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O campo de currículo tem realizado discussões em torno das disciplinas escolares sobre diversas perspectivas, que tem produzido com o tempo o desenvolvimento desse campo em direções que acompanham as tendências da pesquisa em Educação (LOPES, MACEDO, 2011).

Em 1971, o livro Knowledge and Control (YOUNG, 1971) é publicado, inaugurando o movimento que viria a ser chamado de Nova Sociologia da Educação (NSE), constituído por pesquisas de autores como Michael Young, Basil Bernstein e Ivor Goodson, entre outros. Estes neste momento viriam a colocar em foco a discussão do que constitui na sociedade conhecimento escolarizável legítimo e que relações esse conhecimento produz.

Como bases para articular estas questões, os autores desse movimento discutiram questões ligadas a conhecimento, poder, controle e linguagem, buscando construir novas formas de se ver as relações entre a estrutura social de classes e os modelos de reprodução, sem se limitar apenas às características macroeconômicas e deterministas.

Neste livro se apresenta o trabalho chamado On the classification and framing of educational knowledge (BERNSTEIN, 1971), que realizous uma descrição das categorias discursivas que permeiam as disciplinas escolares, através de dois conceitos chaves, classificação e enquadramento, que na teorização que Bernstein estavam para constituir parte do que seria denominado dispositivo pedagógico.

O dispositivo pedagógico produz a recontextualização dos campos disciplinares de origem em direção às disciplinas escolares, por procedimentos que buscam superar a “simplificação” dos conhecimentos originais, mas instituem outra lógica para essa estrutura, que

é formada pela articulação entre dois discursos: o instrucional e o regulativo.

Enquanto o primeiro veicula as competências, habilidades e conhecimentos selecionados como legítimos para a construção da disciplina escolar, além dos modos de transmissão desses saberes, o segundo veicula o modo de regulação da prática pedagógica, instituindo regras, valores, ideologias e ordem para a manutenção das relações educacionais, sendo o discurso regulativo o que prepondera na atividade pedagógica (MAINARDES, STREMEL, 2010).

Qualquer disciplina escolar é recontextualizada ao ser deslocada de seu campo de produção. Há uma seleção de conteúdos, da seqüência e do ritmo em que serão trabalhados na escola. O processo não é derivado da lógica existente no campo da produção desses conhecimentos. O processo de ensino-aprendizagem é um fato social e nele o discurso regulativo fornece as regras da ordem interna do discurso instrucional (SANTOS, 2003, p.32).

Esse processo se insere em cada uma das disciplinas escolares de uma determinada forma, na qual os agentes de recontextualização daquele campo discursivamente constroem o que conta como válido naquele espaço de disputa. Para Mello e Lopes (2003, p. 52) esse processo acontece na recontextualização entre “academia, centros de pesquisa, órgãos oficiais, agências multilaterais, editoras – para o contexto escolar, neste se incluindo as relações em torno da escolarização e do que é escolarizável”. Um exemplo da Física é apresentado por (LOPES, MACEDO, 2011):

A Física – enquanto atividade no campo de produção da ciência – é diferente da Física como discurso pedagógico. Ao se apropriarem da ciência Física, os agentes recontextualizadores selecionam algumas práticas da totalidade das práticas que compõem a ciência Física e as insere em regras de ordem escolares: sequência e ritmos próprios, relações professor-aluno (mais ou menos hierarquizadas), relação com outras disciplinas (mais ou menos integrada), princípios didáticos, teorias pedagógicas, práticas escolares (LOPES, MACEDO, 2011, p.103).

A forma como a Física escolar se constrói é necessário retomar a teoria de Bernstein. Para Ramos (2012, p. 36), “[...] uma disciplina é um discurso separado, especializado, com suas próprias práticas, modos de exame, princípios de distribuição, privilégios e regras de admissão”. Essas características desses discursos, além da hierarquização e da integração entre as disciplinas estão diretamente conectadas aos conceitos de classificação e enquadramento.

