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Medidas sobre o tratamento do sobreendividamento nos EUA

11. Tratamento do sobreendividamento no direito comparado

11.2. Medidas sobre o tratamento do sobreendividamento nos EUA

O modelo norte-americano acolhe dois procedimentos para o tratamento das situações de sobreendividamento dos consumidores, ambos previstos no “Bankruptcy Code”.

O mecanismo mais utilizado corresponde ao Capítulo 7, e conduz um sistema de liquidação de todos os bens não isentos.221 O devedor, ou qualquer credor, pode intentar uma acção de falência, entregando a petição no respectivo tribunal de competência especializada, que é o tribunal de falência. Com a entrada desta petição, suspendem-se todas as execuções que haviam sido movidas pelos credores contra o devedor.

Uma vez decretada a falência, são liquidados os bens não isentos para pagamento aos credores, na respectiva proporção do seu crédito, respeitando-se sempre algumas preferências, como a dos credores com garantia. Uma vez realizado o pagamento, o devedor vai beneficiar de um perdão do remanescente das dívidas, desde que, previamente, se tenha submetido a uma sessão de reeducação financeira administrada por um serviço reconhecido.222 O que se pretende é alterar o comportamento do devedor que o impeça de reincidir, para conseguir aproveitar esta nova oportunidade que lhe é concedida. De lado ficam apenas algumas dívidas que são insusceptíveis de perdão, como por exemplo, as dívidas por alimentos, as dívidas fiscais, as dívidas resultantes de multas e de empréstimos destinados à educação.

Todo este procedimento tem uma duração média de apenas quatro meses.

O segundo procedimento previsto no BC, no Capítulo 13, é referente à aprovação pelo tribunal de um plano escalonado de pagamentos, com uma duração entre três e cinco anos. Neste caso, o devedor não é obrigado a vender os seus bens e vai pagar apenas as dívidas que puder, de acordo com os rendimentos não isentos de que dispõe durante esse período de tempo.

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As isenções variam em cada Estado e podem ser mais ou menos abrangentes. Habitualmente são isentos alguns subsídios, como o subsídio de desemprego e outras prestações sociais, os seguros de vida, as pensões de reforma ou de invalidez, as pensões de alimentos, bens de utilização corrente ou profissional do devedor, até determinado valor. Por exemplo, é possível impedir que a habitação ou o automóvel sejam vendidos, desde que não ultrapassem determinado montante fixado legalmente. Cfr. Frade, Catarina, A Regulação do Sobreendividamento …, ob. cit., pp. 544 ss.

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O devedor deve fazer prova da frequência deste curso até seis meses antes de o processo dar entrada no tribunal. Sem este documento, não poderá o devedor dar início ao processo, salvo se, o seu rendimento for inferior ao rendimento médio mensal estadual. Cfr. Frade, Catarina, ob. ult. cit., pp. 545 ss.

É o próprio devedor que apresenta ao administrador judicial a proposta de um plano, em regra elaborado por um advogado que seja especializado em falências. O administrador pode aceitar o plano ou pedir alterações para o fazer. Uma vez aceite o plano, o devedor fica vinculado ao seu cumprimento, nos termos estipulados. Os credores, por seu lado, não poderão rejeitar ou exigir modificações no plano de pagamentos, uma vez que este lhes é imposto. Com o início do processo suspendem-se as execuções que estejam em curso contra o devedor.

Uma vez terminado o cumprimento do plano, e à semelhança do que acontece para as decisões tomadas no Capítulo 7 do mesmo código, o devedor terá igualmente de frequentar uma sessão de reeducação financeira e só então poderá receber o perdão do remanescente ainda em dívida.

Ao contrário do que sucede no processo previsto no Capítulo 7, em que o devedor mantém intocável o seu rendimento futuro, satisfazendo os direitos dos credores apenas com o seu património presente, no Capítulo 13, o devedor salvaguarda o mais possível o seu património actual, sacrificando antes a sua capacidade futura de obtenção de rendimento. Se a situação do devedor piorar durante a fase de negociação ou execução do plano, o processo poderá sempre converter-se no mecanismo do Capítulo 7.

Se o rendimento do devedor for inferior ao rendimento médio mensal do respectivo Estado, o acesso ao procedimento resultante do Capítulo 7 é automático. Caso contrário, é calculada a relação entre o seu rendimento e as suas dívidas, para calcular qual dos mecanismos será aplicado ao devedor.

Para além destes dois mecanismos existentes no BC, existem centros e agências de aconselhamento e de educação do consumidor,223 que operam fora da via judicial, e se dedicam à actividade da mediação.224 É necessário que seja o devedor a tomar a iniciativa de contactar tais centros no sentido de estes elaborarem um plano de pagamentos adequado a cada situação. Posteriormente o centro entra em contacto com os credores na tentativa da mediação. Este processo pode passar, nomeadamente, pela

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“Debt couseling services”. Cfr. Frade, Catarina, ob. ult. cit., p. 548.

224 Exemplo desta rede e centro de agências que se dedica à mediação de dívidas é o caso do Consumer Credit Counseling

Services (CCCS), que é uma instituição privada sem fins lucrativos, reconhecida pelo Council on Accreditation of Services for Families and Children, Inc (COA), financiada pelas pequenas prestações cobradas aos devedores que recorrem aos seus serviços, ou pela contribuição de credores associados que beneficiem dos planos de recuperação de dívidas ou mesmo mediante a prestação de serviços de outra natureza nomeadamente a venda de livros, a organização de seminários ou através da gestão financeira dos indivíduos e das suas famílias. Particular destaque assume o Debt Management Plan que consiste num plano voluntário de reestruturação de dívidas. Cfr. autor e ob. ult. cits.

alteração de prazos, das taxas de juro, na redução das prestações devidas. As vantagens que poderão advir deste mecanismo são claras: evitam a pressão que os credores fazem sobre os devedores, o recurso ao processo de falência e a consequente liquidação do património.