente no museu Guggenheim e no museu Guggenheim Soho. Uma instalação dividida por dois espaços, que cria uma ligação entre os dois anteriores como se se tratasse de um curso de energia que percorre a cidade. Semelhante a esta apropriação do espaço é El Rio de la Luna (1993) (Figura 12 e 13)-uma instalação que parece ter um corpo central do qual emergem ligações que se espalham pelo espaço circundante, como uma exteriorização e

representação de fluxos emocionais de energia80. Estas relações são aqui feitas

com uma referência mais subtil e abstrata ao corpo, mas que parecem suceder da mesma preocupação sentida em Overflowing body machine.

79. Rebecca Horn, entrevista de Joachim Sartorius, “O Nascimento de uma Pérola”,

Rebecca Horn- Rebelião em Silêncio (2010):209, https://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/

CatalogoRebeccaHorn.pdf (acedido em maio de 2019) 80. “Rebecca Horn- Body Fantasies”

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Figura 12

Rebecca Horn

El Rio de la Luna(pormenor), 1993

Imagem retirada de https://www.tinguely.ch/en/ ausstellungen/ausstellungen/2019/rebecca-horn. html (acedido em agosto de 2019)

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Figura 13

Rebecca Horn

El Rio de la Luna, 1993

Imagem retirada de https://www.tinguely.ch/en/ ausstellungen/ausstellungen/2019/rebecca-horn. html (acedido em agosto de 2019)

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Retoma-se a questão anterior do corpo como objeto do sujeito e da relação corpo-máquina como potenciadoras das transformações ontológicas: Quais as consequências que estas novas perspetivas podem trazer para o ser humano?

Como Tucherman sugere, esta tendência para a transformação e

alteração do corpo humano encaminha o sujeito para muitas incoerências e confusões identitárias relacionadas com a noção de ser sujeito, de ser vivo, de ser humano e de estar neste mundo. A autora afirma que as três características determinantes do humano em perigo são a mortalidade, a singularidade e a sexualidade. O ser humano, até agora, “[ser singular e não duplicável, pode] cada vez mais aparelhar o corpo, a ponto de haver a pretensão de duplicar os corpos, isto é, de ter vários corpos simultaneamente, o que traz o imenso problema da

identidade.”81 Embora esta publicação de Tucherman tenha vários anos (primeira

edição em 1999), a realidade é que antecipava o que têm sido as transformações até à atualidade. Vejam-se os múltiplos casos divulgados e estudados em todo o mundo, pelo exagero quase psicótico, destas alterações e transformações do corpo que, em muitos casos, levam à morte. Como anteriormente mencionado, apesar disso, este tema não deixa de ser, igualmente, um grande negócio de interesses para várias indústrias.

Vejamos o caso da desmaterialização do corpo – ao ser possível a

realidade virtual numa totalidade de experiência, o corpo torna-se nulo e o sujeito ‘livre’ para superar todos os limites que o constrangiam. Poderá possuir o corpo – e os corpos – que quiser, podendo-se reinventar e multiplicar de todas as formas imagináveis. Estas possibilidades certamente têm afetado e afetam as relações

81. Tucherman, Breve História do Corpo e dos seus Monstros, 157

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