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4. A escrita literária como voz de insurgência

4.2. Romper com os estereótipos à volta de mulheres africanas: a narrativa de

4.2.2. Meio Sol Amarelo

As páginas do segundo romance de Chimamanda Ngozi Adichie “Meio Sol Amarelo” (Half of a Yellow Sun) publicado em 2006 albergam muitas personagens, entre quais as mulheres que diariamente lutam pela independência das suas vidas, das suas famílias e do seu país. Nas posições, decisões e traços caraterísticos destas mulheres podemos encontrar os ecos do pensamento feminista apresentado nos primeiros três capítulos deste trabalho: a luta pela dignidade, pelo direito a viver a sua vida na sua própria maneira, o amor pela família, pela pátria e pela terra. O romance descreve um capítulo sangrento da História da Nigéria e a guerra do Biafra pela independência entre 1967-70. Neste romance falam-nos as vozes de várias personagens – a de Ugwu, o rapaz criado do professor Odenigbo, a de Odenigbo, a de Kainene e a da sua irmã gémea Olanna e a de Richard, um inglês engagé na causa política do Biafra.

57 Olanna e Kainene, as principais mulheres do livro, pertencem à classe média nigeriana cujos pais fazem parte dos homens e mulheres de negócios, os novos-ricos, as pessoas sem ideais e os oportunistas. As irmãs não podiam ser mais diferentes uma da outra, quer a nível físico quer psicológico. Kainene seguiu o seu pai na escolha da vida profissional tornando-se uma mulher de negócios. Olanna, por sua vez, cursou na Inglaterra onde fez sociologia e, ignorando a vontade do seu pai, tomou a decisão de se mudar para a cidade de Nsukka onde tencionava lecionar na universidade local e viver com Odenigbo, professor na mesma universidade. As duas mulheres são sofisticadas, educadas num liceu britânico prestigioso, estabelecido pelos e para os Ingleses abastados na Nigéria. Ambas têm uma forte visão da sua própria vida que não vai ao encontro dos planos estabelecidos para elas pelos seus pais, isto é particularmente verdadeiro no caso da Olanna. Como a rapariga é de extrema beleza, os pais tentam empurrá-la para os braços do Chefe Okonji, em troca de um contrato lucrativo. A decisão de não aceitar o posto de trabalho no Ministério e de não aceitar os avanços do Chefe tal como de se juntar ao Odenigbo em Nsukka para viver com ele e trabalhar na universidade no Departamento de Sociologia demonstram a personalidade forte e indomável da jovem mulher. O mesmo pode-se afirmar sobre Kainene, visto que lidar com os negócios no mundo dominado por homens comerciantes exigia uma certa coragem, profissionalismo e a capacidade de não se deixar intimidar pelos tubarões de negócios.

A forte mensagem feminista, centrada na voz das mulheres é-nos transmitida quando Odenigbo trai Olanna. Magoada, sofredora e cheia de incertezas, Olanna vai de visita à sua tia Ifeka para lhe relatar o que aconteceu na sua vida íntima. Curiosamente, Olanna não procura comunicar com a sua mãe pois separa-as o mar das diferenças na forma como encaram as suas vidas. A Tia Ifeka, uma mulher simples mas experiente da vida, pronuncia as palavras que só podiam ter sido proferidas por uma feminista, uma mulher consciente de relações de género que dominam o quotidiano: «- Nunca te deves comportar como se a tua vida pertencesse ao homem. Ouviste-me? – disse a Tia Ifeka. – A tua vida pertence-te a ti, só a ti, soso gi». (Adichie, Meio Sol Amarelo, 2009, p. 284) [You must never behave as if your life belongs to a man. Do you hear me? Aunty Ifeka said. ´Your life belongs to you and you alone, soso gi´] (Adichie, Half of a Yellow Sun, 2009, p. 227). Esta é a voz própria duma mulher africana, da mesma mulher que muitas feministas ocidentais imaginaram e descreveram como pobre, vítima das tradições africanas que a deixam sem voz e sem a capacidade de decidir sobre a sua própria vida. A Tia Ifeka pede

58 também a Olanna para esta tentar relativizar a sua experiência e a sua dor porque, afinal de contas, Odenigbo comportou-se conforme era “esperado” de um homem: durante a ausência da sua mulher dormiu com uma outra. Na sua lógica, a Tia Ifeka parece querer dizer que a traição por parte do homem pode não ser necessariamente um drama – há coisas na vida duma mulher mais importantes do que isto – no caso de Olanna são o trabalho e a independência económica. São estes fatores que lhe dão o poder para se sentir forte e livre.

