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1. Ciências da Descoberta 2 Filosofia (Cenoscopia)

1.1 Matemática

A filosofia requer pensamento exato, e todo pensamento exato é pensamento matemático. Peirce IN Carolyn Eisele. Peirce and Contemporary Thought. (Ketner, 130).

O primeiro ramo das Cièncias da Descoberta (Heurística) de Peirce é a Matemática.51 Como veremos, ela servirá de fundamento para a sua Fenomenologia52 – o

49 Ver Carolyn Eisele. Charles S. Peirce, Mathematician IN Peirce and Contemporary Thought – Philosophical Inquiries (Editado por Kenneth Laine Ketner; “Peirce e o pensamento contemporâneo – Investigações filosóficas”), New York: Fordham University Press, 1995, pp; 120-131. Para uma crítica ao texto de Eisele, especialmente à injusta apreciação que Peirce fez de De Morgan, ver Helena M. Pycior. Peirce at the

Intersection of Mathematics and Philosophy: A Response to Eisele (“Peirce na interseção da matemática e da filosofia: uma resposta a Eisele”). (Ibid., 133-145).

50 Para uma introdução – e visão geral da Matemática – sugerimos, além dos artigos da Britannica Encyclopaedia sobre The Foundations of Mathematics (“As fundações da matemática”; Vol. 11, pp. 630-639) – expondo os métodos Lógico, Formal e Intuicionista – e History of Mathematics (“A História da matemática”; ibid., pp. 639-670), recomendamos outras três obras: (i) Mathematics for the Nonmathematician (1967; “Matemática para não-matemáticos”) do professor de Matemática (emérito) da Universidade de Nova Iorque, Morris Kline, com seus 24 capítulos, cobrindo todas as áreas da Matemática, especialmente o Capítulo 24, que trata da “Natureza e Valores da Matemática” e de suas limitações. (ii) The Divine Proportion – A Study in Mathematical Beauty (1970; “A proporção divina – Um estudo sobre a beleza da matemática”) de H. E. Huntley, que revela porque Peirce conjuga a Matemática com a Primeiridade (Fenomenológica), a Estética (Normativa) e a Ontologia (Metafísica); e, (iii) “Uma história da simetria na matemática” (Rio de Janeiro:

Zahar, 2007) de Ian Stewart, cujo leitmotiv é o célebre verso de Keats (1795-1821): “A beleza é a verdade, a verdade a beleza” (“Ode sobre uma urna grega”). Chamo a atenção para a “simetria” na Arquitetônica de Peirce (ver “Diagrama” no “Apêndice 4”). Porém, para uma posição polêmica sobre a importância da Matemática em todas as Ciências (já tão altamente matematizadas), ver The Pernicious Influence of Mathematics on Science (“A perniciosa influência da matemática na ciência”), pp. 356-360 de J. Schwartz IN Logic, Methodology, and

Philosophy of Science, Ed. E. Nagel, P. Supples, A. Tarski, 1962. Diz ele: “Em sua relação com a ciência, a matemática depende de um esforço intelectual realizado fora da matemática para a especificação da aproximação que a matemática tomará literalmente”, quer seja, “[O] matemático converte em axiomas – e toma tais axiomas literalmente – o que para o homem de ciência são pressupostos teóricos”. (Mora, p. 1888)

51 Para leitura adicional sobre a Matemática na “Arquitetônica” de Charles S. Peirce, ver (1) Karl-Otto Apel. C.

S. Peirce and the Post-Tarskian Truth (“C. S. Peirce e a verdade pós-tarskiana”) em The Relevance of Charles

Sanders Peirce (“A relevância de Charles Sanders Peirce”; editado por Eugene Freeman). La Salle, Illinois: Monist Library of Philosophy, 1983; pp. 189-223; (2) Carolyn Eisele. Charles S. Peirce, Mathematician (“Charles S. Peirce, matemático”) em Peirce and Contemporary Thought – Philosophical Inquiries (“Peirce e o pensamento contemporâneo – investigações filosóficas”; editado por Kenneth Laine Ketner). New York: Fordham University Press, 1995, pp. 120-131; e a resposta a Eisele, (3) Helena M. Pycior. Peirce at the

