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O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E OS PRECEDENTES JUDICIAIS

3 ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO BRASILEIRO

4 TEORIA DOS QUATRO STATUS DE GEORGE JELLINEK E O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

4.2 O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E OS PRECEDENTES JUDICIAIS

Como esposado alhures, especificamente no que tange ao conceito de segurança jurídica proposto por Humberto Ávila, a partir das dimensões estática e dinâmica, não se duvida a relação umbilical entre os precedentes judiciais e o princípio da segurança jurídica.

Tal análise permitiu observar que valores relevantes para a previsibilidade e estabilização das decisões judiciais são essenciais para promoção da segurança jurídica, pois nos mais variados ramos da ciência jurídica, estabelecer valores e comportamentos fomenta o desenvolvimento econômico e social, promove a igualdade, fortalece as instituições estatais, incentiva a racionalidade econômica, além de respeito e responsabilidade pessoais.

Destarte, a importância do precedente não se restringe à conferir uma maior autonomia e independência do Poder Judiciário ao proferir suas decisões e consequentemente criando normas jurídicas. Sua importância também é vislumbrada na coerência da ordem normativa, passando a atribuir ao arcabouço jurídico e judicial seguranças necessárias à garantia fundamental do acesso à justiça. Sendo assim, algumas benesses são indicadas por Luiz Guilherme Marinoni119. A saber.

119 MARINONI, Op. Cit. p. 166/189.

4.2.1 Segurança e coerência jurídica na ordem normativa

A partir do momento em que o juiz cria o direito, deixando de ser a “boca da lei”120,

automaticamente deixa de expressar apenas a vontade do legislador para passar a modelar os contornos sócio-jurídicos a uma ordem normativa constitucional, baseado nos princípios e premissas de tutela do bem-estar social – (welfare state)121”. Melhor dizendo, a tutela da pacificação social.

Não sendo o caso de alguma das formas de modificação ou distinção de um precedente judicial, fomentar a litigiosidade acarretará a perda de tempo e dinheiro. O devedor ou o litigante contumaz não mais valerá, ou ao menos diminuirá as estratégias jurídicas, para protelar o cumprimento de uma obrigação.

Além disso, a confiabilidade na jurisdição estatal revelar-se-á um poderoso artifício para a promoção dos direitos e garantias fundamentais. E isto guiará, ou deverá guiar, o exercício das funções típicas e atípicas dos demais poderes. Justamente pela calculabilidade e estabilidade das relações jurídicas.

4.2.2 Desestímulo à litigância

Aqui devemos esclarecer que o acesso à justiça não compreende o significado no direito subjetivo de litigar, embora tal entendimento ainda seja enraizado no nosso contexto sócio- jurídico brasileiro, como já esposado alhures.

A partir do precedente, confiabilidade e estabilidade das decisões proferidas pelo Poder Judiciário, desestimula o caráter da litigiosidade, ensejando numa segurança jurídica e estabilidade que somente poderá ser superada, modificada ou diferenciada diante de um precedente, pelas técnicas dinâmicas de superação (o que será tratado no capítulo 5).

Tais institutos somente enobrecem o acesso à justiça, pois confiabilidade e estabilidade não ensejam em imutabilidade. E é neste ponto que se destaca a dimensão dinâmica da segurança jurídica, pois no âmbito de aplicação da norma poderá haver pelo operador do direito reinterpretações, novos significados e adequação do Direito face às novas conjecturas sociais, econômicas, culturais e etc.

Como leciona o autor Thomas Lee:

120 MONTESQUIEU, Barão de (Charlesi-Louis de Secondat). Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

Um sistema que melhora a estabilidade do corpo de precedentes da Corte desencoraja os gastos com litígios que visam a perturbá-lo. (No original: A system that enhances the stability of the Court´s body of precedent discourages expenditures on litigation aimed at disrupting it).122

Não é demais chamar a atenção que o desestímulo à litigância também seguirá com o processo de mudança cultural, mas que em boa parte também será influenciado a partir da obediência do indivíduo em relação aos precedentes judiciais. Logicamente haverá irresignações consubstanciadas em meios específicos de impugnações, mas o conhecimento da ratio decidendi diante do caso concreto, revelará a conduta das partes e advogados em buscar outros meios de solução de conflitos, quiçá a justa e eficiente auto ou heterocomposição.

4.2.3 Favorecimento de acordos

Diante de uma situação fática-jurídica, a celebração de composição é estimulada ante a confiabilidade do pronunciamento do Poder Judiciário ante determinado caso concreto, já precedido de um precedente judicial, sem prejuízo, em alguns casos pela calculabilidade dos termos de uma futura decisão judicial. Repise-se.

As ações judiciais não mais servirão como meios para protelar o cumprimento de obrigações contratuais e legais, também desestimulando o litigante contumaz a utilizar o aparato estatal judiciário para retardar sua responsabilização, incorrendo nos elevados gastos do processo, atualmente carregado de penalidades processuais, haja vista a não obediência do princípio da boa-fé processual.

