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E, volvendo à Abdução, esperamos que agora o leitor seja capaz de compreender a razão pela qual – como bem viu Peirce – as nossas “hipóteses” são espantosamente certeiras.

1.2.3. Metafísica

1.2.3.1. Ontologia 1.2.3 Metafísica 1.2.3.2 Cosmologia

1.2.3.3. Metafísica Religiosa

Nós seguiremos a tese de Kent posto que ela está em Simetria (categorial) com o restante da “Arquitetônica” de Peirce.

Veja, caro leitor, que a Ontologia está associada ao elemento “monádico” na Matemática; à Fenomenologia na Filosofia, e dentro desta, à Primeiridade, com a sua Qualia; entre as Ciências Normativas, ela está relacionada à Estética e ao Sentimento (entre as funções da psique); na Lógica ela está associada ao “Objeto Dinâmico” e entre os “Signos” à primeira tricotomia, Ícone-Qualisigno-Rema. Como veremos mais adiante, a Ontologia em si, de acordo com Peirce, “descobre os tipos de fenômenos no universo psicofísico e busca determinar sua natureza”. (Kent, 134)

240 Vale a pena ler todo o ensaio em questão pelo número de perguntas que Peirce considera que é atributo do

metafísico se fazer, como “É o Tempo algo real?”, “Como é a mente ou a consciência?” etc.

241 Beverly Kent. Charles S. Peirce: Logic and the Classification of the Sciences. Kingston & Montreal: McGill-

Queen’s University Press, 1987. Para início da “Versão Perene”, ver p. 121; para um Resumo da “Classificação Perene”, ver pp. 134-35. A Professora Doutora Lucrécia Ferrara chamou minha atenção, na Banca de Qualificação, pelo fato de eu ter alterado a sequência supostamente correta – Ontologia, Metafísica Religiosa, Cosmologia – para Ontologia, Cosmologia, Metafísica Religiosa. Segui a tese da “Perennial Version” (“Versão perene”) de Beverly Kent, que considero mais adequada, posto que em simetria com as Ciências Especiais, uma vez que a “Cosmologia” está relacionada com as “Ciências da Natureza”; e, a “Metafísica Religiosa” com as “Ciências Psíquicas”, como veremos.

Já a Cosmologia está associada ao elemento “diádico” na Matemática (“A hipótese possível mais simples”, diz Peirce, “é a de que há dois objetos” (CP 4.250; ver Nota 54, p. 32); às Ciências Normativas na Filosofia (posto que é aqui que há “oposição”), e dentro destas, à Segundidade, com as suas Quantidades (estamos no múltiplo e no devir; o

Existente); entre as Ciências Normativas, ela está relacionada à Ética e à Vontade (à Conduta). Como veremos mais adiante, a Cosmologia em si, de acordo com Peirce, “estuda as relações dinâmicas nas descrições essenciais dos fenômenos no universo” (Kent, 134) especialmente entre as Ciências da Natureza e as Ciências Psíquicas, e dentro da primeira, o “Meso-mundo” – a Química, a Biologia, a Geologia (entre o “micro-mundo” a Física Quântica e o “macro-mundo” da Astronomia) – e, dentro da segunda, o “Homem” (Haecceitas), entre a Psicologia e a Religião (“interioridade”) e a Antropologia e Sociologia (“exterioridade”), embora, como veremos, esses elementos – a “exterioridade” e a “interioridade” – são mais modos de “ver” (fazer uma leitura de) o mundo (Terceiro do Terceiro), ora através das lentes do Segundo do Terceiro (dos “sentidos”), ora através das lentes do Primeiro do Terceiro (do “sentimento”), com seus desdobramentos.

