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MEIOS ALTERNATIVOS PARA EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE

3 ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO BRASILEIRO

3.5 MEIOS ALTERNATIVOS PARA EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE

Outrossim, não podemos deixar de mencionar os meios alternativos de solução de conflitos, os quais atingem as esferas formal e material da garantia do acesso à justiça, não se resumindo, necessariamente, em “bater às portas” do Poder Judiciário.

Pelo amor ao debate, não é demais evidenciar que a doutrina estrutura, sem sempre de maneira uniforme, a qualificação e denominação dos meios alternativos de solução dos conflitos existentes no direito pátrio. Há divisões de forma simples e objetiva como métodos heterocompositivos e autocompositivos, bem como traz ao mundo jurídico outras hipóteses de nomenclaturas, como equivalentes jurisdicionais85, divergindo, inclusive quanto à natureza

jurídica de alguns institutos, a exemplo da condição da arbitragem como jurisdição ou não. Contudo, não é objeto deste trabalho enumerar todas as divergências estruturais acerca dos meios alternativos de solução de controvérsias, no entanto, haverá o cuidado de tratá-los como forma de proporcionar o amplo conhecimento sobre os institutos jurídicos.

Adotar-se-á, portanto, a estrutura tratada por Luiz Guilherme Marinoni, o qual leciona que os conflitos existentes entre as partes podem ser resolvidos pela heterocomposição ou autocomposição. O primeiro ocorre quando uma terceira pessoa resolve o impasse entre as partes, efetivando o direito material em litígio; e, na segunda hipótese, quando as próprias partes resolvem seus conflitos86.

Os métodos heterocompositivos, em regra, conforme entendimento pacífico na doutrina, referem-se à jurisdição e à arbitragem (Lei 9.307/1996), cujos conflitos postos à apreciação serão julgados por uma terceira pessoa, seja pela própria atribuição a atuação estatal ou por particular, investido de poderes legais para julgar determinado caso concreto, sem olvidar, registre-se, os direitos e garantias fundamentais – materiais e processuais –, para atingir uma solução justa, sob pena de nulidade do próprio procedimento87.

A jurisdição está atrelada à atuação do Estado-Juiz, o qual tem como fundamento a soberania estatal e a Constituição, cujo julgamento dar-se-á por pessoa aprovada em concurso público (regra aplicada à primeira instância), revestidas de garantias constitucionais que

85 MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, Op. Cit., p.173; DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processo Civil, parte geral e processo de conhecimento. 18 ed. v. 1. Editora Juspodivm: Salvador. 2016, p. 155-171.

86 MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, Op. Cit.; DIDIER JR., Op. Cit.; CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à lei 9.307/96. 3 ed. Editora Atlas: São Paulo. 2009; DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo. Editora Malheiros: São Paulo. 2013.

garantem a sua imparcialidade, autonomia e independência, sendo indelegável e inafastável a sua atuação diante de um caso concreto.

No que tange à arbitragem, foi institucionalizada, no Brasil, pela Lei 9.307/1996, cujo objetivo seria permitir outro método de solução de conflitos afastados da atuação estatal, admitindo a sua adoção por “pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, conforme o artigo 1º, da referida lei. Ou seja, a autonomia da vontade é fator preponderante à atuação das partes envolvidas, atuando de modo condizente ao projeto neoliberal, almejando uma interferência mínima do Estado.

Tal atuação pode estar prevista de forma prévia e abstrata entre as partes, o que denomina-se de cláusula compromissória ou de forma incidente, quando um litígio já se encontra formado, o que é estabelecido por meio de um compromisso arbitral.

Oportuno salientar que o instituto da arbitragem revela-se extremamente útil diante da volatilidade e dinamicidade dos acordos e negócios empresariais da modernidade (ou pós modernidade), notadamente daqueles que tratam de grandes investimentos e vultuosa quantidade de dinheiro envolvido.

Estas operações mercantis não podem ficar à mercê da morosidade e problemas estruturais que atualmente enfrentam o Poder Judiciário brasileiro, onde se aguarda anos e anos para o deslinde de uma demanda.

Corroborando à assertiva acima, a Lei 9.307/1996 admite inclusive sua incidência nos contratos administrativos, prevendo que “A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, outorgando poderes à “autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”. O que deve ser permitida por lei.