Nesse passo, enaltece o instituto do neoprocessualismo o formalismo-valorativo. Pois a conduta das partes, advogados, serventuários e magistrados devem estar pautadas na boa-fé e deveres anexos, não do contrato, mas do processo em si como as garantias do dever de cooperação, lealdade, honestidade e paridade de armas. Isto, para um processo realmente efetivo, justo e dialético, tutelando direitos e garantias fundamentais.

Oportuno enaltecer, mais uma vez, a segurança jurídica como também uma conduta proba, honesta e leal na condução do processo judicial, tendo em vista que tais valores são preponderantes à promoção da estabilidade da relação processual, o que tem efeito positivo diante de uma pretensão processual temerária.

122

LEE, Thomas R. Stare decisis in economic perspective: an economic analysis of the Supreme Court´s doctrine of precedent. North Carolina, Law Review, nº 78, 2000. Disponível em: <https://litigationssentials.lexisnexis.com/webcd/app?action=DocumentDisplay&crawlid=1&srctype=smi&sr cid=3B15&doctype=cite&docid=78+N.C.L.+Rev.+643&key=fbacaa4f401a80c496989c14da65a3c>. Acesso em: 03 fev. 2017.

4.2.4 Despersonalização do litígio

Nesse diapasão, litígios passam a perder sua feição personalíssima, passando a ter um caráter erga omnes, tendo em vista a abstrativização dos efeitos da decisão, a exemplo daquelas proferidas em sede de controle de constitucionalidade difuso, bem como das ações coletivas, ensejando sua aceitabilidade e afirmação do poder estatal enquanto legítimo órgão produtor de normas jurídicas.

Tal característica é premissa lógica, de modo a incentivar, repise-se, as partes litigantes em eventual composição, evitando prolongamento de processos ou interposição de demandas que tenham identidade com a ratio decidendi paradigma. Ou até mesmo, evitando o próprio litígio.

Nota-se aqui a passagem de uma dimensão dinâmica para a dimensão estática da segurança jurídica, como defendido no item 4.1.2, pois com a formação do precedente judicial em sede de ações coletivas, as ações de caráter individual passam a suportar os efeitos daquela.

4.2.5 Duração razoável do processo

Aqui, o acesso à justiça passa a se destacar também como uma garantia fundamental de cunho substancial – substantive due process –, na medida em que confere aos litigantes um direito ao deslinde do caso posto.

Logicamente, estando a tutela jurisdicional ligada diretamente aos direitos de prestação e defesa (Jellinek), ainda que sob a órbita da técnica de ponderação dos interesses, a solução do conflito também confere aos jurisdicionados uma solução rápida e segura. Isto, nos termos do artigo 5º, inciso LXXVIII, da Carta Maior123, o qual denota uma dupla dimensão do devido

processo legal, seja como direito ou como uma garantia.

Nesse sentido, na medida em que o princípio do devido processo legal possui natureza constitucional bifronte124 – substantive due process e procedural due process –, o Estado no seu mister de promover direitos e garantias fundamentais, também os preserva contribuindo para uma solução rápida, segura e efetiva do litígio judicial. Ou seja, o princípio da duração razoável do processo chancela o direito processual, bem como o direito material, numa só ótica.

123 Art. 5º. LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

124 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Por um processo realmente efetivo. Tutela Processual dos Direitos Humanos Fundamentais e Inflexões do “Due Process Of Law”. São Paulo: Editora LTR. 2016, p. 526.

4.2.6 Eficiência do Poder Judiciário

Corolário lógico, o respeito ao precedente atribui ao Poder Judiciário maior celeridade, economia e presteza, no exercício de sua função típica, efetivando as garantias constitucionais do acesso à justiça e o devido processo legal em sua dimensão da duração razoável.

Evidente a importância dos precedentes judiciais, mas estes não devem ser aplicados de forma discricionária, muitas vezes até arbitrária, priorizando políticas públicas e/ou medidas estatais que estejam em rota de colisão com os direitos e garantias fundamentais.

Assim, visando também não deixar o Poder Judiciário cometer os mesmos erros dos Poderes Legislativo e Executivo na promoção de direitos fundamentais, mister se faz estabelecer parâmetros na formação do precedente quando presente a garantia fundamental do acesso à justiça. Tais parâmetros, de cunho eminentemente constitucionais, ensejarão, em razão de sua não observância, a invalidade absoluta da decisão judicial. Para alguns autores, inclusive, a própria inexistência da decisão judicial, haja vista uma fundamentação desprovida do caráter constitucional em face do direito aplicado.

Uma decisão que não se encontra condizente com a promoção e defesa de direitos fundamentais não pode permanecer no ordenamento jurídico, sob pena de ferir a confiabilidade e calculabilidade das decisões judiciais.

Chancelar decisões sob este viés violador, desconfigura o papel das decisões judiciais no sistema de precedentes, afetando a credibilidade do Poder Judiciário e gerando insegurança jurídica. Consequentemente não proporcionará certo nível de pacificação social, tão almejada num Estado Democrático de Direito.