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Superação antecipada (Antecipatory overruling)

5 PRECEDENTES JUDICIAIS E O ACESSO À JUSTIÇA

5.4 A SUPERAÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS

5.4.4 Superação antecipada (Antecipatory overruling)

A superação antecipada, em verdade, não tem qualquer natureza de superação do precedente177, pois trata-se da não aplicação do precedente pelo tribunal hierarquicamente inferior, tendo em vista manifestações ou indicações do tribunal superior de que o precedente em questão encontra-se em processo de superação.

Mais uma vez, a fundamentação deve ser analítica e trazer ao feito as manifestações do tribunal superior, acórdãos monocráticos ou colegiados do tribunal que criou o precedente, indicando sua tendência em superá-lo.

Como será visto a seguir, a superação antecipada é uma técnica que legitima a sinalização de superação dos precedentes judiciais, notadamente quando o tribunal superior

176 PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador: Editora Juspodivum. 2015, p. 312.

177 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2 ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 403-410.

indica em seus julgados a possibilidade de superação do precedente. É o que veremos no instituo denominado signaling.

5.4.5 Sinalização (Signaling)

A sinalização é uma técnica que visa conferir segurança jurídica e evitar a surpresa em julgamentos futuros, uma vez que, ao invés de superar o precedente correspondente ao caso sob julgamento, apenas sinaliza o tribunal de que poderá modificá-lo nos casos futuros.

Tal medida fortalece a confiabilidade no Poder Judiciário e calculabilidade de suas futuras decisões por parte dos operadores do direito, muito embora não haja uma vinculação à sinalização, podendo superar ou não o precedente. É o que Antônio do Passo Cabral denomina de “julgamento-alerta” 178.

De forma, ao não atingir os limites objetivos da demanda posta sob julgamento, obiter dictum, o tribunal indica à comunidade jurídica a possibilidade de superação do precedente, revelando-se uma técnica que prestigia a segurança jurídica179, não sendo um verdadeiro caso de superação.

5.4.6 Superprecedente (The power of precedente)

Questão interessante vem destacando a doutrina norte americana no que tange aos precedentes judiciais: os denominados superprecedente.

A conceituação do superprecedente – de Michael J. Gerhardt180 – tem fundamento numa ótica de processo de conquistas de direitos fundamentais na medida em que cria-se ou incrementa uma garantia fundamental a partir de uma decisão judicial de competência de uma corte constitucional. Oportuno trazer à baila as lições do referido autor:

178 CABRAL, Antônio do passo. A técnica do julgamento-alerta na mudança da jurisprudência consolidada. Revista de Processo, nº 221. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul., 2013, p. 39.

179 PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador: Editora Juspodivum. 2015, p. 224.

180 “Super precedents are not exclusive to the courts, but are constitutional decisions in which public institutions

have invested heavily, been repeatedly committed and consistently endorsed for various periods of time. These are decisions that have been repeatedly and so widely quoted for so long that they have their significance and value increased to the point of being secured by enduring networks. They are deeply and irrevocably embedded in our culture and national consciousness, so it seems anti-American to attack them as well as formally reconsider them. These decisions are the clearest instances in which the institutional values promoted by fidelity to precedent - consistency, stability, predictability and social trust - are convincing.” In GERHARDT,

Super precedentes não são exclusivos para os tribunais, mas sim são decisões constitucionais nas quais as instituições públicas investiram fortemente, foram repetidamente confiadas e consistentemente aprovadas por vários períodos de tempo. Estas são decisões que têm sido repetidamente e tão amplamente citadas por tanto tempo que têm o seu significado e valor aumentados a ponto de serem garantidas por redes duradouras. Elas estão profundamente e irrevogavelmente incorporadas em nossa cultura e na consciência nacional, de modo que parece antiamericano o ataque a elas, bem como reconsiderá-las formalmente. Estas decisões são as instâncias mais claras em que os valores institucionais promovidos pela fidelidade ao precedente - a consistência, estabilidade, previsibilidade e confiança social - são convincentes. Tal direito, face sua importância e abrangência, se enraíza à cultura de uma sociedade, de modo a tronar-se imutável, endossando, pela sua própria natureza jurídica e em eventual hipótese de revogação, o princípio da vedação do retrocesso e obstando a aplicação de uma dinâmica de precedente capaz de restringir a norma jurídica fundamental.

