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8. Reembolso antecipado e incumprimento do contrato de crédito

8.3. Incumprimento do contrato pelo consumidor Consequências

8.3.2. Perda do benefício do prazo

Independentemente do benefício concedido ao credor com os juros moratórios supra mencionados, este possui ainda outros recursos distintos decorrentes das condições gerais do contrato.

O financiador não pode tolerar o atraso indefinidamente. Por essa razão, poderá exigir ao consumidor a perda do benefício do prazo que ele dispunha, declarando imediatamente vencidas todas as prestações.

Desta forma, é frequente que se estipule uma cláusula contratual onde se possibilita que o credor, através de carta registada com aviso de recepção, declare imediatamente vencidas todas as prestações, sempre que não for efectuado o pagamento de qualquer prestação de reembolso de capital. Também é possível a cláusula que determina que a mora ou o não cumprimento definitivo de qualquer das obrigações assumidas confere ao banco o direito de considerar imediatamente vencido,

independentemente de interpelação, tudo o que for devido, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades, ainda que não vencidas.

Uma vez que o DL n.º 359/91, de 21 de Setembro, nada previa sobre esta matéria, aplicavam-se, subsidiariamente, as regras constantes no CC, nomeadamente os arts. 781.º e 934.º. No primeiro caso, encontramos total aplicação ao caso em concreto, uma vez que sempre que a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas. No segundo caso, a aplicação tem um alcance mais reduzido, uma vez que se trata já de um regime especial, face ao regime geral enunciado, concretizando a falta de pagamento de uma só prestação, que não exceda a oitava parte do preço, não dá lugar à resolução do contrato, nem à perda do benefício do prazo relativamente às prestações seguintes, salvo convenção em contrário. Ora, é precisamente esta convenção em contrário que normalmente é reduzida a escrito no clausulado do contrato, sendo certo que, em princípio, e não obstante a apreciação de cada caso em concreto, a doutrina e a jurisprudência consideram a validade de tais cláusulas.

8.3.2.1. Problemática em torno da Perda do Benefício do Prazo a) Necessidade de interpelação ao consumidor

Vários problemas poderão surgir perante a análise das cláusulas contratuais. Desde logo, questiona-se o facto de ser ou não necessária uma interpelação, judicial ou extrajudicial, do consumidor, nos correctos termos do art. 805.º n.º 1 do CC, para o financiador exercer o seu direito de exigir a realização de todas as prestações.

A posição dominante entende que sim.174 O financiador tem necessariamente que interpelar o consumidor, nos termos do referido art. 805.º n.º 1 do CC, para que dele possa exigir a realização de todas as prestações,175 perdendo, assim, o benefício do prazo. Em todo o caso, apesar de o financiador perder o direito de exigir os juros que lhe eram devidos no caso de o contrato permanecer até ao termo do prazo, em regra, terá o direito a pedir uma indemnização pelos danos causados, a título de cláusula penal.

174 Cfr. MORAIS, Fernando Gravato, União de Contratos…, ob. cit., nota 562.

175 Ac. TRC de 10.03.2009 (Graça Silva) “ O regime previsto no art. 781.º CC visa também a protecção dos interesses do

credor, pelo que a falta de pagamento de uma das prestações, num contrato de mútuo bancário, implica a interpelação do devedor, para a exigibilidade das demais.” No entanto, segundo o Ac. TRC de 01.04.2009 (Jorge Arcanjo) “O vencimento imediato das prestações por falta de pagamento de uma delas depende da vontade do mutuante, que não está obrigado a exigir imediatamente o pagamento de todas elas.”

No entanto, a cláusula que não implique a interpelação do consumidor, considera- se igualmente válida, à luz da liberdade contratual prevista pelas normas civilistas. Na verdade, ambas as partes podem livremente fixar o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diversos dos previstos no CC ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver.176 Neste caso, a aplicação do art. 781.º do CC teria um carácter meramente supletivo.

Com a entrada em vigor do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho, esta questão fica esclarecida, uma vez que, o credor só poderá invocar a perda do benefício do prazo, ou a resolução do contrato, se o não cumprimento de duas prestações sucessivas representar mais de 10% do montante total do crédito concedido e ainda, se o credor conceder ao consumidor, sem sucesso, um prazo suplementar de 15 dias para que este venha a regularizar as prestações em atraso, advertindo-o ainda dos efeitos que advirão com a perda do benefício do prazo ou com a resolução do contrato.177 Quanto a este último requisito exigido ao credor, não se impõe qualquer formalidade. No entanto, entendemos que deverá igualmente revestir a forma em papel ou noutro suporte duradouro, à semelhança da comunicação que o consumidor está sujeito a fazer ao credor, se pretender reembolsar antecipadamente o contrato.178

b) Destino dos elementos inerentes às prestações

As prestações englobam não só o capital mutuado, como também os juros remuneratórios, os impostos a pagar, e até os prémios relativos aos seguros. A questão que se coloca é precisamente a de saber o que acontece a todos estes elementos inerentes às prestações, no caso do vencimento antecipado das mesmas.

Relativamente aos juros remuneratórios, importa saber qual de duas hipóteses poderá ter lugar. Se o decurso do tempo tem relevância, de forma a não haver lugar ao pagamento dos juros remuneratórios ou se, pelo contrário, o não pagamento dos juros remuneratórios implica de igual forma o vencimento antecipado dos mesmos.

176 Art. 405.º n.º 1 do CC.

177

Art. 20. n.º 1 do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho.

178 Art. 19.º n.º 2, in fine, do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho. Cfr. Morais, Fernando Gravato, Crédito aos Consumidores …, ob.

Por um lado, o que está em causa é a natureza distinta das duas prestações, do capital e dos juros, sendo então o seu tratamento diferenciado. Neste caso, os juros remuneratórios, ao contrário das prestações, não se vencem antes do período a que dizem respeito, só ocorrem com o decurso do tempo. Se assim fosse, conduziria a uma situação de benefício desproporcionado para o financiador, porque largamente superior caso se verificasse o cumprimento do contrato. Por este motivo, os juros remuneratórios encontram-se excluídos do âmbito de aplicação do art. 781.º do CC. Bem como o art. 1147.º do mesmo diploma não terá aplicação uma vez que o que está em discussão não se trata de uma antecipação de pagamento. Uma vez mais o financiador teria uma vantagem muito superior à do cumprimento atempado do contrato.179

Por outro, não se pode descurar a convenção das partes que estipule expressamente que os juros remuneratórios e outros encargos sejam de igual forma afectados pela perda do benefício do prazo. A própria TAEG, que expressa o custo total do crédito, demonstra a incindibilidade das prestações. A lei geral, no seu art. 1147.º, consagra que o prazo no mútuo oneroso se presume estabelecido a favor de ambas as partes, podendo o mutuário antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro. Não obstante, não podemos esquecer que esta orientação não impede, dentro dos limites legais, a capitalização dos juros por parte do financiador.

No que diz respeito ao imposto de selo sobre os juros moratórios vencidos e sobre os que entretanto se vençam, naturalmente que a sua cobrança é inquestionável.

Já quanto ao seguro realizado, as apólices são definidas consoante o risco que visam acautelar e repartidas consoante o financiamento em causa. Regra geral, são seguros de vida ou de incapacidade temporária. Por essa razão, se a perda do benefício do prazo for invocada, o risco prevenido no contrato deixa de fazer qualquer sentido, cessando assim o fundamento para a sua cobrança.