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Mediação e catalisação de signos: conduzindo o fluxo recursivo de um processo semiótico

2. Análise microgenética baseada na Psicologia Cultural e na Semiótica

2.6. Mediação e catalisação de signos: conduzindo o fluxo recursivo de um processo semiótico

Na concepção de Valsiner (2012), a mediação semiótica é realizada através de dois tipos de processos gerais: a regulação e a catalisação. Estes, por sua vez, correspondem aos efeitos dos signos (ou condições) reguladores e dos signos (idem) catalisadores sobre o fluxo da semiose (Cabell, 2011; Cabell & Valsiner, 2014; Valsiner, 2012). Os reguladores afetam diretamente a progressão dos processos semióticos, promovendo ou inibindo a emergência de novas configurações processuais. Já os catalisadores funcionam como condicionantes do contexto perceptivo, agindo indiretamente sobre os agentes reguladores da atividade semiótica: estes são mobilizados por demandas pragmáticas do contexto em que seu agente está situado, atuando tanto no sentido de manter a configuração desse contexto, ocasião em que uma conformação catalítica prevalece, sustentando seus condicionantes sobre os reguladores (Figura 4b) quanto no sentido de promover ajustes que o tornem mais coerente à totalidade da percepção, quando condicionantes distintos competem pela predominância do processo, levando à evolução dinâmica do contexto e de suas demandas (Figura 4a). Desse modo, as funções catalíticas dos signos atuam como um dos fatores causais essenciais na

atividade semiótica, conferindo aos processos que mediam a capacidade de serem operados por padrões causais sistêmicos (Cabell & Valsiner, 2014; Valsiner, 2004). A Figura 4 ilustra esquematicamente esse processo, e é explicada a seguir.

A Figura 4 apresenta esquemas ilustrativos da catálise semiótica. No exemplo a seguir, ela representará o fluxo de trabalho de um ilustrador. (a) Na tarefa de editar ilustrações para um trabalho, seu editor poderia ser afetado pela catalisação de um terceiro estado contextual (A–B: edição de esquemas suficientemente explicativos, dentro de dado prazo) a partir de dois estados antecedentes distintos (A: demanda por trabalho de ilustração; e B: demanda por qualidade estética). Os elementos contextuais que atuariam como catalisadores (habilidades de uso geral de computadores), inicialme nte representados por C, assimila as propriedades semióticas de A, que lhe são compatíve is, tornando-se C–A; este, por sua vez torna-se demandante de B, que agrega-se à conformação contextual total C–A–B. Após a produção de certo padrão estético (A–B), este passará a ser contextualmente demandado, a despeito das demandas que A e B teriam individualmente. (b) A e B atuam como elementos em comum entre estratos contextua is distintos (E. de C e E. de AB), os quais conformam um estado contextual mais amplo (Atividade), dos quais são elementos semióticos comuns. O contexto maior, enquanto um todo, não existe sincronicamente; sua totalidade se estende pelo tempo, manifestando no espaço, em cada um de seus momentos, as diversas configurações que caracterizam seu

equilíbrio dinâmico (a autocatálise do processo), em emergência contínua (Cabell &

Valsiner, 2014). A constituição de A–B e sua interação com C no contexto da atividade levam à re-mediação (Rm) contínua de C como estrato contextual independente, de modo que as habilidades gerais do editor são modificadas por sua operação na produção de A– B.

Figura 4. A catalisação sistêmica de contextos – um exemplo de

processo catalítico que produz síntese. (a) A catálise do signo contextual A–B pela interação entre A, B e C, demandada, por sua vez, pelo fluxo do contexto vigente. (b) Representação espacial do processo catalítico A+B+C  A–B+C, que seria extensa no tempo. Rm representa a irreversibilidade do tempo, decorrente da modificação de C no decorrer da Atividade. Imagem Adaptada de Valsiner, 2007.

A despeito das especificidades casuais que configurem atos de mediação semiótica, os efeitos desta serão sempre equivalentes à emergência de alterações nos processos de significação em curso. Os atos catalíticos, no entanto, são especialme nte relevantes para a conformação da agência e a assunção de finalidades, funções e propriedades instrumentais que a caracterizam. Essas são noções naturais à CHAT, mas que podem ser analisadas com maior detalhamento através de categorias da PC, a fim de que uma compreensão mais aprofundada sobre a conformação da agência e da instrumentalidade seja atingida. Neste exercício, as duas abordagens se complementa m, tornando-se sinérgicas como ferramentas de análise: enquanto a PC refere-se à conformação do contexto mais amplo (que compreende as noções correntes sobre a constituição da realidade), no âmbito do qual se insere a atividade, a CHAT diz respeito à contextualização dos atos semióticos no âmbito da atividade mesma, que governam as ações do sujeito de acordo com as demandas que se apresentam continuamente (e que apresentam apenas elementos eventuais da realidade constituída). Duas instâncias da experiência semiótica referente a duas escalas contextuais: mesogenética e microgenética (Rosa, 2007a; Valsiner, 2012).