Intersection of Mathematics and Philosophy (“Peirce na interseção entre a matemática e a filosofia”) em Peirce

and Contemporary Thought – Philosophical Inquiries (“Peirce e o pensamento contemporâneo – investigações

filosóficas”; editado por Kenneth Laine Ketner). New York: Fordham University Press, 1995, pp. 132-145; (4) Michael Otte. The Analytic/ Synthetic Distinction and Peirce’s Conception of Mathematics (“A distinção

analítico-sintética e a concepção da matemática de Peirce”) em Semiotics and Philosophy in Charles Sanders

primeiro ramo da Filosofia – e influenciará a Lógica (ou Semiótica)53 – o terceiro ramo da Filosofia e a Idioscopia, como teremos oportunidade de ver na Parte 2 deste trabalho, quando analisarmos as obras sobre Física, Bio-Química e Astronomia, de eminentes cientistas, com matemáticos (não tão célebres) antecipando, matematicamente, como é o caso da fórmula de Boltzman (S = k logV) para explicar a entropia de um sistema física em 1875, que Penrose define como “elegante”. (Cycles, p. 30)

No ensaio An Outline Classification of the Sciences (1903; “Um esboço de classificação das ciências”), Peirce dirá o seguinte: “A matemática estuda o que é e o que não é logicamente possível, sem se fazer responsável por sua existência real”. E, mais adiante, no mesmo ensaio: “A matemática pode ser dividida em (a) Matemática da Lógica; (b)

Matemática das Séries Discretas; e, (c) Matemática dos Continua e Pseudo-Continua”. (EP

2, 259) Kelly A. Parker (1998) expressa as divisões da Matemática peirceana de modo mais minucioso:

(1.1.1.) A Matemática das Coleções Finitas, por sua vez subdivididas em (A) A Matemática a Lógica, cujos sub-ramos são (A1) A Matemática Dicotômica; e, (A2) a Matemática Tricotômica;54

Marietti). Newcastle (Inglaterra): Cambridge Scholars Press, 2006, pp. 51-88; (5) Susanna Marietti. Semiotics

and Deduction: Perceptual Representations of Mathematical Processes (“Semiótica e dedução: representações perceptuais de processos matemáticos”) em Semiotics and Philosophy in Charles Sanders Peirce (“Semiótica e a filosofia de Charles Sanders Peirce”; editado por Rossella Fabbrichesi & Susanna Marietti). Newcastle (Inglaterra): Cambridge Scholars Press, 2006, pp. 112-127; (6) João Queiroz & Lafayette de Moraes. Grafos

Existenciais de C. S. Peirce: uma introdução ao Sistema Alfa na COGNITIO – Revista de Filosofia – Volume 2 (2001), pp. 112-133; (7) João Queiroz & Lafayette de Moraes. Introdução ao Sistema Beta dos Grafos

Existenciais de C. S. Peirce na COGNITIO – Revista de Filosofia – Volume 5.1 (Jan. a Jul. de 2004), pp. 28-43; (8) Susanna Marietti. Mathematical Individuality in Charles Sanders Peirce (“A individualidade matemática em Charles Sanders Peirce”) na COGNITIO – Revista de Filosofia – Volume 6.2 (Jul. a Dez. de 2005), pp. 201-208; (9) Matthew E. Moore. On Peirce’s Discovery of Cantor’s Theorem (“Sobre a descoberta de Peirce do teorema

de Cantor”) na COGNITIO – Revista de Filosofia – Volume 8.2 (Jul. a Dez. de 2007), pp. 223-248.