Cita o autor como exemplos de superprecedentes o clássico caso Marbury v. Madison (1803), no qual se criou o judicial review, admitindo o controle de constitucionalidade pela via difusa, bem como o caso Brown v Board of Education (1954), em que a Corte Suprema dos Estados Unidos proibiu a segregação racial em escolas públicas181.

Como se vê, tratam-se de decisões judiciais num sistema de precedentes que possuem eficácia vinculante, onde a tentativa de superá-los ensejará, caso ocorra, num retrocesso em face da interpretação normativa constitucional em que os direitos e garantias fundamentais jamais devem ser restringidos, mas sempre ampliados – art. 5º, § 2º, da CF/88.

Nesse passo, considerando que a decisão judicial num sistema de precedentes judiciais tem força normativa, o superprecedente seria uma cláusula pétrea fruto do exercício da jurisdição182, tendo uma natureza jurídica antirreformadora ante a inteligência do art. 60, § 4º,

inciso IV, da CF/88. Ou seja, direitos e garantias individuais não serão objeto de deliberação, sendo, portanto, imutáveis.

Leciona ainda o autor – Ronaldo Cramer –, que a cláusula pétrea da jurisdição somente seria superada ante a hipótese de uma nova ordem constitucional, haja vista o poder ilimitado do poder constituinte originário.

Máxima vênia ao entendimento do ilustre professor, mas ousamos discordar, sob o fundamento, já exposto anteriormente, no que tange à teoria constitucionalismo autogenerativo,

181 APPIO, Eduardo. Direito das minorias. Prefácio Luiz Guilherme Marinoni. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 55 e 246; GERHARDT, Michael. J. The power of precedente. Nova Iorque: Oxford University Press, 2008, p. 170-180; FISS, Owen. A ironia da liberdade de expressão: Estado, regulação e diversidade na esfera pública. Trad. de Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 130-144; CRAMER. Ronaldo. Precedentes judiciais. Teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2016, p. 163-164.

de J. J. Gomes Canotilho183, onde norma de direitos e garantias fundamentais, os quais são fruto de um processo histórico de conquistas sociais se autorregeneram, ainda que sob a perspectiva de uma nova constituição. Frise-se e repise-se.

Deste modo, não se pode fechar aos olhos que num sistema de precedentes judiciais, superprecedentes passem a figurar como uma espécie normativa voltada a proteger e promover direitos e garantias fundamentais – conforme propõe a teoria de George Jellinek (já esposada no capítulo 04) –, pois seria o Poder Judiciário responsável por tal tarefa, notadamente ante a crise de representatividade e/ou omissão por parte do Poder Legislativo.

E mais. Por que não admitir, futuramente, à condição de superprecedente o precedente firmado, no Habeas Corpus nº 126.292/SP, pelo Supremo Tribunal Federal – demonstrado no capítulo 04, item 4.3 –, uma vez que atinge toda a sociedade em caráter vinculante o que passaria a instaurar a estabilidade e confiança em face e pelos gestores públicos no manejo do dinheiro dos contribuintes, estando certo de que estará sujeito a severas punições em caso de corrupção (?).

Em verdade, o ordenamento jurídico brasileiro ainda está aprendendo a andar no sistema de precedentes judiciais, mas não se pode voltar as costas para uma realidade que atualmente encontra-se positivada, de observância obrigatória pelos aplicadores do direito e que tem como objetivo, dentre tantos, a pacificação social e segurança nas relações jurídicas.