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Embora a internet seja frequentemente citada pelos músicos independentes enquanto importante meio de produção, distribuição e promoção dos seus trabalhos, engendrando novas sociabilidades e alterando a correlação de forças no processo de comunicação, grande parte da amostra enfatizou os limites da rede virtual, no que toca ao seu alcance para maior número de pessoas. “Eu acho massa a internet, mas ao mesmo tempo eu acho mó ilusão”, anuncia Fernando Catatau (10/9/2015). Ainda que amplamente utilizada, a internet não consegue superar as estratégias de promoção e divulgação que os meios tradicionais (rádio e TV) detêm.

Segundo a Pesquisa Brasileira da Mídia 2015 (BRASIL, 2014, p. 3), mesmo considerando o crescimento da internet no país, o rádio e a televisão são os únicos meios de comunicação efetivamente universalizados, presentes em 97% e 86% dos domicílios no Brasil, respectivamente. A internet, por sua vez, ainda tem alcance limitado. Apenas 25% dos domicílios brasileiros têm computador, dos quais 18% possuem acesso à internet. Dos domicílios com acesso à internet 58% possuem banda larga, sendo que 66% desses possuem velocidade de até1 mbps. O uso dos meios de comunicação segue o padrão de consumo determinado pela renda, escolaridade e faixa etária: o uso diário e mais intenso da internet é maior entre os jovens, com renda familiar superior a cinco salários mínimos (BRASIL, 2014, p. 3).

Além dos limites da universalização da internet, Marcelo Segreto levanta um importante aspecto, relacionado à concentração também nesse meio, que faz com que existam poderes desiguais e acessos diferentes para os artistas nas redes24.

Ao contrário do que se pensava, com a internet a concentração de todo o mercado musical aumentou mais nas mãos de poucos artistas do que se distribuiu em vários artistas. Então, mesmo com a internet tem essa coisa: ‘ah, se a gente é artista independente, a gente vai ficar na internet... E os artistas de gravadoras eles vão pra TV, pros rádios, pros meios mais tradicionais’. Eu acho que todos os meios precisam ser acessíveis... E na internet as coisas não são assim tão ‘fáceis’ como parecem. Porque eu posso colocar a minha música no Youtube. Mas se o Roberto Carlos colocar uma música no Youtube ele já tem todo um sistema, sites que são parceiros dele, que ganham dinheiro com isso... é muita grana. Então, é muita concentração nesse meio também (SEGRETO, 14/4/2015)

Ao mesmo tempo em que apontam para contradições da internet, os resultados desta pesquisa confirmam o difícil acesso aos meios tradicionais da mídia pelos artistas independentes e ratificam um aspecto fundamental do arranjo que estrutura, ainda hoje, a indústria da música no Brasil: a importância dos meios de

24 Em 2015, o Spotify Brasil divulgou um ranking com os artistas brasileiros mais ouvidos no país. No

topo da lista encontra-se a dupla Henrique & Juliano, seguida da dupla Jorge & Mateus (MANNARA, 2015).

comunicação tradicionais para a promoção de artistas em âmbito nacional. Dos 22 entrevistados, apenas seis afirmaram conseguir utilizar, em algum momento, a rádio e/ou televisão como meio de distribuição e promoção dos seus trabalhos. Desse número, três deles já estiveram em grandes gravadoras. A Orquestra Contemporânea de Olinda, por exemplo, que firmou um contrato de distribuição com a Som Livre em seu primeiro CD, apareceu nos programas globais Fantástico e Encontro com Fátima Bernardes. Nesses casos de exposição em mídias tradicionais os entrevistados declaram a diferença da recepção, ou seja, do “feedback do público”. “Das poucas vezes que a gente apareceu em televisão e rádio, a gente viu que a diferença é muito grande. Vem realmente muita gente...”, afirma Felipe Cordeiro (14/4/2015).

De uma forma geral prevalece a fala do Fábio Trummer (6/9/2014): “Os programas de rádio e TV são muito raros, vez ou outra transitamos nesses meios, mas não podemos contar com eles como estratégia de trabalho”. Nesse sentido, se a independência, em algumas situações, possa ser uma escolha, a forma com que usa os meios de comunicação é uma contingência, sobretudo política, para os artistas entrevistados. Porque dos 22 artistas, todos enfatizam a falta dos meios tradicionais de comunicação na projeção dos seus trabalhos, sobretudo considerando as dimensões continentais do país. Otávio deixa manifesto que o rádio continua sendo cada vez mais importante para o músico, da mesma forma que a TV. O que existe, contudo, é que os meios tradicionais estão cada dia mais distante. Embora as coisas “fluam” sem o rádio e a TV, ele não dispensa a sua contribuição, assim como exalta a importância de alguns programas de nichos que ainda resistem nesses meios tradicionais.