52 Ver The Maxim of Pragmatism (26\3\1903; “A máxima do pragmatismo”) em EP 2, 142. A dependência de

toda a Arquitetônica da Matemática é confirmada por Chritopher Hookway. Peirce – The Arguments of the Philosophers(“Peirce – Os argumentos dos filósofos”), p. 182: “A filosofia de Peirce tem um papel fundamental ao providenciar as fundações para todo o seu sistema, como se pode ver pela sua posição da matemática na classificação das ciências”. (p. 182) E como observador perspicaz, Hookway mostra por que: “O fundamento da interpretação da teoria matemática, quando é aplicado [à realidade] é icônico: a teoria em si é uma estrutura relacional de elementos dos quais são índices; e a teoria é aplicável a estados de coisas contendo isomorfismo entre a teoria matemática e a realidade à qual se aplica”. (Ibid., 191; nossa ênfase)

53“A lógica é guiada pela matemática”. Peirce. Philosophy and the Conduct of Life (1898; “A filosofia e a

conduta da vida”) em EP 2, 36. Em New Elements (1904; “Novos elementos”), Peirce dirá: “A lógica é uma ciência pouco afastada da matemática pura”. (EP 2, 311)

54 “As duas áreas da investigação matemática que Peirce denominou ‘dicotômica’ e ‘tricotômica’ compreendem

a matemática da Lógica (CP 4.307). A matemática dicotômica postula um universo de duas coisas, uma distinta da outra”. (Kelly, 42) Peirce já afirmara que “se não se suposesse coisa alguma, a matemática não teria qualquer fundamento (“ground”) sobre o qual se erguer; [...] consequentemente, a hipótese possível mais simples é a de

que há dois objetos” (CP 4.250; nossa ênfase), exemplarmente, “O verdadeiro e o falso”. Quanto à matemática

(B) A Matemática das Coleções Discretas, por sua vez subdivididas em (B1) Aritmética; e, (B2) Cálculo; 55 e,

(C) A Matemática dos Continua e Pseudo-Continua,56 por sua vez subdividida em (C1) Geometria Tópica; (C2) Geometria Ótica; e, (C3) Geometria Métrica. (Parker, 40)

No ensaio Philosophy and the Conduct of Life (1898; “A filosofia e a conduta da vida”), Peirce justifica o motivo pelo qual colocou a Matemática no topo da hierarquia das Ciências: “Eu colocaria a Matemática no topo por esta razão irrefutável, quer seja, a de que é a única das ciências que não se preocupa em investigar o que os fatos reais são, mas estuda exclusivamente hipóteses”. (EP 2, 35)57

Sabemos que, para Platão, “os entes matemáticos são análogos às ideias, mas não se confundem com elas: são intermediários entre a realidade sensível e a inteligível” (Mora, 1887) e que, portanto, o platonismo não é propriamente um realismo; (Ibid., ibidem) entretanto, vemos, no trecho abaixo, uma aproximação por parte de Peirce do platonismo58 - e, portanto, de Emerson, que tanto foi influenciado por Platão; aliás, Emerson escreveu um livro de ensaios em 1860 entitulado The Conduct of Life (“A conduta da vida”) -; leia-se o que Peirce declara no fim do dito ensaio:

[O] fim que a Matemática Pura está perseguindo é descobrir aquele mundo verdadeiro, potencial. (EP 2, 40)59 [...] As partes mais profundas da alma só podem ser alcançadas através de suas superfícies. Deste modo, as formas eternas, com as quais a matemática e a filosofia e as outras ciências nos familiarizam, haverão de, através de lenta percolação, gradualmente atingir o centro mesmo de nosso ser; e haverão de influenciar nossas vidas; e isso elas farão, não porque envolvam verdades de importância meramente vital, mas porque elas são verdades ideais e eternas. (EP 2, 41)

de Peirce, reduzida a três relativos, e que servirá de base às três Categorias – Primeiridade, Segundidade, Terceiridade – em sua Fenomenologia – e a todos os elementos Tricotômicos em sua Arquitetônica.

55 “A Aritmética é o estudo do ‘mínimo multitudino de coleções infinitas’, os números naturais; e o cálculo é ‘o

estudo das coleções do multitudino mais elevado’”. (Peirce IN Parker, 44).

