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EXISTENTIAL PHENOMENOLOGICAL ANALYSIS OF MANGA OYASUMI PUNPUN

2.1 Masumi Sek

No início do capítulo, Seki faz uma reflexão sobre a existência, ao afirmar: “[...] os humanos são livres, embora, não possamos voar pelos céus por conta própria [...] podemos dormir quando sentimos sono, somos livres para começar ou parar algo quando queremos” (ASANO, 2019, p. 9).

Figura 2 - Seki Liberdade

O personagem Seki traz uma reflexão sobre a liberdade do homem. Nesse sentido, cabe ressaltar que a liberdade é um dos conceitos fundamentais do Existencialismo e é entendida como uma escolha que ocorre a partir de um contexto ou situação. Dito de outro modo, a liberdade é constitutiva do homem, ele é condenado a ser livre, porque ele deve sempre escolher. Como afirma Sartre (2007, p. 595, grifo do autor), “[...] ‘ser livre’ não significa obter o que se quis, mas sim “determinar-se por si mesmo a querer”. Em outros termos [...] significa autonomia de escolha”.

No entanto, embora o homem seja livre, existem limitações que definem a sua condição no mundo. Então, o homem pode “nascer escravo [...] ou proletário [...] Tais limites não são subjetivos nem objetivos [...]” (SARTRE, 1987, p. 60). Portanto, a situação histórica e a natureza, dentre outros aspectos não podem, em muitos casos, serem modificados por completo, mas é possível o homem agir ou escolher dentro destes limites, pelo fato dele ser livre. Desse modo, pode-se dizer que o homem possui condicionamentos históricos, sociais, culturais, mas não é determinado por eles. Se o homem é livre, ele não é determinado, mas sempre aberto aos caminhos possíveis que ele pode escolher trilhar, existe, portanto, um movimento próprio da condição humana, seja no sentido de negar e superar as condições dadas, seja em ficar cômodo a elas.

No mangá Seki diz ser livre, mas não livre para escolher voar por conta própria, pois existem limitações fisiológicas que não permitem que ele tenha asas, mas mesmo que Seki não possa voar, ele continua livre para construir o seu ser a partir dos caminhos escolhidos que se apresentam dentro de sua realidade enquanto ser humano.

Em seguida, Seki percebe as consequências da liberdade, ele afirma que as pessoas sofrem por serem livres para escolherem, cada uma dessas escolhas produz efeitos tanto naquele que a faz quanto em seu mundo. Este seguimento do pensamento de Seki, as consequências que ele entende para a liberdade situacional, se aproximam do conceito de angústia sartriana. Segundo Sartre (1987), o homem ao se perceber como livre se angustia, pois ao escolher ele não escolhe só para si, escolhe também para todos os outros, “não há um único de nossos atos que, criando o homem que queremos ser, não esteja criando, simultaneamente, uma imagem do homem tal como julgamos que ele deva ser” (SARTRE, 1987, p.5).

Durante a reflexão de Seki, ele é interrompido por Shimizu, um outro colega de infância. Os dois saem em busca de dinheiro, pois como dito anteriormente, Seki vive de trabalhos aleatórios que aparecem. Ao caminhar pela cidade Seki encontra uma proposta de trabalho feita por uma mulher que deseja assassinar seu ex-amante, atraído pelo dinheiro, Seki aceita realizar esta tarefa.

Ao seguir seu alvo, o ex-amante, Seki vai até a estação de metrô. No meio da perseguição ele é impelido por uma nova reflexão existencial, ao observar as pessoas na estação de metrô, Seki não os percebe como humanos, mas como seres vazios, que se movem de acordo com o que o cotidiano exige

deles, sem se perceberem como livres e constituintes de sua essência. Nas palavras de Seki, “eles se movem e trabalham sem descanso como se fossem marionetes” (ASANO, 2019, p.9). Esta observação remete ao conceito de má-fé de Sartre.

Figura 3 - Seki Má-fé

Fonte: Mangá Oyasumi Punpun (2019)

A má-fé para Sartre (1987) é a mentira, não a mentira do senso comum da qual se entende como uma consciência cínica, onde o mentiroso conhece a verdade, e através de uma conduta dissimulada, esconde suas intenções. A má-fé pode ser entendida como a atitude que se assume a uma identidade rígida, a ponto de negar que exista uma possibilidade de ser algo diferente, ou seja, negar a própria liberdade de escolha. E ainda, pode ser compreendida como uma tentativa de fugir da condição de liberdade, pois ao associar-se a alguma imagem que se cria de si ou algum papel social de modo mecanizado pode-se tentar extrair a responsabilidade de assumir o modo autêntico da existência.

