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8. Reembolso antecipado e incumprimento do contrato de crédito

8.2. Requisitos exigidos para o reembolso antecipado

8.2.2. Requisitos formais

No que diz respeito aos requisitos formais, o legislador vem agora exigir alguns formalismos, nomeadamente no que diz respeito ao prazo de pré-aviso que deve ser exercido através de comunicação ao credor em papel ou noutro suporte duradouro. Ao contrário do que sucedia com a legislação anterior, onde estes formalismos poderiam, e deveriam, ser regulados, igualmente, no contrato, actualmente, passaram a ser expressamente definidos, nomeadamente quanto à forma que esta comunicação ao credor deve revestir. Acreditamos que tenha sido uma boa alteração, tornando regra o que já deveria acontecer na prática e simplificando, uma vez mais, a matéria que deverá ser contratualmente consagrada entre as partes.

a) Prazo

No que diz respeito ao prazo de pré-aviso que a comunicação ao credor deve respeitar, no caso de ser intenção do consumidor o reembolso antecipado do contrato, não pode ser inferior a 30 dias.141

Em princípio, o reembolso antecipado do contrato não vai trazer grandes inconvenientes ao credor, razão pela qual, entendemos que o prazo de pré-aviso de 30 dias nos parece ser suficiente. Ressalva-se apenas a situação de evitar que o consumidor possa exercer o seu direito de uma forma imediata, sem o conhecimento prévio por parte do financiador.

Poderão as partes estipular um prazo diverso, desde que imbuído do espírito da norma, naturalmente. Ou seja, poderá ser aposto um prazo superior, desde que razoável. Na verdade a imposição de um prazo exageradamentesuperior, por exemplo o prazo de pré-aviso de 12 meses, poderá limitar e até mesmo impedir, na prática, o consumidor de exercer esse direito.

b) Redução do custo total do crédito e compensação devida ao credor

Sempre que o consumidor cumpra antecipadamente o contrato de crédito, vai beneficiar de uma correspondente redução do custo total do crédito. Esta redução implica uma diminuição nos juros e nos encargos correspondentes ao período remanescente do contrato.142

O credor, por seu turno, com o reembolso antecipado, terá direito a uma compensação justa, que seja objectivamente justificada, pelos custos relacionados com o cumprimento antecipado, desde que este ocorra num período em que a taxa nominal aplicável seja fixa.143 Inversamente, se na data pretendida para o reembolso antecipado for praticada uma taxa variável, o credor não terá direito a qualquer compensação.144

Esta compensação, que se concretiza na comissão de reembolso antecipado, é calculada tendo em conta o período temporal decorrido entre o reembolso antecipado e a data do termo do contrato de crédito. Assim sendo, se esta for superior a um ano, a compensação a pagar pelo consumidor vai corresponder a uma comissão que não pode exceder 0,5% do montante do capital reembolsado antecipadamente; se, pelo contrário, for igual ou inferior a um ano, a comissão devida não pode ser superior a 0,25% do

142

Art. 19.º n.º 1, 2ª parte, do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho. Ac. TRP de 27.04.2009 (Maria Adelaide Domingos) “O vencimento imediato e antecipado das prestações vincendas em contrato de mútuo destinado à compra e venda deve confinar-se à parcela do capital em falta, não incluindo a parcela dos juros remuneratórios que só seriam devidos se fossem mantidos os prazos de vencimento dessas prestações.”

143 Art. 19.º n.º 3 do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho. 144

Na perspectiva do credor, será certamente mais vantajoso a aplicação de uma taxa de juro fixa durante o período de vigência do contrato de crédito ou pelo menos na metade final do período de duração do contrato, uma vez que, por regra, o cumprimento antecipado ocorre durante este período. Cfr. Morais, Fernando Gravato, Crédito aos Consumidores …, ob. cit., p. 96.

montante do crédito reembolsado antecipadamente.145 Quanto ao reembolso antecipado parcial, a regra é a mesma. Porém, poderá ser mais penalizador para o consumidor, em virtude da sua efectivação ocorrer, por norma, no último ano do termo do contrato de crédito.

Podemos ainda discutir os contratos de crédito celebrados por tempo indeterminado com a taxa fixa. Inexistindo um período concreto entre o pagamento do reembolso antecipado e o termo do contrato, não terá o credor direito a uma compensação, prevalecendo apenas a regra geral constante dos n.os 1 e 2 do art. 19.º do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho. Se assim não fosse, o legislador não teria feito a diferenciação do limite temporal para a aplicação dessa mesma compensação. De igual forma, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, não tem o credor direito a qualquer compensação, nos contratos de crédito por tempo indeterminado com a taxa variável.146

Esta comissão, no entanto, não pode exceder, em caso algum, o montante dos juros que o consumidor teria de pagar entre o período de reembolso antecipado e a data estipulada para o termo do período de taxa fixa do contrato de crédito.147

Só não o poderá fazer nas situações em que o reembolso seja realizado em execução do contrato de seguro que vise garantir o reembolso do crédito; quando exista facilidade de descoberto; ou nos casos em que o reembolso ocorra num período em que a taxa nominal aplicável não seja fixa.148

8.2.3. Inovações em face do revogado DL n.º 359/91, de 21 de Setembro

O consumidor continua a poder cumprir livre e antecipadamente o contrato de crédito. Ao contrário do que sucedia com o art. 9.º do DL 359/91, de 21 de Setembro, com a epígrafe “cumprimento antecipado”, o legislador alterou-a para “reembolso antecipado”. Os termos deste reembolso sofreram algumas alterações. De uma maneira geral, o novo diploma introduziu uma norma mais protectora do consumidor do que o anterior.