Quanto à Metafísica Religiosa, ela está associada ao elemento “triádico” na Matemática (“Contínuo”); à Metafísica na Filosofia (posto que é aqui que se resolvem as “oposições” anteriores), e dentro desta [Filosofia], na Fenomenologia, à Terceiridade, com as suas Leis; entre as Ciências Normativas, ela está relacionada à Lógica e ao Pensamento (à Reflexão). Como veremos mais adiante, a Metafísica Religiosa em si, de acordo com Peirce, “investiga o universo em relação aos interessas espirituais humanos”, (Kent, 134) especialmente entre as Ciências Psíquicas, e dentro desta – especialmente na Psicologia, na Religião, e na Poesia -, a relação do Homem consigo mesmo, com Deus e com a Natureza e os outros.

1.2.3.1. Ontologia

Mas cada um cumpre o Destino -/ Ela dormindo encantada,/ Ele buscando-a sem tino/ Pelo processo divino/ Que faz existir a estrada. Fernando Pessoa. Eros e psique (Cancioneiro) IN Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 115.

Nada é mais verdadeiro do que a verdadeira poesia. E permitam-me que lhes diga aos cientistas que os artistas são observadores muito mais refinados e mais precisos do que eles, exceto por minúcias especiais que o cientista procura. (EP 2, 193).

Onde colocar o Amor (Ágape) na Metafísica peirceana? Deveria ele ser inserido na

Ontologia, posto que aquele é um Sentimento? Ou deveria ele ser alocado à Cosmologia, uma vez que este é o lugar da Vontade e, depois de Freud, sabemos que esta é filha (consciente) do

Desejo (Eros)242? Ou se deveria ele ser posto na própria Metafísica Religiosa, visto que, para Peirce, esse Amor é um tipo sofisticado de Amor, o Ágape (de herança paulina) e, assim, só pode ser conhecido a posteriori.

Uma vez que, para Peirce, o Terceiro (Tríade; Lógica; Pensamento) depende do

Segundo (Díade; Ética; Vontade) e este do Primeiro (Mônada; Estética; Sentimento), decidimos alocá-lo ao Primeiro, i.e., à Ontologia, visto que ele é a dynamis que “anima” (alma) todo o Edifício (“vivo”) peirceano, como veremos a seguir.

Como ponte entre os ramos anteriores da “Arquitetônica” de Peirce, vamos então tecer algumas considerações metafísicas - a partir de tudo o que vimos até agora: na Matemática, na Fenomenologia, com suas três Categorias e nas Ciências Normativas, com suas três ciências, Estética, Ética e Lógica, especialmente esta última, a Lógica.243

Qualisigno (Signo-Signo) Sinsigno (Signo-Signo) Legisigno (Signo-Signo) (Interpretante Imediato) Rema (Interpretante Imediato) Dicente (Interpretante Imediato) Argumento

Ícone (Objeto Imediato)

Índice (Objeto Imediato)

Símbolo (Objeto Imediato)

Interpretante Dinâmico Objeto Dinâmico

242 Em sentido platônico (O Banquete) e neoplatônico.

243 Nosso intuito é mostrar que o verdadeiro contínuo que está por trás dos três ramos da Metafísica peirceana – Ontologia, Cosmologia e Metafísica Religiosa -, quer seja, o “motor” (dynamis) que move o Objeto Dinâmico, a Semiose (sígnica) e o Interpretante Dinâmico - é o Amor (Ágape). Remetemos o leitor ao precioso ensaio

Evolutionary Love(1893; “Amor evolucionário”) IN EP 1, 352-371. Depois nos debruçaremos sobre cada um dos ramos de sua Metafísica. (Ver p. 113)

Se atentarmos para o diagrama acima a primeira coisa que vamos perceber é que a

Lógica deu conta do Signo – ora em relação ao Objeto, que nele é denominado de Objeto Imediato, ora em relação ao Interpretante, que nele é denominado de Interpretante Imediato - , mas não lidou nem com o Objeto Dinâmico nem com o Interpretante Dinâmico – e muito menos com o Dinamismo que anima o Objeto, o Signo e o Interpretante e da Força que faz o Objeto Dinâmico evoluir (Sinequismo) rumo ao (virtual) Interpretante Final. Não é seu papel; este cabe à Metafísica, pois ela é fruto de um distanciamento salutar.