56 Esta é a parte mais interessante da Matemática de Peirce. Este discorda do Contínuo de Cantor

denominando-o “pseudocontínuo”, posto que para Peirce, “há outra ordem de números além da série infinita de infinitos, coleções discretas que começam com o conjunto de números naturais” – o verdadeiro contínuo – que seria aparentemente maior do que qualquer outra coleção”. (Parker, 44) Como explica Parker, “o caráter definidor desta coleção não é seu tamanho, mas, ao contrário, o modo de conexão entre suas partes [que não seriam discretas]”. (Ibid., ibidem)

57 Isto ele confirma no ensaio The First Rule of Logic (21/2/1898; “A primeira regra da lógica”; p. 51).

58 Para um cotejamento entre Peirce e Platão – quanto ao symbolon e o apeiron -, ver o belo ensaio de Rossella

Fabbrichesi, Peirce and Plato (“Peirce e Platão”) em Semiotics and Philosophy in Charles Sanders Peirce (“Semiótica e a filosofia de Charles Sanders Peirce”; editado por Rossella Fabbrichesi & Susanna Marietti). Newcastle (Inglaterra): Cambridge Scholars Press, 2006, pp. 185-200.

Só assim se justifica o fato de ele ter colocado a Matemática no topo de sua “Classificação das Ciências” – além do caráter abstrato das mesmas - e da influência que seu pai, Benjamin Peirce (1809-82), professor de Matemática em Harvard, teve sobre sua formação intelectual. Ademais, Peirce acreditava que o universo caminha para um estado de total clareza das formas platônicas, que ele via como encarnado na “razoabilidade” [The Laws

of Nature (1901; “As leis da natureza”)]60

Debrucemo-nos, então sobre esse primeiro ramo das Ciências da Descoberta de Peirce com recurso aos 29 ensaios do próprio autor,61 coligidos por Matthew E. Moore, professor associado de Filosofia na Faculdade do Brooklyn, Nova Iorque, também editor dos

New Essays on Peirce’s Mathematical Philosophy (“Novos ensaios sobre a filosofia da

matemática de Peirce”).

Para Moore, “a filosofia da matemática de Charles Sanders Peirce tem um papel vital em seu sistema filosófico maduro”, (Introdução, xv) embora “uma boa dose de reconstrução seja necessária, e certa nova construção também”. (Ibid., xvi) Moore cita Putnam e Ketner, para quem, “a filosofia de Peirce é uma consequência de sua matemática”. (R.2; Ibid., ibidem) Veremos, no decorrer deste trabalho quão verdadeira essa asserção é na medida mesma em que, de acordo com Peirce, “o matemático estuda, não o que é, mas o que seria sob dada hipótese”, (Ibid., xxviii) sendo esta [a hipótese] caracterizada, segundo ele, como sendo “sempre a concepção de um sistema de relações”. (Ibid., xxix; 46) Não é por acaso que no Ensaio 12 – On Collections and Substantive Possibility (1889; “Sobre coleções e posibilidade substantiva”) – Peirce tenha escrito: “todos os seus departamentos [da matemática] estão tão intimamente relacionados que não se pode tratar nenhum deles sem se considerar os outros”. (Moore, 93) Isto, naturalmente, vale para toda a sua Arquitetônica.62

E, em que consiste, então, a vida do pensamento matemático? Diz ele, esta “consiste em realizar experimentos sobre diagramas e em similares e em observar os resultados”, (Ibid.,

60Ver a notável “nota” (*) nesse ensaio em EP 2, pp. 72-73. “Esta consequência lógica da metafísica peirceana

levaria a um predomínio completo da terceiridade sobre a existência na qual o próprio acaso estará definitivamente estirpado”. É o que se depreende de: “Em qualquer tempo, entretanto, um elemento de puro acaso [deveria ter dito “Liberdade”] sobrevive e permanecerá até que o mundo se torne um sistema absolutamente perfeito, racional e simétrico, no qual a mente seja por fim cristalizada em um futuro infinitamente distante”. (CP 6.33) IN Ivo Assad Ibri. Kósmos Nōétos, 91.