Considerando a natureza jurídica da permissão legal descrita alhures (por entender ser norma que depende de regulamentação), a Administração Pública ainda depende de nova autorização legislativa, tendo em vista as peculiaridades da atividade (des)envolvida. Assim, observa-se no ordenamento jurídico pátrio a regulação estatal, permitindo a arbitragem como forma de solução de divergências na Lei 9.472, de 16 de julho de 1997 (que dispõe sobre a organização, criação e funcionamento dos serviços de telecomunicações), Lei 9.478, de 06 de agosto de 1997 (que dispõe sobre a política energética nacional e atividades relativas ao

monopólio de petróleo e gás natural) e Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004 (Normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada)88.

Em qualquer caso, é imprescindível coexistir entre as partes o formalismo valorativo tanto tratado neste trabalho, pois o cumprimento das sentenças arbitrais partem, necessariamente, do dever de cooperação e boa-fé objetiva e processual da parte sucumbente. Evitando, dessa forma, insegurança jurídica e desvirtuação do próprio instituto, uma vez que o árbitro é desprovido de poderes executórios. Assim, a inexistência de cumprimento da obrigação estabelecida em sentença arbitral, necessitará, consequentemente, da tutela do Poder Judiciário.

Apropriadamente, Fredie Didier Jr. aduz que a lei de arbitragem atribui competência ao árbitro apenas para certificar direitos e não para efetivá-los89.

Observe, paulatinamente, que o comportamento das partes envolvidas num processo judicial ou não, mas que coloquem à mesa a disposição de dirimir uma controvérsia, é de fundamental importância, inclusive, para efetivação da segurança jurídica.

Obter dictum, certamente, urge a necessidade de se passar por uma profunda mudança de mentalidade e cultura na esfera das conformações jurídicas e jurisdicionais, notadamente ao acesso à justiça de forma ampla, no sentido de esperar o cumprimento das obrigações decididas pelos meios de solução de conflitos. É nesse sentido que a esperança no homem jamais deve sucumbir ao relativismo moral de cunho individualista, especialmente quando interesses próprios estão sendo colocados em questão.

Outra forma heterônoma de solução de conflitos é verificada quando o próprio Estado, por meio dos tribunais e órgãos administrativos, julgam processos que versam sobre direitos, obrigações e deveres dos administrados. Tal método, como é de conhecimento geral, não exclui, por opção do constituinte originário, a apreciação e controle por parte do Poder Judiciário90,

haja vista o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

No que tange aos meios autocompositivos de resolução de conflitos, a doutrina os classificam como espontânea (transação, reconhecimento jurídico do pedido e renúncia de direitos) ou estimulada (conciliação e mediação).

88 AMARAL, Paulo Osternack. Arbitragem e Administração Pública. Editora Fórum: Belo Horizonte. 2012, p. 35;

89 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processo Civil, parte geral e processo de conhecimento. 18 ed. v. 1. Editora Juspodivm: Salvador. 2016, p. 175.

90 PAULSEN, Leandro; ÁVILA, René Bergmann; SLIWKA, Ingrid Shroder. Direito Processual Tributário. Processo Administrativo Fiscal e Execução à luz da doutrina e da jurisprudência. 8 ed. Editora Livraria do Advogado: Porto Alegre. 2014, p. 09; MARINS, James. Direito Processual Tributário brasileiro (administrativo e judicial). 4 ed. Editora Dialética: São Paulo. 2005. p, 350; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28 ed. Atlas: São Paulo. 2015, p. 287-309.

A autocomposição espontânea pode ocorrer através de condutas unilateral ou bilateral das partes envolvidas, atingindo o próprio bem jurídico posto em litígio. Apenas a título de esclarecimento, este meio alternativo não possui qualquer relação com os negócios jurídicos processuais previsto no artigo 190, do CPC/15, pois este último instituto refere-se aos procedimentos do processo e não versa sobre o direito material em si.

Na autocomposição estimulada haverá a participação de um terceiro – conciliador ou mediador –, cuja figura tomou novos contornos no atual Código de Processo Civil, contudo, este não resolverá a lide, pois seu papel é auxiliar as partes a encontrar um meio termo à sua resolução, o que diferencia da heterocomposição.