A educação é uma outra forte mensagem em prol do empoderamento das mulheres que Chimamanda Ngozi Adichie parece transmitir. Uma parte das mulheres que aparecem no romance tem uma educação – Kainene, Olanna, Miss Adebayo, a Americana Edna Whaler. Esta educação permite-lhes atuar em pé de igualdade com os homens participando nas discussões políticas na casa do Odenigbo, atuar para o bem da sociedade e viver a sua independência. Quando a filha da Tia Ifeka pergunta a Olanna se esta tenciona casar-se com Odenigbo, a resposta é negativa reforçando a ideia de que Olanna tenciona antes trabalhar. Ao que Arize responde, tomada pela surpresa e admiração: «Só as mulheres que leram muito Livro como tu podem dizer uma coisa destas, mana. Se as pessoas como eu, que nunca leram um Livro, esperarem de mais, caducam» (Adichie, Meio Sol Amarelo, 2009, p. 58). [It is only women that know too much Book like you who can say that, Sister. If people like me who don´t know Book wait too long, we will expire] (Adichie, Half of a Yellow Sun, 2009, p. 41). “O Livro” e a educação garantem à mulher o poder intelectual, o poder de saber o seu próprio valor e o rumo que ela devia tomar na vida. A educação pode abrir muito mais portas a outras alternativas do que somente o casamento precoce e as dificuldades da vida duma mulher casada. É a mesma mensagem que nos é passada pela Tia Ifeoma no romance “A Cor do Hibisco”, e é o motivo que reaparece nas páginas das duas obras da autora.

No entanto, Adichie apresenta-nos a atitude da mãe de Odenigbo face a Olanna e tudo o que ela representa enquanto mulher jovem, educada, livre e moderna. Mama está convencida de que os estudos estragam uma mulher tornando-a arrogante e inútil (desobediente) enquanto esposa. A educação universitária pode, até, ser uma causa da infertilidade da mulher, ou seja, pode torná-la um ser inferior sem qualquer “uso”. No entanto, é importante notar que a mãe de Odenigbo é, como ele próprio observou, uma mulher simples, ignorante e com medo de tudo o que Olanna representa mas que é

59 inalcançável para muitas das mulheres das zonas do mato. Vemos ainda aqui uma forte crítica, expressa em palavras quase humorísticas, da ignorância intelectual e também uma mensagem que urge disseminar sobre a ideia de educação enquanto instrumento de empoderamento das raparigas, mulheres e das sociedades em geral. O exemplo de Ugwu sugere que com a educação alcançada com a ajuda de Odenigbo, os indivíduos podem tornar-se os agentes da sua própria vida e do futuro das suas sociedades. Tal como na versão do feminismo proposto pela Ogunyemi, tanto os homens como as mulheres podem e devem cooperar na tentativa de transformar a sociedade.

Ao analisar as personagens femininas que aparecem diante dos nossos olhos, deparamo-nos com outras mulheres que, embora não sejam as personagens principais do romance, dizem-nos muito sobre a condição e as caraterísticas das mulheres africanas que desconstroem imagens estereotipadas da “Outra”. A senhora Muokelu é mais um exemplo da mulher com personalidade forte. Embora sem instrução, ela colabora com Olanna e Ogwu na tarefa de fornecer educação às crianças de Biafra. Luta diariamente contra as condições precárias para sustentar a sua família alargada e presta ajuda às pessoas deslocadas no centro de apoio devido à guerra civil. O seu envolvimento em prol da comunidade, as estratégias de sobrevivência (por exemplo, ensinar a Olanna a arte de fazer o próprio sabão) e até a vontade e disponibilidade de se envolver diretamente nas atividades da guerra, se a situação chegasse a isso, demonstram que as mulheres africanas são muito mais do que testemunhas mudas e passivas dos acontecimentos à sua volta.