Ao agir como catalisadores, os signos incorporados aos (ou presentativos dos) objetos do mundo afetam os sujeitos de modo impositivo, mobilizando-os a adotarem certos padrões situacionais de atividades semióticas. Na PC, o conceito de catálise diz respeito ao provimento de condições que facilitam ou dificultam, com diferentes graus de seletividade, a ocorrência de ações e processos já previamente conhecidos ou condicionados (Valsiner & Rosa, 2007). Deste modo, a atuação catalítica dos signos conduz o fluxo recursivo das semioses de forma potencialmente independente da

deliberação consciente do sujeito afetado a menos que o esforço de catalisação tenha partido da ação deliberada do sujeito, o que também é possível (ver Cabell & Valsiner, 2014).

Diferentemente da regulação, a catálise não promove diretamente a realização de ações, mas ativa (ou desativa), seletivamente, os padrões condicionados que favorecem (ou inibem) a disposição para que o sujeito venha a apresentar reações ou realizar comportamentos associados aos padrões mobilizados. Neste sentido, a catálise é um processo de provimento de acessibilidade (ou restrição) a recursos necessários para a realização de determinados processos. No caso dos processos cognitivos, os recursos em questão seriam semióticos (dentre estes estando os simbólicos, necessários às funções mentais superiores).

Uma possível implicação dessa dinâmica (ainda não investigada) é a possibilida de de que os efeitos catalíticos mobilizados pelos signos se tornem mais fortes à medida que estes representem componentes de realidade ou situações culturalmente estruturadas; nesse sentido, os vários objetos, eventos ou qualidades estruturantes atuam de forma redundante, reforçando-se mutuamente, reforçando os efeitos semióticos do signo - estrutura dos quais são componentes e, por fim, reforçando seus efeitos recursivos sobre a condução das semioses que passaram a afetar. Este funcionamento seria equivalente ao fenômeno de regulação dos processos culturais denominado Princípio do Controle Redundante (Valsiner, 2012).

As dinâmicas de mediação acima apresentadas reproduzem em sua progressão a natureza semiótica de evolução dos fenômenos, mas normalmente têm sua atuação associada a esquemas e práticas culturais concernentes a interações entre sujeitos ou a padrões de mediação hipergeneralizada e coletiva, ou ainda a operações simbólicas em

que são hegemônicas as ações de alta ordem (Cabell, 2014; Valsiner, 2012). Tais fenômenos em evolução também abrangem dimensões interpessoais, que se estendem ao longo de períodos suficientemente vastos para que, aparentemente, a memória operacional se torne uma instância desimportante para a perpetuação de seus efeitos sobre os sujeitos envolvidos. A ênfase na linguagem, na significação deliberada e nos fenômenos psicológicos superiores é uma característica marcante da PC, que acaba sendo refletida em seu repertório conceitual. A análise que aqui proponho, por outro lado, visa ao exame de processos muito menos abrangentes no tempo e no espaço, e de natureza essencialmente microgenética. A pesquisa se volta à investigação das formas pelas quais o agente operacionaliza sua ação com os recursos (simbólicos ou de outros tipos) disponíveis ao seu alcance imediato. Em função disso, assimilo à análise dos dados deste trabalho elementos da semiótica de Peirce (2011), cuja escala conceitual se adapta de forma mais adequada aos tipos de processos abordados.

Provém da Semiótica de Peirce a proposição original da estrutura triádica do signo (Peirce, 2011). Basicamente, a forma como Peirce lida com a evolução de processos semióticos (chamado aqui de interpretação) é análoga à catálise. Nesse sentido, a catálise pode ser considerada um condicionamento dos contextos. Na semiótica, os signos não têm significado por si mesmos. É a atividade do interpretante que lhes dá a significação. Nesse cenário, o primeiro fator relevante a se considerar é que os signos são de diferentes tipos (a depender dos diferentes interpretantes que ele pode ter), exercendo diferentes efeitos sobre a semiose.

O signo se manifesta como o objeto, a coisa representada na percepção do ser que o percebe. O signo está sempre em evolução, porque o interpretante imediato de um

momento será o signo imediato de outro (Peirce, 2011). Várias interpretações acontecem simultaneamente, mas uma delas predomina na regência do progresso19 (Burgess, s.d.).