É muito distante, sabe? A gente tem pouquíssimos lugares onde a gente possa apresentar o nosso som [...] Ir pra um programa de TV de grande exposição... Putz, ótimo, né? Imagina... Agora que eu tô um pouco estruturado... Ir num programa... Ia vender disco pra caramba! Ia ser genial. Mas não acontece. Têm coisas que crescem com a gente, a Roberta Martinelli, com o Programa Cultura Livre, Patricia Palumbo... São coisas que tem mais a ver com a gente. Agora as coisas de grande visibilidade, Globo e tal... isso tem se tornado cada vez mais distante, infelizmente (AEROPLANO, 30/4/2015).

Alessandra Leão também enfatiza a dificuldade de acesso aos meios tradicionais de comunicação, sobretudo nos grandes conglomerados, como a Globo, ao mesmo tempo em que explicita e condena as práticas de favorecimento no rádio, como o jabá. Ela também destaca a dificuldade de acesso às grandes lojas para distribuir o seu trabalho. Todos esses fatores impactam não só no seu trabalho, mas na diversidade cultural do país, de uma forma geral.

Alguns meios parecem que vão ser sempre difíceis, né? Algumas coisas em TV, por exemplo... Essas coisas ainda realmente são bem inacessíveis porque eu mesma não vou pagar R$ 50.000 pra tocar no Faustão, né (risos)?! Isso realmente faz quem tem uma estrutura enorme atrás. As rádios, a maioria, ainda é movida pelo jabá. Há um tempo eu vi um estudo que a programação média de uma rádio variava cerca de 40 músicas por mês. Era alguma coisa nesse sentido... Mas minha gente! Como 40 músicas por mês? Claro que eles devem colocar uma ou outra coisa ali perdida, mas é muito pouco... Eu posso estar enganada nesses dados, mas de todo modo é uma discrepância enorme. Porque as rádios e as TVs tocam o que as grandes gravadoras produzem. E às vezes essas grandes gravadoras não produzem nem 1/10 do que é produzido no mercado nacional! [...]. A distribuição a gente faz muito pela internet também. Mas aí também existe uma limitação. Também não é uma distribuição ampla que cubra nacionalmente. Tem aquelas lojas, que são lojas onde as pessoas naturalmente procuram a música que a gente produz. Mas são pouquíssimas as que sobrevivem. Tem capital hoje no Brasil que não tem loja de disco, não tem uma Passa Disco, por exemplo25! Tem Lojas Americanas, tem supermercado...

Mas nas Americanas, por exemplo, o meu disco não entra. Só entra com grandes distribuidoras.... Não entra assim direto não. Você não chega na Americanas e diz ‘ó quero vender meu disco’! A FNAC ainda abre a exceção quando a pessoa vai tocar lá de graça... (LEÃO, 2/9/2014)

De forma semelhante, Marcia Castro também destaca a importância do rádio e da TV enquanto potência na circulação de um trabalho musical: “em todo lugar do mundo vai existir uma antena de rádio”; assim como repudia a prática do jabá. Na televisão ela cita o poder das novelas na disseminação de uma música.

25 A Passa Disco foi inaugurada em 2003 e permanece atuante no mercado de venda de discos em

Recife, especializada em música pernambucana. Atualmente a loja também tem funcionado como selo e como espaço cultural.

Para a artista, quanto mais pessoas a ouvirem, melhor. Ela lamenta os entraves ao acesso a esses meios de comunicação, sobretudo porque gostaria de ser mais ouvida, bem como explicita as relações de poder nesses meios.

Saber que sua música está sendo ouvida e está sendo querida pelas pessoas. Que existe o desejo pela sua música... Imagine que maravilha isso! Enfim, às vezes eu penso que qualquer música é suscetível do sucesso, que as coisas são uma questão de como se mostra aquela música [...] Depende do acesso que você tenha a esses veículos, né? Eu gostaria muito que minha música fosse vista por mais pessoas, por muitas pessoas. Mas, assim, rádio, o mercado independente já dá como perdido. Porque existe o jabá aí violentamente. Algo que eu não sei se um dia vai acabar porque é muito dinheiro que gira em torno disso, são muitos interesses, de gente muito grande. Então, eu acho que pra minha geração, tocar na rádio é um privilégio de poucos no mercado independente. Às vezes acontece, assim, quando é um programador que gosta muito da sua música, quando você tem uma relação de amizade com alguém próximo de uma rádio e tal e coloca [...] Mas você tá na programação de modo constante é realmente muito difícil (CASTRO, 5/5/2015).

