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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Total 23 100 Este último aspecto mostra que essas falhas da investigação não podem ser

4.4 Concepções de acidentes do trabalho e sua investigação em materiais didático-educativos usados em empresas

4.4.2 Materiais dedicados à prevenção de acidentes

No estudo conduzido em Botucatu, verificou-se que apenas duas empresas apresentaram materiais educativos baseados em orientações específicas acerca de regras da arte, seja no desenvolvimento de algumas atividades, seja na utilização de algumas ferramentas e/ou equipamentos. A primeira foi uma empresa pública, com atuação na distribuição de energia, que providenciava folhetos e/ou cartões (formato de bolso), jornais internos e livretos com instruções específicas, seja em relação a regras da arte em diferentes tarefas, seja em relação a procedimentos de primeiros socorros a serem adotados em alguns tipos de acidentes próprios da atividade principal da empresa. A segunda foi uma metalúrgica de médio porte, que providenciava a elaboração de suas próprias apostilas para membros de CIPA, treinamentos no uso de ferramentas manuais, equipamentos de solda, atividades envolvendo eletricidade, transporte e movimentação de materiais; utilizava também histórias em quadrinhos e cartazes de segurança.

O uso de orientações específicas para a ação foi apontado por Levanthal e col. (1965) como condição necessária, mas não suficiente, para a implementação de mudanças de comportamento com vistas à prevenção de acidentes.

A existência de uma “cultura do ofício” dos trabalhadores, reconhecida pelos integrantes dos níveis hierárquicos superiores da empresa, seria favorecida por iniciativas de formação específica e foi apontada por Carpentier-Roy e col. (1998)

como potencialmente estimuladora da condição de pertencente e integrante do grupo. Quanto maior esse sentimento, mais eles se sentiriam interpelados pelas atividades conjuntas de prevenção e mais tenderiam a apoiar as ações dos comitês paritários de saúde e segurança aí existentes.

Segundo Dejours (1993 e 1997) e Dejours e Abdoucheli (1994), o reconhecimento do trabalho realizado pelo trabalhador, por parte de seus colegas ou pares, estaria na base da constituição das “regras de ofício” e seria fundamental para a coesão das equipes e para a confiabilidade humana na atividade.

A inexistência de iniciativas voltadas para o reconhecimento da importância dessas regras de ofício e da coesão dos grupos de trabalho, nas empresas estudadas, soma-se ao fato de que a maioria das medidas propostas nas investigações de acidente sugere, genericamente, mudanças de comportamento dos acidentados, principalmente aquelas de tipo prestar mais atenção.

Não era objetivo deste estudo explorar, entre os trabalhadores das empresas estudadas, a existência ou não de condição de pertencente a um grupo. No caso da empresa de distribuição de energia, há, aparentemente, reconhecimento da natureza especializada dos eletricistas e relativa estabilidade no emprego, que facilitariam o desenvolvimento de identidades singulares dos profissionais integrantes desse grupo. No entanto, no caso da empresa metalúrgica, observou-se que, apesar da existência do material citado, persistiam problemas como os seguintes:

a) A maioria das medidas apresentadas nos diversos textos é redigida com uso de verbos na 3ª pessoa do singular, que prescrevem ações a serem feitas pelos trabalhadores. Reforça-se, desta maneira, a prática de atribuição de culpa, segundo a qual os acidentes ocorrem na vigência de descumprimento de regras por parte do acidentado. Além disso, no caso de recomendações relativas a cuidados a serem adotados, desconsideram- se as possibilidades de os trabalhadores não reconhecerem como de risco as situações e não terem esboçado qualquer mudança de atitude ou ação que implique em autoproteção no trabalho.

b) A prescrição adotada na empresa desconsidera a possibilidade de inexistência de condições ótimas para a realização das ações prescritas, a possibilidade da inadequação dessas ações às condições de organização do trabalho real na empresa e a de, na vigência do uso da medida prescrita, o sistema tornar-se pouco tolerante a mudanças, ou seja, ter a sua segurança dependendo, exclusivamente, do desempenho do indivíduo na tarefa. Em alguns momentos, recomenda-se recorrer ao chefe imediato, na vigência de dúvidas e/ou dificuldades. A busca de recursos e/ou organizações do trabalho alternativas que aumentem a tolerância do sistema a desvios e variações, tornando-o mais seguro, é desconsiderada. A segurança adviria do apego ou adesão do trabalhador às normas e prescrições “corretas”.

c) As referências a “causas” de problemas potencialmente acidentogênicos são feitas na forma de lista, desconsiderando possíveis inter-relações de fatores, no mundo do trabalho, e sem exploração de suas origens, ou seja, estimulando a interrupção da análise com a identificação “da causa” listada. Esta abordagem contribui para manter a segurança como compartimento ou setor estanque, externo à missão de produção do empreendimento, enfim, não reconhecida como parte integrada na totalidade da empresa. Esta condição, por sua vez, tende a dificultar o desenvolvimento de clima de incentivo e busca constante da autoprevenção.

d) Todos os riscos, independentemente de sua freqüência, gravidade ou demais características, são apresentados da mesma maneira, ou seja, como se tivessem sempre o mesmo peso ou significado. Como decorrência, riscos de explosões são apresentados do mesmo modo que riscos de arranhões em imperfeições do cabo de uma ferramenta manual. Essa condição soma-se à inexistência de critérios a serem utilizados na definição de prioridades, em cada situação ou setor.

A maioria absoluta das abordagens presentes nos materiais desconsidera a forma como a literatura relativa aos comportamentos face ao perigo no trabalho vem abordando a questão.

Este aspecto parece contribuir para facilitar a aceitação da abordagem simplista presente, seja na compreensão do fenômeno acidente, seja na de medidas de prevenção.

4.4.3 Frases e cartazes de segurança: estímulo ao medo e atribuição

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