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3 ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO BRASILEIRO

3.2 NORMATIVIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

O acesso à justiça na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 já se destaca pela simples observância de seu preâmbulo57, pois ainda que desprovido de força

cogente, enaltece a necessidade de assegurar o exercício de direitos e garantias fundamentais, o que demonstra o espírito humanista, galgando a alcunha de Constituição Coragem e

56 FRANCO, Op. Cit., p. 179.

57 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Constituição Cidadã pelo Presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, então Deputado Ulysses Guimarães58.

O novo ordenamento jurídico parte de um pensamento centralizador e individualizado para um ideal democrático e humanista, colocando o indivíduo no centro da atuação e preocupação estatal ao estabelecer como fundamento da República Federativa a dignidade da pessoa humana – Artigo 1º, inciso II, CF/88.

Logo no início do texto normativo, a colocação do catálogo dos direitos e garantias fundamentais no artigo 5º, demonstra a intenção do constituinte em conferir significado especial na tutela protetiva pelo Estado em face do indivíduo, uma vez que a amplitude jurídica consubstanciada em 78 (setenta e oito) incisos e 04 (quatro) parágrafos, endossa os direitos de prestação, defesa e participação, nas lições de George Jellinek59.

E mais. Dada a sua importância a características elementares de tais direitos e garantias, bem como sob o viés baseados na identidade e continuidade da Constituição, esta qualificou tais premissas como cláusulas pétreas, considerando ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimir o rol exemplificativo previsto no artigo 5º, conforme preceitua o artigo 60, § 4º, não admitindo interpretações restritivas60.

Tamanha é a carga valorativa de tais enunciados, pois oportuno enaltecer a teoria do constitucionalismo autogenerativo defendido por J. J. Gomes Canotilho, o qual leciona que ainda que por ventura venha a surgir uma nova ordem constitucional, os direitos e garantias fundamentais previstos na Carta Política anterior se autorregenera, revitaliza, ressurge, haja vista o processo de luta e conquista de tais direitos e garantias pelo seu povo, atribuindo uma identidade inerente à dignidade da pessoa humana61.

Tal concepção, que inclusive coloca os direitos e garantias fundamentais como princípios objetivos, legitima a teoria dos quatro status de Jellinek na medida que o Estado se obriga não apenas observar os direitos individuais em face da atuação do Poder Público (direitos de prestação ou proteção), mas também a garantir os direitos fundamentais contra violações por parte de terceiros (direitos de defesa)62.

58 MENDES; COELHO; BRANCO, Op. Cit., p. 202; CUNHA JR., Op. Cit., p. 422. 59 JELLINEK, Op. Cit.

60 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Estudos de Direito Constitucional. 3 ed. Editora Saraiva: São Paulo, p. 01.

61 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2004. 62 DIETLEN, Johannes. Die von den grundrechtlichen Shutzpflitchen. Dunker & Humblot: Berlin. 1991, p. 18. In: MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p 11.

Noutra banda, não se pode olvidar algumas ponderações ao humanitarismo da Carta Política de 1988 formuladas pela doutrina. Inclusive pelos próprios autores do texto normativo, uma vez que no afã de estabelecer normas protetivas e demonstração de modernidade com a nova ordem constitucional, restou olvidado o cálculo do custo dos novos direitos, pois a força do erário não contemplava todas suas diretrizes, denominando, por sua vez, a atuação legislativa do constituinte originário de prodigalidade irresponsável63.

Nesta senda, oportuno destacar a preocupação do constituinte originário com a Ordem Social prevista nos artigos 193 à 232 da Carta Fundamental. Ao tutelar direitos essenciais, o que foi acompanhado dos estatutos que os regulamentam – como, Estatuto do Deficiente, Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e do Adolescente entre outros –, promessas normativas não seguiram uma coerência financeira para seu cumprimento. Contudo, não se pode negar a possibilidade e abertura de uma via para concretização de tais direitos, tão importante quanto aqueles que dispensam enormes esforços financeiros pelo Estado.

Muito embora a crítica acerca da capacidade financeira do Estado em custear os novos direitos, não se pode deixar de ressaltar os avanços institucionais e mecanismos processuais que corroboraram para a promoção do acesso à justiça na novel constituição, como as ações objetivas de controle de constitucionalidade – ação declaratória de constitucionalidade, ação direta de constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental –, o que também promoveu e incentivou a atuação do Ministério Público na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. E, posteriormente, ante alterações legislativas infraconstitucionais, por parte das Defensorias Públicas na esfera do processo coletivo.