Vimos na Matemática (matriz) que há apenas três elementos necessários para que haja entendimento de todos os fenômenos no Universo: o elemento “monádico”, o elemento “diádico”, e o elemento “triádico”. Essa “matriz” vai servir de “fundamento” a todas as Tricotomias na Filosofia, na Fenomenologia (Primeiridade, Segundidade, Terceiridade), nas

Ciências Normativas (Estética, Ética e Lógica), dentro da própria Lógica (Gramática Especulativa, Crítica, Metodêutica) e todas as Tricotomias dentro do universo sígnico (a do Signo em relação ao Objeto Dinâmico, do Signo em relação a si mesmo, e do Signo em relação ao Interpretante), mas desconheço que algum scholar peirceano tenha se dado conta de que na Fenomenologia há um Objeto (Dinâmico) que “aparece” (“phaneron”) para uma Mente (qualquer; agora sabe-mo-lo Interpretante Dinâmico), que o “vê” [“com olhos de artista” (Primeiridade)],244 que “atenta para ele”, i.e., percebe-o como sendo um existente particular (Segundidade); e, “generaliza” (subsume os “particulares” a um “universal”;

Terceiridade).

Vimos nas Ciências Normativas245 que isso que “aparece” – o Objeto Dinâmico – antes de chegar “a uma mente qualquer” – o Interpretante Dinâmico – passa,

244 Temos reservas quanto a este “ver”, pois no estado de Primeiridade – como no Ícone, Qualisigno e Rema & e

na Contemplação Estética & no ponto zero da Cosmologia & no instante, que rompe com o continuum temporal e existencial - há uma “fusão” entre o Sujeito e o Objeto. Há, na mística, um “ver”, mas é com um outro “olho” e não há, nessa experiência nem sujeito nem objeto. Isto não é estranho a Peirce, que, no ensaio Immortality in the

Light of Synechism (1893; “A Imortalidade à Luz do Sinquismo”; ver este ensaio traduzido no Apêndice 3.1), fala do “Hino Bramânico: “Eu sou aquele Self puro e infinito, que é beatitude, eterno, manifesto, todo-permeante e que é o substrato de tudo o que tem nome e forma” [que os editores críticos do EP 2 dizem pertencer às Upanishads (Notas, p. 503) e dão a fonte MS S 70:7] e, mais adiante diz que “o sinequismo (o evolucionismo peirceano) nega que haja quaisquer diferenças imensuráveis entre os fenômenos” (EP 2, p. 3) e, para espanto de muitos, “que o sinequismo reconhece que a consciência carnal não é senão uma parte pequena do homem”. (Ibid, ibidem; nossa ênfase) Ele fala, também, da “consciência social” e termina dizendo que “quando a consciência carnal se for na morte, nós veremos imediatamente que todo o tempo tivemos uma viva

consciência espiritual que nós estivemos confundindo com alguma coisa diferente”. (Ibid., ibidem; nossa

ênfase) Naturalmente, com o eu empírico ou ego, que lá atrás, no ensaio Questions Concerning Certain Faculties

Claimed for Man (1868; “Questões concernentes a certas faculdades clamadas pelo homem”) em EP 1, p. 20, ele associou ao erro e à ignorância.

245“Assim, estas subseção B parece muito perto de ter realizado seu propósito, que era esboçar um modo de

mostrar que é o dualismo das ciências normativas em que reside sua quintessência”. Peirce. The Basis of

Pragmaticism in the Normative Sciences (1905; “As bases do pragmaticismo nas ciências normativas”) em EP 2, p. 381.

necessariamente, pelo Signo, pois a mensagem é mediada pelo Signo, mas não conheço nenhum scholar peirceano que tenha se dado conta de que, para haver Semiose, há de haver algum “elemento vivo” que o anima.246 É óbvio demais para ser percebido... (Ver estória Sufi, p. 233).

Agora na Metafísica, temos que nos perguntar sobre a natureza desse Objeto Dinâmico, desse Interpretante Dinâmico e da dynamis que “anima” a Semiose. Seria o Amor Criativo (Ágape), como quer Peirce?