A mediação e conciliação, tendo em vista tratar-se de importantes institutos, os mesmos vêm sendo utilizados como uma questão de política pública pelo Conselho Nacional de Justiça desde o ano de 2010, com Resolução nº 125.

Tendo como principal organizador desta política, no âmbito do Poder Judiciário, o CNJ, este impõe em face dos tribunais, a criação de centros de solução de conflitos; regulamenta a atuação dos mediadores e conciliadores; cria um código de ética; e, define os requisitos curriculares mínimos para atuação dos mesmos.

Ademais, ainda que de forma não cogente, mas diretivo e orientador, o conteúdo dos “considerandas” do texto normativo revela sua importância, ressaltando aqui o acesso à justiça como vetor à uma ordem jurídica justa por meio de soluções efetivas91.

Nesse passo, os institutos autocompositivos mereceram destaque no Título IV, Capítulo III, Seção V, do Código de Processo Civil vigente, complementando a garantia do acesso à justiça ante os institutos já demonstrados no item 3.3 deste capítulo.

Inclusive, o artigo 166, do CPC/15, prevê, taxativamente, que a mediação e conciliação são regidos pelos princípios da independência, imparcialidade, autorregramento da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e da decisão informada. O que não exclui, permissa venia, outros mandados de otimização que versem sobre o processo e deveres de informações às autoridades estatais quando incidentes no caso concreto situações jurídicas penais e tributárias, relativizando a confidencialidade.

A conciliação se caracteriza por haver uma participação mais ativa do terceiro no processo de negociação, podendo sugerir solução para pôr fim à controvérsia jurídica entre as

91 Resolução n. 125/2010, Conselho Nacional de Justiça, “CONSIDERANDO que o direito ao acesso à justiça,

previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal além de sua vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa e a soluções efetivas”.

partes, sendo mais indicada quando as partes envolvidas não possuem vínculos jurídicos anteriores92.

No entanto, figura igualmente importante, mas mais inovadora, refere-se à mediação. Isto porque, dada a sua importância, o referido instituto obteve regramento legal específico com a Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, cuja vigência se deu em poucos meses após a promulgação do novo CPC.

Diferentemente do papel do conciliador, o mediador exerce uma atribuição mais neutra, servindo como um veículo de comunicação entre as partes, proporcionando o diálogo, tentando fazer com que as partes enxerguem as questões e interesses em conflito para que eles mesmos possam alcançar um denominador comum, renunciando e promovendo benefícios mútuos93.

De tudo quanto exposto até então, ainda que de forma perfunctória, no que concerne às figuras jurídicas da conciliação e da mediação, imperioso trazer ao presente estudo, além dos princípios que aplicam aos institutos simultaneamente, os princípios da isonomia; busca do consenso; e boa-fé, previstos nos incisos II, VI e VIII, do artigo 2º, da Lei 13.140/2015, respectivamente.

Com exceção do princípio da busca do consenso, que é mais específico ao instituto da mediação, todos os demais são fundamentais e aplicados no âmbito do processo. Mas chama a atenção da aplicação do princípio da isonomia, consubstanciado no artigo 10º, § único, da Lei 13.140/2015, o qual dispõe que “comparecendo uma das partes acompanhada de advogado ou defensor público, o mediador suspenderá o procedimento, até que todas estejam devidamente assistidas”.

Isto nada mais é do que o princípio da igualdade formal e a aplicação do princípio da paridade de armas no procedimento de solução autocompositiva de conflitos e indo mais fundo, observa-se o dever de cooperação que deve existir entre as partes na medida em que o acompanhamento de profissional técnico proporciona o fortalecimento de diálogo, objetivo da mediação.

Evidente, portanto, que o acesso à justiça no direito brasileiro tem avançado de forma mais efetiva, não apenas limitando-se à abertura do Poder Judiciário, assim como foi feito, somente a título de exemplo, quando da criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais – Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 às ações de massa.

92 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processo Civil, parte geral e processo de conhecimento. 18 ed. v. 1. Editora Juspodivm: Salvador. 2016, p. 274.

4 TEORIA DOS QUATRO STATUS DE GEORGE JELLINEK E O PRINCÍPIO DA