A questão da violência alimentada pela guerra cujo alvo são as mulheres e os homens está fortemente presente no livro de Chimamanda Ngozi Adichie. A autora condena a violência exercida contra as mulheres durante a guerra e até um dos protagonistas do romance, o rapaz Ugwu, não escapa ao destino e torna-se cúmplice de violência. As raparigas são instrumentalizadas para “o bem da pátria” servindo como prémio de consolação para os soldados e oficiais de alta patente. Eberechi, uma rapariga que captou a atenção do Ugwu, foi literalmente oferecida pelos próprios pais a um oficial do exército. Foi considerada como uma prenda para o oficial, uma oferenda para agradecer o esforço patriótico em nome do Biafra livre. Tocantes são os pensamentos de Ugwu, os quais refletem a culpa pelo sucedido. A quem atribuir a culpa? À família da Eberechi? Ao oficial do exército? Talvez à guerra e à violência que empurraram as pessoas para tomarem posições que noutras circunstâncias nunca teriam tomado? Pode-se atribuir a culpa à

60 misoginia que se revela sobretudo em tempos de guerra? E surge a pergunta, gritante e inquietante, porque é que Ugwu, o rapaz que conquistou toda a simpatia do/a leitor/a, violou uma rapariga indefesa num bar seguindo o exemplo dos outros soldados? Comportamento de imitação social? Medo de ser rejeitado por não seguir o mesmo comportamento? O referido ato deixou-o envergonhado a pensar o que diria Olanna se soubesse… São perguntas para as quais Chimamanda Ngozi Adichie não nos deixa nenhuma resposta. Em vez disso, faz-nos refletir e chegar às nossas próprias conclusões. Importante é não saltar para os desfechos fáceis, que podiam ser tomados como referência se seguíssemos a lógica do pensamento feminista ocidental ao qual estamos habituados/as pois vivemos submersos na cultura ocidental. Estas respostas generalizadas já colonizaram e subalternizaram as mulheres não ocidentais muitas vezes tornando-as Outras.

Tudo o que a autora descreve prende-se com a própria cultura africana e seria muito fácil e perigoso cair na tentação de aplicarmos a chave de leitura feminista, própria do feminismo branco ocidental. Seria a tal violação do texto escrito por uma escritora africana e a apropriação dos valores ocidentais transpostos para o texto africano. As mulheres apresentadas no romance são fortes e decididas, envolvem-se na luta pela independência do novo país (gerindo, como no caso de Kainene, um campo de refugiados ou, como Olanna, ensinando as crianças em tempos da guerra), lutam pela sobrevivência dos seus filhos, dos maridos e dos pais. Muitas delas fazem negócios do outro lado, do lado nigeriano, correndo o risco de serem capturadas, violadas e mortas. Transgridem as regras e as fronteiras para conseguir os medicamentos e comida; travam uma luta quotidiana não menos perigosa da que é travada por homens no campo de batalha. A coragem, a inteligência, a destreza e uma ótima organização constituem a arma poderosa destas mulheres contra a falta de meios, uma arma de esperança e de futuro. As mulheres na guerra perdem os filhos, são obrigadas a viver o período de luto mas não podem desistir. Têm outros filhos para alimentar e proteger. É uma caraterística do motherism, de certeza, mas não se pode negar que todas as mulheres, em todas as partes do mundo, sofrem com a perda de filhos; todas elas se encontram sujeitas à violência durante a guerra. Estes são os lamentos dos quais Mariama Bâ falou – há uma parte comum no sofrimento das mulheres.

No entanto, estas mulheres são uma esperança e garantia do futuro. São elas que nutrem as comunidades. Maternidade é um valor para elas sem outro igual. O desejo profundo de Olanna de se tornar mãe e a sua decisão de cuidar do filho de Odenigbo

61 concebido com uma outra mulher, Amala, a rapariga simples sem voz e instrumentalizada pela mãe do Senhor (Odenigbo), demonstra o papel central da maternidade na vida de mulheres africanas. Porém, evidencia também a força da mulher africana face às situações inesperadas. Este desejo de Olanna pela maternidade não pode ser interpretado, de forma alguma, pela parte negativa, aplicando a leitura feminista ocidental onde, em muitos casos, maternidade está associada à auto-abnegação da mulher e à limitação das suas capacidades profissionais. Aqui, maternidade é uma função que atribui à mulher poder e reconhecimento no seio da família e da sociedade. O que não implica que as mulheres férteis não sejam alvos de discriminação e marginalização social e familiar. Esta realidade foi retratada por Molara Ogundipe-Leslie (1994) que observou que a maternidade obrigatória nas sociedades africanas pode conferir à mulher um estatuto elevado mas pode também, em caso de infertilidade ou de ter somente filhas causar angústias e infelicidade provocadas pela ostracização social e rejeição pela família do marido.