145 Art. 19.º n.º 4, do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho. 146

Cfr. Morais, Fernando Gravato, Crédito aos Consumidores …, ob. cit., pp. 96 ss.

147 Art. 19.º n.º 6 do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho.

O consumidor pode exercer este seu direito “a todo o tempo”, expressão inexistente na legislação anterior, desde que efectue um pré-aviso ao credor, nunca inferior a 30 dias de calendário.149 O prazo de pré-aviso aumentou assim para o dobro, não obstante a possibilidade de convenção entre as partes em prazo superior. Para além disso, a comunicação deverá ser feita sempre em papel ou noutro suporte duradouro.150 Esta formalidade, apesar de ser respeitada na maioria das vezes, estava completamente omissa na legislação anterior. Representa, por isso, uma inovação que visa proteger ambas as partes.

Por outro lado, na legislação anterior o consumidor só podia exercer este seu direito de cumprimento antecipado uma única vez, salvo se existisse convenção em sentido contrário.151 O legislador omitiu esta questão, sendo certo por isso, que o consumidor poderá exercer este direito por mais que uma vez, se assim o entender.

Anteriormente, o legislador não fazia distinção entre a redução que beneficiava o consumidor e a compensação devida ao credor. Calculava apenas o valor do pagamento antecipado com base numa taxa de actualização,152 podendo o credor ainda exigir juros e outros encargos que correspondam ao período convencionado, desde que não exceda a primeira quarta parte do prazo inicialmente previsto, sempre que o consumidor cumprir as suas obrigações antes do decurso daquele período.153

Se o contrato de crédito tivesse por objecto a venda de uma coisa ou de um serviço mediante o pagamento a prestações, entendia-se que a antecipação seria sempre reportada à última ou últimas prestações vincendas, não podendo, em caso algum, implicar a redução de custos relativamente à primeira prestação vincenda.154 No novo diploma, o legislador omitiu por completo esta alínea.

O legislador, ao contrário do que sucedia na legislação anterior, consagrou duas novas medidas de protecção do consumidor no que diz respeito ao exercício do seu direito de reembolso antecipado. A primeira diz respeito a uma limitação que impede o

149 Art. 19.º n.os 1 e 2, do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho. 150 Art. 19.º n.º 2, do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho. 151 Art. 9.º n.º 2, do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro. 152

Art. 9.º n.º 1, 2ª parte, do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro.

153 Art. 9.º n.º 4, do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro. 154 Art. 9.º n.º 5, do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro.

credor de exigir ao consumidor, que pretenda cumprir antecipadamente o contrato de crédito, uma comissão de reembolso se este tiver sido efectuado em execução de contrato de seguro destinado a garantir o reembolso do crédito, se estiver perante uma situação de facilidade de descoberto ou se o reembolso ocorrer num período em que a taxa nominal não seja fixa.155 A segunda, limita a comissão devida ao credor, quando aplicável, ao montante dos juros que o consumidor teria de pagar durante o período decorrido entre o reembolso antecipado e a data estipulada para o termo do período de taxa fixa do contrato de crédito.156

8.2.4. Anteprojecto do Código do Consumidor

O anteprojecto do Código do Consumidor contempla, no seu art. 296.º, o cumprimento antecipado do contrato de crédito.

A redução a efectuar no montante do crédito respeita o princípio da diminuição efectiva e equitativa. Ao custo total do crédito reduz-se o valor dos juros e demais custos e encargos dependentes do decurso do tempo, proporcionalmente ao período de vigência do contrato abrangido pela antecipação.157

No entanto, o anteprojecto prevê, no seu n.º 5, um desvio a tal regra, permitindo que o financiador possa exigir a título de juros e de outros custos e encargos dependentes do decurso do tempo, um determinado montante, correspondente a um período que não exceda um determinado prazo de duração do contrato. Este montante, a determinar, para ser exigido, basta que no documento escrito por que haja sido celebrado o contrato conste uma cláusula nesse sentido. E aqui surge uma excepção que poderá por em causa o referido princípio da diminuição efectiva e equitativa que se supõe existir na redução a efectuar no montante de crédito. Podem assim, surgir situações em que o cumprimento antecipado pelo consumidor se revele, de facto, muito pouco útil.

155

Art. 19.º n.º 5, alíneas a), b) e c), do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho.

156 Art. 19.º n.º 6, do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho. 157 Art. 296.º n.º 2 do Anteprojecto do Código do Consumidor.

O prazo de pré-aviso do consumidor é de 15 dias,158 sendo certo, porém, que recai sobre o financiador, um dever de informar o consumidor, por escrito, o montante a pagar antecipadamente, de acordo com a redução prevista. 159

Por outro lado, é de referir que as limitações no caso de cumprimento antecipado parcial, foram afastadas. A quantia entregue pelo consumidor, no caso de pagamento ou reembolso realizável em várias prestações, considera-se sempre imputada às prestações que se vencerem em último lugar.160

Em termos genéricos, o anteprojecto apresenta um regime mais claro para o consumidor. Porém, uma vez mais, a excepção prevista poderá trazer consequências pouco equitativas, como foi por nós analisado.