Conforme explicita Sartre (2007, p. 543) “na má-fé eu mesmo escondo a verdade de mim mesmo. Assim, não existe neste caso a dualidade do enganador e do enganado”, logo, a má-fé é fruto da própria consciência. O homem em sua existência usa da má-fé ao esconder de sua consciência a realidade, mudando a lógica dos fatos, através das mentiras e desculpas que dá para si mesmo, tornando-se um sujeito que não se apropria de sua liberdade e não se responsabiliza por suas escolhas. Seki percebeu que as pessoas na estação de trem estavam seguindo suas rotinas inertes de si mesmas, se determinando em um cronograma, seguindo um fluxo de costumes e ações automática, com isso, elas estavam deixando de tomar consciência de si e de se projetar de forma original em sua existência. Na continuidade da trama, Seki se depara com seu alvo e quando está prestes a empurra-lo, novamente é tomado pelo questionamento acerca de sua liberdade. Ele sabe que precisa matar o seu alvo e apenas a sua escolha determinaria se a vida de seu alvo iria ou não continuar.

Figura 4 - Seki escolha final

Fonte: Mangá Oyasumi Punpun (2019)

Na medida em que se depara com a absurdidade da existência, que é revelada pela possibilidade da morte do outro, os seus questionamentos o levam a refletir sobre quem ele foi e quem ele é, o que denota sua consciência ontológica. Ele se pergunta como poderia provar que ele é ele mesmo e que não está agindo sem ter consciência de si. Tal consciência é para Sartre (2013), o absoluto da subjetividade, isto é, o aspecto subjetivo indescartável da realidade. Segundo Sartre (2007, p. 432), este nada vem ao mundo pelo homem que ao questionar a si e ao mundo, constata o próprio nada, pois “ele é o que não é e não é o que é”, ou seja, constitui-se pela nadificação do em-si (do seu passado, de seu corpo, do mundo, das coisas que ele não é).

[...] compreender a possibilidade enquanto possibilidade ou ser suas próprias possibilidades é uma única e mesma necessidade para o ser que, em seu ser, coloca em questão o seu ser, ou seja, o homem. Ser sua própria possibilidade é definir-se como evasão de “si rumo a...”. Portanto, o homem é o ser que coloca perpetuamente seu ser em questão. Ao questionar-se, o homem transcende a situação em que está inserido, indo rumo a seus possíveis (SCHNEIDER, 2011, p. 30).

Além da consciência de si, a passagem de Seki remete a responsabilidade existencial. Prestes a empurrar o seu alvo, Seki enfatiza mais uma vez sua liberdade, ele sabe que irá matar o seu alvo, mas não por ser uma pessoa que teve condutas impróprias ou porque existe algum senso de justiça do qual deve punir suas ações. Desse modo, Seki nega até mesmo a ideia de que seu próximo ato possa ser parte de um plano divino, regido por uma figura religiosa, afirma que o homem criou um Deus para afastar de si suas responsabilidades. Assim, naquele momento, apenas a escolha de Seki determinaria se a vida de seu alvo iria ou não continuar, esta passagem final remete a responsabilidade das escolhas humanas, postulada por Sartre.

Conforme afirma Sartre (1987, p. 39) “[...] o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é

responsável por tudo o que faz”. Seki entende que sua decisão implica na responsabilidade, isto é, na sua resposta diante de suas escolhas.

Após tomar sua decisão, de não cometer o assassinato, Seki vai até um restaurante e volta a refletir sobre suas escolhas, neste momento ele percebe que teve um estalo, pois por muito tempo ele culpou os outros por conta dos erros de sua vida, mas coube a ele escolher os caminhos. Seki diz: “No fim o ressentimento que tive era só ressentimento contra mim mesmo” (ASANO, 2019, p.14), e assim, ele entende que cada pessoa construí e decide a sua própria história, uma vez que está em uma constante relação consigo mesma, com o outro e com o próprio mundo. Nesse sentido, Sartre (1987, p. 21) afirma que “o homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição, porque de início, não é nada. Posteriormente ele será aquilo que ele fizer de si mesmo”.

Sartre (2007) buscava por uma filosofia que não separasse o interior do exterior, e sim estabelecesse uma relação dialética entre eles, então ao se deparar com a fenomenologia de Husserl, onde o objeto e o sujeito estão em uma correlação, e, portanto, não existe uma dicotomia entre o indivíduo e o seu mundo, ele passa a entender o homem em uma correlação, uma vez que na a consciência do sujeito transcende e se dirige para o exterior, significando os objetos em-si percebidos no mundo, os desvelando. Está correlação coloca o homem como passivo das possibilidades de sua existência singular no mundo, pois ela se dá em um contexto que limita e contorna sua liberdade (as facticidades), e sujeito ativo enquanto suas próprias escolhas, frente as condições dadas, pois permitem que ele se aproprie dessa realidade, transcenda e exerça sua liberdade situacional. Nas palavras do filósofo: “O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição, porque de início, não é nada. Posteriormente ele será aquilo que ele fizer de si mesmo” (SARTRE, 1987, p.4). Seki em sua última aparição no mangá entende esta correlação fenomenológica e como ela se dá dentro das limitações de sua liberdade, a partir da vivência ele constrói os próprios significados para o seu mundo, e faz suas escolhas consciente de sua responsabilidade, a má-fé identificada anteriormente em Seki quando se encontrava na estação de trem se cessou, na medida em que o mesmo, tomou consciência de si e questionou a própria existência.

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