A Ontologia vai perguntar sobre o Ser. Para Peirce -, como para Hegel - “Ser é Conhecer” e “só podemos conhecer aquilo que aparece” (e persiste no Tempo). Devemos nos perguntar se isso assim é, porque de fato há um mundo que “aparece” (Segundidade, Objeto

Dinâmico, Existência), mas não conhecemos – pela via dos sentidos - suas duas “interioridades”: nem aquela relacionada à Primeiridade, ao Dinamismo e às Qualidades (estéticas ou místicas) – às quais só podemos ter acesso através do Sentimento (Instinto, Crença); nem àquela relacionada à Terceiridade, ao Interpretante Dinâmico e às Leis (Razão).

Mas, então temos aqui um problema sério a resolver. Na nossa Existência como indivíduos (de fato!; “de carne e osso”, diria Peirce ver Nota 39, p. 27), i.e., mais do que “particulares”, “singulares”, como diria Schelling, vamos confiar mais na Razão (Terceiridade, Lógica, Leis), i.e., nos Universais, ou no Sentimento (Primeiridade, Estética,

Instinto)?

Peirce não tem qualquer dúvida: “em questões de importância vital, não devemos confiar na razão – que é superficial -, mas no instinto, na crença”.247 E no final da vida, primeiro ele se deu conta de que “nossos pensamentos logicamente controlados compõe uma parte pequena da mente”.248

Isto nos leva a um das teses que queremos defender, aqui, a de que não é que “tudo o que existe é signo”. “Tudo que existe é OdSI” (“O” de “Objeto”; “d” de “dinâmico”; “S” de “Signo” e “I” de “Interpretante”), quer seja, um Continuum vivo (animado pelo Amor). Só para efeitos didáticos é que distinguimos (de-finimos, fatiamos) todas as coisas (como faremos na Parte 2, com as Ciências Especiais). Esta é a ideia do Continuum que já estava presente na Matemática de Peirce, que o levou a dizer que “os pontos não são mais partes das

246 Vimos, na Matemática, Peirce afirmar que “o tempo, com sua continuidade, logicamente envolve algum outro

tipo de continuidade que não a sua. O tempo, como uma forma universal da mudança, não pode existir a menos que haja algo para passar pela mudança, e para passar por mudança contínua o tempo, deve haver uma continuidade de qualidades mutáveis”. (The Law of Mind IN EP 1, 323) Mais adiante Peirce afirmaria que “a primeira característica de uma ideia geral é a de que se trata de um sentimento vivo”. (Ibid., 325; nossa ênfase; ver p. 36).

247 Philosophy and the Conduct of Life (1898; “A filosofia e a conduta da vida”) em EP 2, p. 32-33.

linhas [como seriam para Cantor e Dedekind]”, pois para ele, os pontos estariam relacionados à linha, mas apenas como possibilia. Para ele o (verdadeiro) Contínuo está no Terceiro, e a

Metafísica é o Terceiro (ramo da Filosofia) por excelência, mas o Terceiro (Lei) contém o Primeiro (o Amor) e o Segundo (Existência). O que estamos querendo dizer, expliquemos, é que, quando estamos imersos em um “estado de Primeiridade” somos “OdSIs” (o

Continuum) sem sabermos que o somos (estado “monádico”). Então, vem outro (fragmento do) “OdSI” e nos “arranca” (Segundidade) desse “estado de Primeiridade” e, somos invariavelmente obrigados a “atentar para o fato” de que “há algo em vez de nada” – i.e., que há, de fato, Existência (Segundo), composta de milhões de outros (fragmentos – “pontos” como possibilia - de) “OdSIs” e, então, temos que recorrer ao Terceiro do Terceiro para “mediar”.