Os interpretantes e os objetos são divididos em subtipos, e cada um deles ligados a um efeito sobre, ou a uma forma de funcionamento da atividade semiótica. Tanto o signo quanto os interpretantes imediatos são diretamente percebidos pela mente, são aquilo que é visto, os elementos empiricamente explícitos; mas existem efeitos ulteriores que são causados por interpretantes e objetos dinâmicos20. Nesta pesquisa, me refiro aos

tipos de efeitos que podem ser promovidos como recursão (direta ou indireta), para me referir ao fato de que eles são causados pelo interpretante ou pelo objeto – estando os efeitos do interpretante ligados a interpretações volitivas, e os do objeto ligado a respostas reativas a partir de hábitos condicionados.

Por meio de operações simbólicas (às quais eventualmente me refiro como

recursões diretas), o sujeito media a própria atividade, enquanto a afetação por elementos

externos o faz sem que ele necessariamente tome consciência desses atos de mediação (configurando o que me refiro como recursões indiretas). O objeto dinâmico impõe, sobre a mente, efeitos que não são perceptíveis na experiência imediata. O interpreta nte

19 Considerando que o efeito de um interpretante pode ser predominante sobre os efeitos concomitantemente

ativos de outros interpretantes, esclareço que, ao mencionar, ao longo do texto, um signo como sendo aquele que rege um processo semiótico, estarei, na verdade, me referindo a sua prevalência no fluxo recursivo em um dado momento. A expressão de qualquer signo sempre compreende a atuação da primeiridade, da segundidade e da terceiridade, cada uma das quais se manifesta sob algum correlato no ato que mediam.

20 Quando usada em referência a efeitos, objetos ou interpretantes, a palavra “ dinâmico”, No jargão de

Peirce, o termo dinâmico é usado em referência à propriedade de objetos e interpretantes de causar, sobre um intérprete, efeitos semióticos que não são significados de forma imediata. Nas palavras de Peirce (1977), “O interpretante dinâmico é um evento singular e real” (“The Dynamical Interpretant is a single actual

event”; p. 110). Nesse sentido, as propriedades dinâmicas dos objetos e interpretantes não sã o

primariamente referentes a signos, mas a seus efeitos semióticos sobre seu intérprete (1977). “Dinâmico” é usado por Peirce como sinônimo de “atributo de interesse científico”, cujo efeito real é objeto de explicação das ciências dinâmicas. Tal acepção não deve ser confundida com o uso do mesmo termo em referência à possibilidade de variação constante, comum às abordagens Histórico -Culturais e presente nesta dissertação.

dinâmico, por sua vez, promove efeitos (comportamentos) explicitamente perceptíveis, mas apenas por meio da experiência mediada, logo os tornando sujeitos à mediação voluntária.

Além desses tipos de objetos e interpretantes, também existem outros tipos de interpretantes, que são o final e o último. É o interpretante final que confere o caráter teleológico da ação. Eles também são condicionados pela ação, de modo que também advêm, de alguma forma, do objeto, que causa na emergência da mediação semiótica o aparecimento de outro tipo de interpretante, o interpretante último. Este é o interpreta nte que finaliza uma linha de interpretação, fazendo com que outros processos tomem seu lugar na atenção. Assim, uma linha outrora secundária assume a regência, o direcionamento da interpretação, e, portanto, muda o futuro imediato do intérprete21.

Como eu havia sinalizado anteriormente, a adoção do sistema semiótico de Peirce se deu em decorrência do interesse em compreender os processos de conformação da instrumentalidade em sua microgênese, mas buscando explorar sua evolução desde suas propriedades semióticas mais elementares. Em sua abordagem da PC, Valsiner (2000, 2012), assim como Peirce, compreende o signo (e seus processos) como a totalidade perceptiva unificada e coesa proveniente da síntese das diversas dinâmicas que afetam a subjetividade de seu intérprete. Por outro lado, a abordagem semiótica de Valsiner não se detém à exploração da relevância específica de cada um dos correlatos envolvidos na conformação (triádica) dos signos para a configuração de suas propriedades instrumentais. Na abordagem de Valsiner (2012), é frequente que a expressão do signo

21 Intérprete é o termo usado por Peirce (2011) em referência ao ser cuja mente é afet ada. Uma vez que o

termo mente foi usado neste trabalho apenas com implicações psicológicas ou cognitivas, os termos “intérprete,” “sujeito”, “indivíduo” e seus sinônimos fazem referência a um mesmo tipo de ser (a menos que o contrário seja indicado).

seja descrita como o efeito da significação de esquemas cognitivos que incorporam dinâmicas culturais maduras, de conformação simbólica complexa, e moldados por processos de aculturação efetivados em instâncias mesogenéticas e ontogenéticas. A mediação por esquemas fortemente condicionados à realização de operações de alta ordem, permeadas por inferências e elaborações discursivas, civilizam os atos instrumentais, tornando-os menos operacionais (ou mais afastado de funções executivas) e mais deliberativos (e mais próximos de funções de planejamento) ao nível da atividade individual. Menos sensível ao significado de atos que, aparentemente, são puramente energéticos, esta é uma abordagem que favorece a investigação de fenômenos de mediação teleológica (Rosa, 2007b).