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Conclusões

O presente trabalho procurou encontrar e ouvir a voz das mulheres negras (afro- americanas e africanas) que foram relegadas para o lugar da “Outra”, tanto pela cultura ocidental em geral, como pelo pensamento feminista ocidental em particular. Pretendeu-se compreender por que razão as mulheres afro-americanas e as suas irmãs africanas se insurgiram contra os feminismos brancos, rejeitando o conceito de “irmandade”, expondo a hipocrisia do movimento e pensamento feminista branco e separando-se, por completo, das ideias-chave disseminadas por intelectuais feministas ocidentais. O nosso objetivo foi, claramente, centrarmo-nos no pensamento desenvolvido por mulheres intelectuais africanas, visto que há séculos a sua voz foi abafada, se não reprimida, a fim de as impedir de se exprimirem e desenvolverem a sua própria filosofia. A voz e a possibilidade de falar, no sentido de lhes ser conferida a oportunidade de verbalizarem, por exemplo, os seus valores, causas, convicções, escolhas e de afirmarem a sua identidade, através da escrita e da palavra, foi o nosso fio condutor.

A metodologia em que se apoiou este trabalho e que se revelou de grande relevância para este estudo foi a de análise de conteúdo dos principais textos produzidos por académicas e ativistas afro-americanas e africanas. O nosso interesse girou à volta do pensamento e da escrita das líderes feministas afro-americanas e africanas, já que durante décadas, este pensamento não foi divulgado nem encorajado e, cremos, que até hoje existem lacunas por preencher no que diz respeito à análise académica da escrita, tanto teórica como literária, das mulheres vistas como Outras – as mulheres relegadas para o silêncio e invisibilidade pela cultura dominante. É o momento, também, de realçar, que não se pretendeu tornar exaustivo o tema, pois este revela-se de grande complexidade e profundidade para ser tratado num trabalho académico a nível de mestrado. Acreditamos que a temática aqui abordada, apresentada numa forma sucinta mas que permite compreender algumas questões que colocámos, merece toda a atenção científica e poderia ser, sem dúvida, abordada através de investigações e estudos de natureza académica. O importante trabalho já efetuado no âmbito da literatura e do pensamento de mulheres africanas, empreendido por exemplo, pela Professora Doutora Ana Mão de Ferro Martinho Galé, permitiu-nos melhor compreender quais são as problemáticas que merecem toda a atenção e desenvolvimento ao longo de futuras pesquisas.

63 O trabalho foi dividido em capítulos de forma a facilitar a organização da informação e conhecimento que foi surgindo à medida que os textos foram lidos e analisados. E, seguindo esta lógica, o capítulo 1 apresentou primeiro o conceito de irmandade proposto por feministas brancas como o instrumento que pudesse unir todas as mulheres vistas como vítimas da opressão patriarcal. De seguida, concentrámo-nos no problema do racismo inerente ao movimento feminista branco assinalado por escritoras afro-americanas e na forma como algumas delas, por exemplo, bell hooks, Patricia Hill Collins, Audre Lord desnudaram a hipocrisia presente na atitude das feministas brancas perante as suas “irmãs” negras. As mulheres afro-americanas constituíram uma força que deu início à contestação da filosofia feminista dominante na qual a mulher branca, preferencialmente de classe média e mais privilegiada, foi considerada uma norma a nível cultural e sexual. A mulher negra, com a sua sexualidade feroz e o corpo sempre disponível foi considerada uma aberração e um desvio à norma.