Para nós, ao fim e ao cabo, “mediar” é fazê-lo não apenas como matemático, fenomenólogo ou lógico, mas como metafísico.249 Qual a natureza deste “OdSI” que sou (e que tudo no universo manifesto é)? “Somos existentes materiais?” Assim “(a)parece” “visto de fora”, como diz Peirce, mas “a matéria é mente envelhecida”.250 Então, podemos dizer que nós – ou a nossa parte visível aos sentidos (“faneron”) - somos compostos de mente envelhecida, i.e., de qualidades mentais que, no decorrer da evolução (Sinequismo) foi “adquirindo hábitos”, que se tornaram “lei”.

Nossos “corpos físicos” são, indubitavelmente, fruto da evolução (ticástica e anacástica). Mas, o que os move? Que dinamismo é esse? Que força é essa? Há então um a

priori (velado) na Metafísica peirceana? Ele diz que o motor do seu evolucionismo é o Amor (Ágape).251

Mas devemos nos perguntar: e qual é o propósito da evolução? Nesse mesmo ensaio Peirce responde: “[O] desenvolvimento agapástico do pensamento, se ele existe, é distinto por seu caráter teleológico, e este propósito é o desenvolvimento de uma ideia” (Ibid.,

249 “Para Schelling, tal como para Fichte (tal como também já para Kant, sob a figura da razão legisladora), a

filosofia é obra da liberdade, nasce quando o espírito se separa da natureza, para se interrogar sobre ela e sobre si mesmo”. Carlos Morujão em Introdução à obra de Schelling. Ideias para uma Filosofia da Natureza, p. 12. “Só quem saboreou a liberdade pode sentir a ânsia do tornar tudo semelhante a ela, e alargá-la”. Schelling.

Investigações filosóficas sobre a essência da liberdade humana, p. 54.

250 “A doutrina materialista parece-me um tanto repugnante à lógica científica e ao senso comum. (...) A única

teoria inteligível do universo é aquela do idealismo-objetivo, de que a matéria é mente envelhecida, hábitos inveterados tornando-se leis físicas”. Peirce. The Architecture of Theories (1891; “A arquitetura das teorias”) em

EP 1, pp. 292-293.

369; nossa ênfase). Já vimos, anteriormente, que para Peirce essa ideia é “um símbolo”; 252e que “esse símbolo é o homem”.253 O Homem-Símbolo, sendo o Terceiro – produto da Evolução (Sinequismo) - traz em si o Segundo (Existência) e o Primeiro (Sentimento).

Quer seja, há um Instinto (Eros),254 que impele (se manifesta como) um Pluriverso de Qualidades, coalhado de Possibilidades, com plena Liberdade – que Peirce denomina, metafisicamente, de “estado indeterminado”255 ou Acaso (que Peirce denominou de “Tiquismo”) – e que ele categoriza como Primeiridade (na Fenomenologia), Admirabilidade (na Estética), Ícone, Qualisignio e Rema (na Lógica) e que a Ontologia (na Metafísica) tem que dar conta - que “evolui” desse estado de “vagueza”256 até se tornar um Universo – este, não outro! – de Existentes, de Objetos Particulares, de OdSIs - que Peirce denomina, metafisicamente, de “estado de estrita necessidade, que ele categoriza como Segundidade (na

Fenomenologia), Ação-Reação (na Ética; volveremos a ela), Índice, Sinsignio e Dicente (na

Lógica) e que a Metafísica Religiosa (na Metafísica) tem que dar conta –; mas a evolução (Sinequismo)257 não parou aqui.

252“O único tipo de signo que é possivelmente capaz de responder ao propósito é aquele que representa seu

objeto em virtude da disposição do intérprete, - quer seja, um Símbolo”. A Sketch of Logical Critics (1909; “Um esboço de crítica lógica” em EP 2, p. 461).