61 Philosophy of Mathematics – Selected Writings – Charles S. Peirce (2010; “Filosofia da Matemática – uma

seleção de ensaios – Charles S. Peirce”).

62 Nosso trabalho apresentado no 13º Encontro Internacional sobre Pragmatismo (Nov. 2011) tratou

precisamente desta questão - da importância de se usar toda a “Arquitetônica” de Peirce (e não apenas seus membros, desmembrando-a) - quando recorremos aos famosos versos do Essay on Criticsm (1711; “Ensaio sobre crítica”) do poeta neoclássico inglês, Alexander Pope (1688-17644): “A little learning is a dangerous thing;/ Drink deep or taste not the Pierian spring:/ There shallow draughts intoxicate the brain,/ And drinking deep sobers us again.” (“Um pequeno conhecimento é algo perigoso;/ Sorva fundo ou nem experimente do riacho Píreo:/ Nele, correntes rasas intoxicam o cérebro,/ E beber fundo nos deixa sóbrios novamente”.

xxix) pois “o raciocínio matemático é diagramático” (Ibid., xxx; nossa ênfase), asserção que é o verdadeiro leitmotiv dos ensaios sobre a filosofia da matemática de Peirce.63 E este “diagrama matemático é um ícone” (Ibid., xl; nossa ênfase) “que representa seu objeto por semelhança”. (Ibid., ibidem) “Há”, de acordo com Moore, “uma estrutura encarnada nos diagramas dos axiomas [que, por sua vez, dependem de convenções] que a define [a estrutura] e os teoremas que derivamos deles. É uma lei, melhor ainda, um sistema de leis, governando os experimentos diagramáticos através dos quais aprendemos essas leis”. (Moore, xli)

É que, como haveremos de compreender melhor no decorrer deste trabalho – assim esperamos – todo o sistema peirceano está sustentado no Idealismo-objetivo [schellingueano], para o qual, a matéria [aquilo que nos aparece, o phaneron] é “effete mind” [“mente envelhecida”, i.e., que “adquiriu hábitos” (inveterados)].64 É por esta razão que, quando atentamos para a phanera, somos capazes de perceber sua nervura mental [nome; forma; ideia] ou, para nos expressarmos semioticamente, “o ícone (presente) – semente - está grávido do símbolo (futuro) - árvore”; ou, os objetos dinâmicos que nos aparecem [phanera] estão prenhes de “signos” – já dizia o velho Heráclito de Éfeso (c. 535 – 475 a.C.) referindo-se ao “senhor que está em Delfos; que não fala nem se cala; dá sinais”65– que, se cuidadosamente estudados (pela Lógica e pela Metafísica, peirceanas), instruem o Interpretante, possibilitando a este, ao fim e ao cabo, chegar a uma conduta admirável (daí a Ética peirceana estar sujeita à sua Estética). Para Peirce, “as ideias [símbolos] surgem (“spring up”) na matemática, e crescem”.66 (Moore, 41)

Mas a Matemática, ao contrário da Lógica [Ciência Normativa]67 “é o estudo da substância de hipóteses, ou criações mentais, com vistas a retirar [delas] as conclusões necessárias”, (Moore, 4) quer seja, “não é necessário se recorrer à lógica [para tanto]”. (Moore, 7, 33) Para Peirce, outra característica do pensamento matemático é que “ele não pode chegar ao sucesso sem generalizar”, (Moore, 30, 40) quer seja, é altamente abstrato. Comprende-se este elemento nas duas definições da matemática dadas por Peirce: (I) como

63 Ver pp. 4, 15, 19-20, 28-29, 40, 46-48, 64-65, 69, 75, 80-81, 83, 92, 109, 111, e as diversas notas.

64 Peirce. The Architecture of Theories (1891; “A arquitetura das teorias”) IN EP 1, 293. A frase completa é: “A

teoria inteligível do universo é aquela do idealismo-objetivo, que a matéria é mente envelhecida, hábitos inveterados se tornando leis físicas”.