Eles serão correntemente associados ao poder e ao controle, que se diferenciam para o autor como “briefly, control establishes legitimate communications, and power establishes legitmiate relations between categories. Thus, Power constructs relations between, and control relation within given forms of interaction” (BERNSTEIN, 2000, p. 5). Já o código é a estrutura da linguagem que incorpora o fator social, regulando a seleção e organização dos discursos, o que pode ser dito em cada contexto e de que forma pode ser dito, dentro de relações de poder e

controle (SANTOS, 2003).

A classificação é a qualidade de uma dada categoria (relações, disciplinas, discursos) que evidencia o poder entre seus integrantes, que se manifesta no isolamento entre eles. Para uma forte classificação se espera um alto isolamento entre os integrantes, que assim mantêm baixa relação ou interdependência entre eles. Uma fraca classificação institui uma alta dependência e proximidade entre os membros da categoria.

A forte classificação é o que institui espaços entre as disciplinas escolares, evidenciando identidades e vozes bem definidas sobre o que é ensinado e aprendido (MAINARDES, STREMEL, 2010), além das relações dos indivíduos entre as categorias, produzindo estruturas hierárquicas e isolamentos (SANTOS, 2003).

Esse isolamento é caracterizado por Bernstein (2000) como uma característica dos currículos segundo código coleção, no qual a organização do conhecimento e da transmissão se realiza através de segmentos estratificados e com baixa integração entre si. Para Bernstein esta estratificação do conhecimento escolarizado realiza a manutenção das classes sociais como existem, uma vez que “apenas as classes dominantes permanecem na escola o tempo suficiente para terem acesso às estruturas mais profundas, ensinadas tardiamente no sistema de código coleção” (LOPES, 1999, p. 187).

Diferente da classificação, o enquadramento evidencia o grau da distribuição do controle dentro do sistema de seus integrantes. Se o enquadramento é forte, isso significa que poucos podem explicita e legitimamente definir o que constitui formas de comunicação validas. Se o enquadramento for fraco, essa definição pode ser mais brandamente realizada pelos membros do sistema.

Dentro das disciplinas, o enquadramento fraco instiga a possibilidade de romper com a ordem instituída, exercendo uma maior pluralidade discursiva entre os integrantes do sistema, e dessa forma, reposicionando o controle da prática pedagógica com outras formas de comunicação.

O poder está, portanto, relacionado ao espaço, delimitando fronteiras e colocando pessoas, discursos e objetos em diferentes posições. Por sua vez,o controle estabelece formas de comunicação apropriadas para as diferentes categorias, ou seja, o controle estabelece a comunicação legítima para cada grupo, de acordo com as fronteiras estabelecidas pelas relações de poder, buscando socializar as pessoas no interior destas relações (SANTOS, 2003, p. 26).

formada por mecanismos de recontextualização e instituída através do discurso pedagógico em currículos segundo código coleção, com determinada “seleção, organização e ritmo do conhecimento concebidos em um certo enquadramento pedagógico” (LOPES, 1999, p. 187).

Essa perspectiva é abordada no campo do currículo para compreender disputas entre as disciplinas e os campos de origem e das práticas pedagógicas, como associadas a interesses de diferentes classes e segmentos da sociedade (SANTOS, 2003).

Para o problema aqui abordado, uma grande contribuição pode ser vista ao se pensar nesse campo de recontextualização que está sendo articulado em torno da disciplina escolar Física dentro da Universidade, no qual os discursos instrucionais e regulativos precisam ser mobilizados em direção a constituir dispositivos pedagógicos para a Licenciatura em Física. A teoria construída por Bernstein assim nos mobiliza a problematizar este processo, no qual o conhecimento de um campo é transformado em conhecimento escolar, no qual outras disputas e atores ganham espaço para ação.

Assim, o próprio currículo e as disciplinas da licenciatura se tornam objetos de recontextualização, através dos quais são ressignificados discursos sobre a disciplina escolar Física recontextualizada através do que legitimamente constitui o que esta disciplina era naquele momento para a Educação Básica, com base em relações de controle e poder.

Essa abordagem será ampliada com a noção de hibridismo apresentada na próxima sessão, que nos motiva a abordar como os modos de reprodução da cultura moderna interferem de maneira menos estruturada nos processos de mobilidade cultural entre contextos sociais.