253 “Lógico é aquilo que é necessário admitir para tornar o universo inteligível. E o primeiro de todos os

princípios lógicos é que o indeterminado deve determinar-se da melhor maneira possível. (...) Então, a indeterminação pura tendo desenvolvido determinadas possibilidades, a criação consistiu em mediar entre as reações sem lei e as possibilidades gerais pelo influxo de um símbolo. Este símbolo foi o propósito da criação. Seu objeto era a enteléquia de ser, que é a última representação. Nós agora somos capazes de compreender o que

juízo e asserção são. O homem é um símbolo. New Elements (1904; “Novos elementos” em EP 2, p. 324; nossa ênfase). Tanto é verdade que “o homem é um símbolo [...] e “o propósito da criação” que Peirce irá distinguir claramente, em sua Idioscopia, entre as “Ciências da Natureza” e as “Ciências Psíquicas” ou “Humanas”. Querer eliminar o “Homem” do cenário é como querer remover o “Símbolo” (o “Argumento” & o “Legisigno”) da Semiótica, o que significa ficar sem pensamento e sem palavras, isto é, ficar-se reduzido à afasia, para dizer o mínimo. E que tipo de Homem-Símbolo haverá de negar seu estatuto?

254 Peirce. Evolutionary Love (1893; “Amor evolucionário”) em EP1, p. 352.

255 Ibri dedica todo um capítulo de sua obra, Kosmos Noetos – “O Indeterminismo Ontológico e a Matriz

Evolucionista” (pp. 39-53) – a este tema metafísico.

256 Ver Mihai Nadin. The Logic of Vagueness and the Category of Synechism (“A lógica da vagueza e a categoria

do sinequismo”) em The Relevance of Charles Peirce (“A relevãncia de Charles Peirce”; editado por Eugene Freeman). La Salle (Illinois): The Hegeler Institute. Monist Library of Philosophy, 1983.

257“Sinequismo significa a tendência de considerar tudo como contínuo”. Peirce. Immortality in the Light of Synechism (4/5/1893; “A imortalidade à luz do sinequismo”) em EP 2, p. 1, ensaio este de que oferecemos tradução neste trabalho, no Apêndice 3.1. Ver António Machuco Rosa. “O Conceito de Continuidade em Charles S. Peirce”. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 2003, para quem “o conceito de continuidade [em Peirce] deve realizar a síntese de domínios aparentemente irredutíveis da experiência” (por meio de uma estrutura contínua subjacente à ação mental) e é também “o operador de síntese de conceitos em oposição” (graças aos esquemas discretos da lógica; p. 20). Para outros pontos de vista mais recentes do contínuo em Peirce, ver (1) Hilary Putnam. Peirce’s Continuum (“O contínuo de Peirce”) em Kenneth Laine Ketner (Editor). Peirce and Contemporary Thought – Philosophical Inquiries (“Peirce e o pensamento contemporâneo – Investigações

filosóficas”). New York: Fordham University Press, 1995; (2) Lucia Santaella. “Os significados pragmáticos da mente e o sinequismo em Peirce” em COGNITIO – revista de Filosofia #3 (Nov. 2002), pp. 97-106; (3) Lucia Santaella. “Sinequismo e onipresença da semiose” em COGNITIO – revista de Filosofia Volume 8.1 (Jan. a Jun. 2007), pp. 141-149 & Carlo Sini. Semiotics of the Continuum and the Logic of the Universe (“Semiótica do contínuo e a lógica do universo”) em Rossella Fabbrichesi & Susanna Marietti (Editores). Semiotics and

Vejamos, a seguir, como esse Amor Criativo se manifesta na espaço-temporalidade, evolui.

1.2.3.3. Cosmologia

Uma corrente sutil de incontáveis anéis/ O próximo leva- nos aos últimos quartéis;/ O olho, aonde quer que vá, augúrios glosa,/ E fala todas as línguas a rosa;/ E, para se fazer homem, a minhoca se esforça/ Por escalar todas as espiras da forma. Ralph Waldo Emerson. A Natureza IN The Selected Writings of Ralph Waldo Emerson, 2.

Falar em Cosmologia – em Peirce – é falar de Evolução (que ele batizou de “Sinequismo”) e este está irremediavelmente associado ao Contínuo (Matemático) e ao Agapismo (na Metafísica), como “motor” (ou dynamis) de seu evolucionismo.