65 Ver Costa, Alexandre. Heráclito – Fragmentos Contextualizados. São Paulo: DIFEL, 2002.

66 Para se compreender melhor esta ideia peirceana, a de que “os símbolos crescem” (Omne symbolum de symbolo), ver seu precioso ensaio, What Is A Sign? (1894; “O que é um signo?”) IN EP 2, pp. 4-10. E, “[N]ós pensamos apenas através de símbolos”. (Ibid., 10)

67 “A Lógica”, para Peirce, “é a ciência que examina os signos, assevera o que é essencial para o ser dos signos e

descreve sua variedade fundamentalmente diversa, investiga sobre as condições gerais de sua verdade e afirma- os com acuidade formal, e investiga a lei do desenvolvimento do pensamento, e precisamente afirma-o e enuncia seus modos de operar fundamentalmente diferentes”. (Moore, 7)

“Método”: “sua capacidade de retirarmos [dela] as conclusões necessárias” [definição esta herdada de seu pai]; e, (II) como “Objetivo e Conteúdo”: “seu estudo dos estados hipotéticos das coisas”. (Moore, 31)

E quanto ao Continuum, o verdadeiro fio-condutor de toda a Arquitetônica peirceana? No Capítulo 16, Topical Geometry (1904; “Geometria tópica”) – a primeira parte do terceiro ramo da Matemática, para Peirce -, este volta a defender – contra Cantor -, que “um verdadeiro continuum não contém quaisquer elementos indivisíveis”. (Moore, 125; nossa ênfase) E, no final do ensaio, aborda a questão da “supermultitudineidade” de um verdadeiro continuum, como característica que o distingue da “pseudo-continuidade” analítica. (Ibid., 121) O que isto significa? No Capítulo 17, A Geometrico-Logical Discussion (1906; “Uma discussão lógico-geométrica”) Peirce, que definira, inicialmente, os objetos matemáticos como entia rationis (“criações mentais”) -, mais tarde ele optará por concebê-los como linguagem modal, que é menos idealista -, vai afirmar que “tanto os pontos quanto as coleções, embora criados por atos do pensamento, têm propriedades objetivas”. (Moore, 129) Naturalmente, pois – como veremos, que todas as coisas (Primeiridade; meras

possibilidades) que se manifestam (que “envelhecem”, criam hábitos), aparecem – e são passíveis de conhecimento científico (Terceiridade) – precisamente porque “encarnam” (Segundidade).

No Capítulo 18, [‘Continuidade’ in The Century Dictionary] (1888 (?); “‘Continuidade’ no Dicionário Century”), Peirce corrige um erro que cometera anteriormente em relação à definição de Cantor, e insiste que “o critério adequado básico para qualquer definição de continuidade, deve assegurar que não haja espaços livres em uma linha contínua”. (More, 135) Nem pontos (pois, segundo ele, “os pontos não são mais partes das linhas [como seriam para Cantor e Dedekind]”. (Ibid.,136) Para ele, os pontos estariam relacionados à linha, mas apenas como possibilia. Mas, diríamos, não apenas os “pontos”, mas qualquer objeto (dinâmico) manifestado (como um continuum sinequístico; nossa ênfase). Quando o escolhemos (o tornamos um “objetos imediato”) então ele “aparece” [para a nossa mente (universo sígnico)] “fatiado”. É isso que significa “definir”.68

Foi apenas no ensaio The Law of Mind (1892; “A lei da mente”), que aparece no Capítulo 19 da obra de Moore, que Peirce irá enfatizar o papel da continuidade no