O favorecimento (acima mencionado) ao desenvolvimento de funções instrumentais sob conformações simbólicas, contudo, não se deve a qualquer suposta superioridade operacional dos símbolos sobre as outras categorias de signos, mas à imersão do sujeito em campos (semióticos) de regulação cultural coletiva (Valsiner, 2012). Nesse contexto, a recorrência a representações convencionais e à linguagem tende a sobrepor a recorrência às práticas baseadas em formas de expressão mais rudiment ares (gestuais e reativas) – que, na concepção de Peirce (Peirce, 1931-1958/1994), seriam expressivas de funções semióticas pré-simbólicas –, o que é alusivo à hipótese vygotskiana de que a imersão na linguagem leva a uma gradual substituição da inteligência primitiva pela inteligência linguística (Vygotsky, 2007). Ou, de acordo com Rosa (2007a, 2007b), da evolução gradual de funções teleonômicas para funções teleológicas.

Ainda na abordagem de Valsiner, um signo se apresenta sempre como um fenômeno que é psicológico e cultural, numa simbiose indiferenciável ao sujeito que o

percebe. Em conformações deste tipo, a instrumentalidade do signo pode ser identificada por meio da atividade por ele mediada; a dinâmica semiótica evidenciada, contudo, não é mais expressiva de qualidades operacionais concernentes às práticas sociais e cultura is coletivas, operadas pela inteligência linguística, que das práticas instrumentais da atividade individual, em que a atividade intelectual se conservaria em instâncias mais primitivas (procedurais – sendo, também, mais suscetíveis à ação de forças teleonômicas). Essa discrepância entre operações instrumentais mais sofisticadas, de viés linguístico, e operações instrumentais mais primitivas, de viés intuitivo22 e procedural, é uma constante na Psicologia histórico-cultural desde seus primórdios (Leontiev, 2004; Valsiner, 2000; Van der Veer & Valsiner, 2009; Vygotsky, 2007). A Semiótica de Peirce, por outro lado, apresenta um arranjo teórico que permite integrar esses diferentes tipos de operações (simbólicas e não simbólicas; teleológicas e teleonômicas) sob uma lógica cognitiva comum: a dinâmica triádica do signo.

Das classificações de signos apresentadas por Valsiner (2000, 2012), a que recebe maior ênfase é a que os divide em três tipos: signo tipo ponto, tipo campo e signo hipergeneralizado (ver também Cabell, 2011; Cabell & Valsiner, 2014). Tal divisão, contudo, não leva em consideração apenas as suas propriedades semióticas, como a classificação peirceana, mas também as suas propriedades psicológicas. Logo, esses signos não podem ser considerados apenas em sua qualidade de tipos operativos básicos da dinâmica semiótica da cognição, uma vez que estes já se apresentam, em certa medida, como esquemas cognitivos. Quando comparados aos signos clássicos de Peirce, os da

22 Na Semiótica, a intuição não é compreendida como a capacidade de agregar à cognição, de forma

imediata, atemporal, certo saber ou capacidade apriorísticos. Esta concepção, criticada por Peirce, desconsidera a processualidade no desenvolvimento dos signos. Na semiótica, as intuições são cognições rápidas (mas ainda temporais), tangenciais à experiência simbólica, mas que foram constituídas por hábitos, a partir da experiência, seja ela ontogenética ou filogenética (Peirce, 2011).