É espantoso – para um Poeta (ou para um Filósofo ou Cientista refinados) – que haja algo ao invés de nada. E mais espantoso ainda é que ao se “atentar para” cada “ponto” desse

Continuum -, que é o que faremos na Idioscopia -, possamos “ver” (nos dar conta de) que isso que se manifesta e evolui é extraordinariamente Inteligente (e Inteligível). Porque isso é assim?

Noutras palavras, nossa Razão tem parentesco [“is akin”] com a Razão que governa o universo; devemos assumir isso ou desesperar de descobrir algo. Peirce. Excerpts of Letters to William James (1909; “Excertos de Cartas a William James”), IN EP 2, 502.

Esse parentesco, já o explicamos alhures, essa notável Simetria, entre a Razão (Universal) e a Razão (Humana) deve-se ao fato de que não há realmente nenhuma diferença entre elas. Por isso Peirce pode dizer:

Quando a consciência carnal desaparecer na morte, nós haveremos de, imediatamente, nos dar conta de que sempre tivemos, o tempo todo, uma consciência espiritual que viemos confundindo com algo diferente. Peirce. Immortality in the Light of Synechism (Maio 1893; “A imortalidade à luz do sinequismo”) IN EP 2, p. 3.

Já vimos que cada um de nós faz parte desse (é esse) “Objeto Dinâmico” – desse

Continuum (“vivo”) que preferimos batizar de “OdSI”, posto que não é apenas “Objeto

Philosophy in Charles Sanders Peirce (“Semiótica e filosofia em Charles Sanders Peirce”). Newcastle (Inglaterra): Cambridge Scholars Press, 2006.

Dinâmico”, mas um “Objeto Dinâmico”, “encarnado” no Sensível (Segundo), mas “embebido” pelo “Sentimento” (talvez aí esteja a raiz dessa Dynamis) e “enervado” pela “Inteligência” (capaz de Semiose, de produzir “Interpretantes”) e de nos levar, através da Reflexão a uma Conduta Razoável (e até Admirável).

Espantoso – e só a Metafísica pode nos proporcionar este espanto, pelo distanciamento – que haja um “OdSI” que se manifeste de forma tão Inteligente (e Inteligível; senão não haveria Ciência). Que este “OdSI” se manifeste tão ordenadamente.258

O Poeta Metafísico “vê” a Espiral (matemática; por exemplo, a de Fibonacci, c. 1170-c.1250) na Concha do Caramujo e na Galáxia, vê a inacreditável Inteligência presente no Sistema Solar (Kepler, 1571-1630), no planeta Terra (Alexander von Humboldt,1769- 1859; com seus 4.5 bilhões de anos) -, com sua Lava, seus Reinos Mineral, Vegetal e Animal – e no surgimento inacreditável do Homo sapiens sapiens -, capaz de criar e compreender

Símbolos,259 usar Legisignos e produzir Argumentos, patentes na Matemática, na Filosofia, nas Ciências Especiais e capaz de viver em Sociedade mediante “Contratos Sociais” (Rousseau), e capaz de produzir Cultura e de transmiti-la a seus pósteros.

Esse conhecimento que é transmitido veremos na Parte 2 (na Idioscopia); aqui interessa-nos saber – metafisicamente - sobre essa Evolução (Sinequismo) e porque é tão Inteligente.

Ela evolui, segundo Peirce, porque,

A analogia sugere que as leis da natureza são ideias ou resoluções na mente de alguma consciência vasta, que, quer suprema ou subordinada, é uma Deidade relativa a nós. Peirce. The Seven Systems of Metaphysics (16/4/1903; “Os sete sistemas de metafísica”) IN EP 2, 184-85.

A teoria inteligível do universo é aquela do idealismo objetivo [de Schelling], a de que a matéria é mente cansada [“effete mind”], hábitos inveterados se tornando leis físicas. Peirce. The Architecture of Theories (Janeiro1891; “A arquitetura das teorias”) IN EP 1, 293.

O desenvolvimento agapástico do pensamento deveria, caso exista, ser