68“De um ponto de vista muito geral, a definição equivale à delimitação (de-terminatio, de-finitio), isto é, à

indicação dos fins ou dos limites (conceituais) de um ente com referência aos demais”. (Mora, 650) No Capítulo 23 de Moore, Peirce dirá – a partir do conceito topológico de Listing, que trata do conceito de “vários tipos de singularidades (que quebram a continuidade)”, que os pontos seriam então subsumidos sob o cabeçalho mais alargado das singularidades, que estariam no continuum como “agregados potenciais” (que são mais universais que particulares), indeterminados e, no entanto, determináveis”. (Ibid., 179-80)

relacionamento das ideias na mente, (Moore, 141) e de como elas “afetam umas às outras, e, portanto, a consciência deve ser contínua69 através do intervalo infinitesimal no qual as ideias podem afetar umas às outras diretamente”. Moore não oferece o ensaio inteiro em seu livro, mas temo-lo inteiro no The Essential Peirce 1 (Houser & Kloesel; nossa ênfase). Aqui Peirce nos oferece uma análise do Tempo, e uma prova contundente de que também “os sentimentos possuem uma continuidade intensiva” (Houser, 323; nossa ênfase) uma vez que “o tempo, com sua continuidade, logicamente envolve algum outro tipo de continuidade que não a sua. O tempo, como uma forma universal da mudança, não pode existir a menos que haja algo para passar pela mudança, e para passar por mudança contínua o tempo, deve haver uma continuidade de qualidades mutáveis”. (Houser, 323; nossa ênfase) Dizer que o Segundo (Existência) se manifesta a partir do Primeiro (Essência; Possibilidade; Liberdade), e que o Terceiro [Pensamento; Reflexão – Speculum (Espelho) – seria mais apropriado, proponho] é o único capaz de se dar conta disso, talvez possa ajudar o leitor a compreender melhor esta questão. Mais adiante Peirce vai afirmar que “a primeira característica de uma ideia geral é a de que se trata de um sentimento vivo”. (Houser, 325; nossa ênfase).70E arremata dizendo que “a mente, na verdade, não está sujeita à ‘lei’, do mesmo modo que a matéria está” [pois] “sempre permanece certa quantidade de espontaneidade arbitrária em sua ação, sem a qual ela estaria morta”. (Houser, 329) Volvendo à questão da “ideia” como “sentimento vivo”, recordamos ao leitor que o Terceiro (Pensamento), não é diferente do Primeiro (Sentimento) e do Segundo (Volição, Ação-

69 Nossa ênfase. Ver ensaio Immortality in the Light of Synechism (1893; “A imortalidade à luz do sinequismo”),

por nós traduzido no Apêndice 3.1, para melhor compreender a importância do “contínuo” (matemático) para a metafísica peirceana. E na Parte 2, Religião e, especialmente, na análise da Poesia de Tranströmer, veremos a importância deste Contínuo “vivo”.

70 Peirce aprendeu a lição que o gênio de Schelling (1775-1854) veio revelar ao mundo. Para maiores detalhes,

ver nossa Dissertação de Mestrado, “O poema filosófico ‘A Esfinge’ de Emerson, e ‘Uma conjectura ao enigma’ de Peirce”. Mas não nos esqueçamos de que o próprio Schelling – a pedido dos poetas de Jena – foi

buscar a renovação total da filosofia ocidental nas Upanishads (indianas; século VIII a.C.) e nos escritos dos místicos Mestre Eckhart (c.1260-c.1327) e Jacob Boehme (1575-1624). Um verdadeiro filósofo tem que ser um arqueólogo (do saber) competente, paciente, e perseverante. Para uma excelente introdução ao pensamento de Schelling, recomendamos “As filosofias de Schelling”, organizado por Fernado Rey Puente e Leonardo Alves Vieira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. Para Mestre Eckhart, recomendamos, em português, “Os sermões alemães”, volumes 1 & 2, da Vozes (2006 & 2008); em inglês, a obra The Mystical Thought of Meister Eckhart –

The Man from Whom God Hid Nothing (2003; “O pensamento místico de Mestre Eckhart – a pessoa de quem Deus nada escondeu”), de seu maior especialista, o professor Bernard McGinn (emérito) da Universidade de Chicago. A propósito, a Editora Paulus acaba de lançar (2012) o primeiro volume da monumental obra de McGinn, The Presence of God – A History of Western Christian Mysticism (em seis volumes; “A presença de

Deus – Uma história da mística cristã ocidental”), The Foundations of Mysticism: Origins to the Fifth Century