classificação de Valsiner apresentam constituição semiótica composta, e sua dinâmica mais básica de funcionamento não se limita às propriedades semióticas básicas dos signos clássicos. Os signos valsinerianos agregam, às suas propriedades semióticas, outras propriedades, que são de natureza psicológica, e que não advêm apenas de uma lógica universal básica, mas de lógicas já evoluídas, contaminadas por formas evolutivame nte elaboradas de inteligência (filogeneticamente e, sobretudo, sociogeneticamente). Levando em conta a natureza predominantemente energética (procedural) dos tipos de ações analisadas, nesta pesquisa, demandou-se a utilização de um suporte analítico que favorecesse uma abordagem da estruturação e emergência da instrumentalidade a partir de suas propriedades mais básicas e primitivas, de caráter teleonômico acentuado, tendo sido necessário adotar uma teoria de maior sensibilidade à sua dimensão semiótica (Rosa, 2007a, 2007b). Logo, assimilei a Psicologia Cultural de Valsiner para esta pesquisa, em sua estrutura geral (incluindo aí a sua proposta metodológica, que supre a ausência de uma metodologia especificamente psicológica na semiótica), para a análise propriamente psicológica do fenômeno como um todo (a operação da interface), e como compleme nto para a compreensão das sintaxes entre os signos e seus elementos, mas não se limitou à sua concepção de signo. A fim de lidar com a escala que a investigação proposta demandou, adotei o conceito de signo com a conformação originalmente proposta por Peirce (2011), o signo triádico, como a unidade analítica na minha pesquisa.

Em Peirce, o signo é composto por três correlatos experienciais concomitantes, referentes às suas qualidades fenomenológicas fundamentais. Cada um dos correlatos em um signo incorpora um dos três aspectos ontológicos (ou qualidades essenciais) que lhe são característicos: primeiridade, segundidade e terceiridade, cada um dos quais definido por três categorias. No signo, cada aspecto é representado por uma de suas categorias,

cujas propriedades semióticas específicas se apresentam incorporadas em um dos correlatos (Burgess, s.d.; Peirce, 2011).

O primeiro dos três aspectos, a primeiridade, diz respeito ao próprio signo em sua instância imediata, como uma qualidade que é fenomenologicamente percebida pelo intérprete. A segundidade diz respeito ao caráter presentativo ou representativo do signo, à sua forma de denotar o seu objeto, também em uma instância fenomenologicame nte imediata. A terceiridade ainda diz respeito à forma de o signo denotar o objeto, mas em sua instância mediacional, concernente ao efeito do interpretante sobre o signo em sua representação do objeto à percepção. A terceiridade é, portanto, a instância do signo verdadeiramente responsável pelo efeito interpretativo que na Psicologia é conhecido como mediação (Peirce, 1931-1958/1994; Rosa, 2007a; Valsiner, 2012).

Cada um dos três correlatos componentes de um signo incorpora as propriedades de um dos três aspectos. As categorias características do primeiro correlato são

qualisigno, sinsigno e legisigno. No segundo, ícone, índex e símbolo. No terceiro

correlato, rhema, dicensigno e argumento (Figura 5). Referir-me-ei às propriedades de cada uma dessas categorias no decorrer desta seção. Para as categorias da primeiridade, todavia, as propriedades relevantes correspondem às de seu respectivo aspecto, descritas no parágrafo anterior.

Figura 5. Os três aspectos essenciais e as nove categorias do signo triádico.

As categorias do segundo correlato se referem à relação entre o signo e seu objeto no que diz respeito a como o primeiro denota este último: como ele o torna empiricame nte manifesto, ou ainda, como o signo representa seu objeto. O ícone é um signo que denota a qualidade algo por semelhança. Perceber um ícone significa evocar à mente a existênc ia de seu objeto, seja pela projeção (ou incorporação) da qualidade que o representa neste objeto, seja pela senciência de um estado afetivo. Já o índex é uma categoria de signo que direciona e arranja a percepção. Ele alude a seu objeto, o qual, mesmo ausente à percepção direta, é salientado por elementos do contexto. O índex é um signo de relação, presentativos das sintaxes na percepção, e se expressam como uma compulsão sobre a atenção do sujeito (Peirce, 1931-1958/1994, 2011).

O símbolo, por sua vez, é uma categoria de signo que tem como objeto um segundo símbolo, o qual substitui em procedimentos operacionais ou formais (Peirce, 2011). É por meio do símbolo que a ação instrumental pode ser ativamente exercida (diferentemente do que ocorre com índex e ícone, que, quando mediados por um legisigno, também possibilitam ações instrumentais, mas apenas de forma reativa ou

automatizada, por meio de funções emocionais ou energéticas/comportamentais – Peirce, 2011; Rosa, 2007a).

Na experiência humana regular, os três correlatos são concomitantemente atuantes e perceptualmente sinérgicos. São, de fato, categorias abstratas, que dizem respeito às propriedades constitutivas de um signo, não se manifestando de forma pura, sem os vieses dos outros dóis correlatos (Burgess, s.d.) É por serem necessariamente constituídos por três aspectos ontológicos (hipoteticamente instanciados nos correlatos) que o signo na