Paralelamente, a abertura da jurisdição constitucional revelou uma nova via para a proteção da Carta Magna fixando um rol de legitimados – Presidente da República, Mesa do Senado Federal, Mesa da Câmara dos Deputados, Mesa de Assembleia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal, Governador de Estado ou Distrito Federal, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e, finalmente, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional –, aptos a estabelecer uma discussão acerca da constitucionalidade das normas, seja pelo controle repressivo ou preventivo de constitucionalidade.

No mesmo sentido, a Carta Magna de 1988 também consolidou, pelo princípio da simetria, a possibilidade de controle de constitucionalidade estadual, deixando de ser uma hipótese polêmica e repleta de controvérsias, acolhendo um instrumento processual hábil a

alcançar a jurisdição estadual de modo a contestar as leis estaduais e normas municipais em face do quanto disposto na Constituição Estadual de cada ente federativo64.

Outra providência, ainda que tardia, uma vez que surgida após 14 (catorze) anos de vigência da Carta Constitucional de 1988, foi a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujo órgão tem a incumbência de controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes e Tribunais, além de outras atribuições igualmente não jurisdicionais, mas de grande importância para o acesso à justiça em âmbito nacional.

De conseguinte, tendo como fonte essencial o texto constitucional, pode-se depreender ao longo de seus dispositivos, conteúdos formais e materiais que reforçam o acesso à justiça.

O acesso à políticas públicas oriundas de normas programáticas enaltece uma tentativa do Estado em proporcionar uma redução da desigualdade, atendimento às minorias dos mais diversos segmentos da sociedade, o que se pode notar, inclusive, numa participação ativa do Poder Judiciário, dentre tantas decisões, aquelas que inibem os abusos políticos, atendendo aos anseios e representatividade das minorias nas casas legislativas ao admitir a instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito quando os líderes da base aliada a inviabilizavam ao não indicar seus representantes para a Comissão65. Peço vênia para a transcrição de passagem do voto:

[...] Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantia individuais, inclusive àqueles assegurados às minorias nas câmaras legislativas (como o direito de oposição e a prerrogativa de fazer instaurar comissões parlamentares de inquérito), atribui-se, ao Judiciário a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, mesmo aqueles praticados pela Presidência das Casas do Congresso Nacional, quando tais órgãos ou agentes incidirem em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua competência institucional. Em suma: a estrita observância dos direitos e garantias, notadamente quando se alegar, como se sustenta na espécie, transgressão ao estatuto constitucional das minorias parlamentares, traduz fator de legitimação da atividade estatal. Esse dever de obediência ao regime da lei e da Constituição se impõe a todos – magistrados, administradores e legisladores.

omissis

A cláusula do “judicial review”, cuja gênese reside no texto da própria Constituição da República, rompe – ao inviabilizar a invocação da tutela jurisdicional do Estado – qualquer círculo de imunidade que vise a afastar, numa comunidade estatal concreta, o predomínio da lei e do direito sobre a arbitrariedade do Poder Público [...].

64 LEONCY, Léo Ferreira. Controle de constitucionalidade estadual: as normas de observância obrigatória e a defesa abstrata da Constituição do Estado membro. Editora Saraiva: São Paulo. 2007, p. 45-46.

65 Supremo Tribunal Federal, Mandado de Segurança nº 24.831/DF, Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 22-6-2005, DJ de 4-8-2005.

Ainda sob a égide do texto constitucional, oportuno trazer à baila os requisitos fundamentais que também dão suporte à garantia do acesso à justiça a partir da observância dos incisos XXXIV, “a” (Direito de petição); XXXV (prestação jurisdicional); LIV (devido processo legal); LV (contraditório e ampla defesa); LXXIII (ação popular a todo e qualquer cidadão que vise anular ato lesivo ao patrimônio público) e LXXIV (assistência judiciária integral e gratuita aos cidadãos hipossuficientes economicamente), todos constantes no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

A partir de tais dispositivos, reconhecidamente como normas principiológicas de eficácia imediata, permite-se construir e estruturar um núcleo duro e essencial da garantia do acesso à justiça no direito brasileiro, sem prejuízo, frise-se, dos princípios não positivados em nosso ordenamento pátrio e/ou previstos na legislação ordinária.

Inquestionável, portanto, os avanços democráticos previstos na Constituição vigente, malgrado a existência de 95 (noventa e cinco) emendas à Constituição em 28 (vinte e oito) anos de vigência, o que dá uma média de 3,4 (três vírgula quatro) emendas por ano, o que traz à tona, mais uma vez, a discussão acerca da (in)segurança jurídica.