Foi desta forma que se começou a construir uma imagem da Outra – uma mulher que não cabia na imagem histórica e culturalmente disseminada e que fugia do padrão normativo. É precisamente sobre a construção da mulher negra, do Terceiro Mundo, enquanto Outra, que se debruça o capítulo 2. Através da análise da emergência dos feminismos pós-coloniais e das problemáticas com os quais se depararam, apresentámos os trabalhos de algumas feministas do Terceiro Mundo cujo trabalho fez toda a diferença no que hoje compreendemos por feminismo hegemónico. A escrita e a denúncia feita por parte de feministas pós-coloniais da Índia, por exemplo, de Uma Narayan, Chandra Talpade Mohanty ou Gayatri Chakravorty Spivak, serviu-nos para exemplificar como a mulher do Terceiro Mundo foi construída enquanto vítima, silenciada e relegada para a invisibilidade, um ser sem a sua própria vontade que necessita de apoio das feministas brancas em cada esfera da sua vida. Na visão bastante pessimista de Spivak, a mulher do Terceiro Mundo não possui a voz e permanecerá silenciada para sempre. Porém o capítulo 3 deste trabalho fornece exemplos de grande relevância e cheios de esperança no sentido em que, afinal, as mulheres vistas como Outras, neste caso, as mulheres africanas, ganharam a sua própria voz e desenvolveram uma filosofia centrada em mulheres que desmente a visão redutora apresentada e mantida pelos feminismos ocidentais.

Foram ainda apresentados, com o objetivo de fazer o retrato de mulheres africanas enquanto criadoras do pensamento e participantes ativas na vida social, alguns conceitos ligados ao feminismo africano, o qual, por vezes, se separa do termo “feminismo” na sua

64 vertente ocidental e busca as ideias originais que assentam na cultura e tradição africana e se inspiram nos valores tipicamente africanos como o da comunidade, solidariedade em vez de individualidade, maternidade enquanto instrumento de empoderamento das mulheres e cooperação com homens em prol de uma sociedade melhor e mais justa.

O aspeto de grande importância sublinhado em todo o trabalho, mas com particular ênfase neste capítulo foi o da autodefinição. O poder de se auto-exprimir e autodefinir, de nomear a sua luta, a sua causa e a sua identidade, revelou-se de grande significado para as mulheres africanas. Isto, porque o ato de nomear é o ato libertador e político que impossibilita aos outros definir as mulheres africanas por si próprias. Neste contexto, as mulheres africanas deram continuidade à causa que moveu Audre Lorde e que apelava às mulheres negras para se nomearem e romperem o silêncio.

Se o ato de se autonomearem é o ato de subversão e de resistência, então é desta forma que devemos olhar para a função da mulher africana enquanto escritora. Para uma escritora adepta do womanism, afirma Ogunyemi, a escrita é uma forma de falar em prol das mulheres e homens negros – mas escrever somente sobre as mulheres não significa escrever enquanto feminista. A escrita feminista tem, em primeiro lugar, que combater as imagens negativas enraizadas à volta de mulheres africanas, desconstruir estas imagens nocivas e proferir a verdade sobre as mulheres africanas – como elas são, como vivem e como agem. O último capítulo centrou-se, então, em dois romances de Chimamanda Ngozi Adichie, uma escritora nigeriana da nova geração, para tentar compreender quais as imagens de protagonistas neles retratadas. Os romances “A cor de hibisco” (publicado em inglês em 2003) e “Meio sol amarelo” (publicado em inglês em 2006) serviram-nos para responder à pergunta: será que Adichie conseguiu desconstruir estas imagens estereotipadas? Com que tipo de mulheres nos deparamos nas páginas destes romances? As protagonistas dos romances de Adichie ganharam voz?

A conclusão clara é que Chimamanda Adichie tem conseguido fazer ligação entre a sua visão do feminismo africano e a lealdade para com os valores e tradições africanas. As personagens femininas retratadas nos dois primeiros romances de autora são personagens vivas, plenamente humanas na sua diversidade e na forma de ver e viver o mundo. Não se assemelham, de forma alguma, a vítimas retratadas por feministas brancas que viam só em mulheres do Terceiro Mundo a miséria e falta de esperança. Elas têm a sua voz que usam para se insurgir conta injustiças, as normas e expetativas culturais e homens abusadores.

65 Referências bibliográficas

Adichie, Ch. (2008), “African “Authenticity” and the Biafran Experience”, Transition, No. 99, pp. 42-53.

________ (2003), Purple Hibiscus, Fourth Estate: London. [ed. ut: 2009] ________ (2006), Half of a Yellow Sun, Fourth Estate: London. [ed. ut.: 2009] ________ (2009), Meio Sol Amarelo, Edições ASA: Alfragide.