Em relação ao jabá, importa destacar, ainda, o depoimento de Rico Dalassam. Destoando dos outros artistas, o músico entende que, embora o jabá seja uma prática perversa, pode ser realizada como forma de “investimento”. “Essa grana volta se você escolher a música certa pra investir. É uma coisa escrota né? Mas é o capitalismo... É uma grana que você pegou daqui e botou ali. É um jogo né?”, afirma. Para o músico, a prática do jabá faz parte de uma visão empreendedora, a qual informa que é necessário saber onde colocar dinheiro na construção do seu objetivo. Rico entende que para alcançar seu objetivo de fazer shows ele precisa estar na visibilidade das pessoas. Por isso, “se pintar uma grana legal e eu tiver uma música que eu ache que ela vai pegar, eu pego essa grana daqui e ponho lá, entendeu? Esse dinheiro volta” (DALASSAM, 15/6/2016).

Romulo Fróes ratifica a falta do rádio e expõe o desmantelamento do pouco que existia nesse meio. “Nesse momento, a gente tá passando por uma coisa chata e triste pra caramba”, se referindo à rádio Cultura de São Paulo, “que era um dos poucos espaços que a gente tinha, Robertinha (Martinelli) lá se matando pra deixar o Cultura Livre de pé. Era um negócio absolutamente inovador, que misturava

rádio, internet, TV”. Romulo explica que estão limando com os poucos programas ao vivo e que isso faz muita falta porque as poucas vezes que ele tocou em rádio foi sempre uma alegria pra ele. Por considerar a cena independente a qual está incluído uma geração de nincho, ele afirma que toca em programas de amigos, de uma forma bastante específica. “Mas nunca liguei o rádio e tava tocando a minha música. Só quando eu sabia que ia passar na Patricia Palumbo naquela hora, e aí eu sintonizada” (FRÓES, 30/4/2015).

Em relação a esses espaços de nichos, além do programa comandado por Roberta Martinelli (o Cultura Livre), o Metrópolis e a Rádio online Vozes, liderada por Patricia Palumbo também foram citados enquanto importantes espaços de resistência e diversidade musical. Em Recife, Catarina Lins do Aragão (13/8/2014) chamou atenção para a importância de programas locais nos espaços tradicionais, como o extinto Programa do Roger. Isaar (25/2/2016), por sua vez, atentou para a importância do Sopa Diário, também abolido. Hoje Recife conta apenas com a rádio pública Frei Caneca (101.5 FM), criada há 56 anos, mas no ar desde 30 de Junho de 2016, fruto de intensa luta entre os segmentos locais.

Além dos poucos espaços nas mídias tradicionais, seja grande ou de nicho, Guitinho (SILVA, 29/2/2016) ainda levanta uma importante questão, relacionada à música vinde de comunidade negra e de candomblé, da qual faz parte. Trata-se das ambiguidades entre querer estar exposto e não ser estereotipado ou ridicularizado nesse processo, quase sempre perverso, uma vez observado o papel da mídia nos discursos de ódio e intolerância hoje.

Aqui (em Recife), primeiro, os espaços são pouquíssimos, né? E um grupo engajado como o Bongá, ele vive um grande dilema, né? Ano passado a fez uma reportagem, que, ao mesmo tempo foi importante pra gente, pra uma emissora de TV, pra Globo, com a qual a gente tem muito questionamento. Ao mesmo tempo, a gente fica dizendo: caramba, quando a gente fez, a gente vê o tamanho da repercussão. E eu não olho pela repercussão pra o Bongá, mas eu olho pra repercussão que foi da música do terreiro; você colocar um espaço num dia de sábado, de uma hora... a gente defendendo a bandeira do candomblé, no momento que a gente vive. Então, isso pra gente foi importante, numa comunidade tradicional, negra. Mas a gente sente a dificuldade que é imensa de reconhecimento dos grupos e que essas emissoras de TV tratem de uma forma digna, coerente, respeitosa a nossa música. Porque, ao mesmo tempo que a gente vê

um espaço desse, depois a gente vai ver em outro instante uma chacota muito grande, uma desclassificação gigante dessas emissoras. E com toda essa intolerância, esses discursos de ódio... É triste ver que os meios de comunicação poderiam ser um grande parceiro da diversidade na sociedade, mas não são (SILVA, 29/2/2016).

Finalmente, alguns músicos abordam a questão da atuação do poder público no tema. Nesse sentido, Felipe Cordeiro afirma que “seria muito diferente se rádio e TV cumprisse “os seus deveres de concessão publica, e aí vai para aquela discussão da democratização da mídia...”. Felipe destaca que frequentemente escuta “não se faz mais música brasileira como antigamente”. Mas se os meios tradicionais de comunicação tivessem um comportamento mais honesto em relação à produção atual a realidade cultural do país seria completamente diferente, em termos de diversidade (CORDEIRO, 14/4/2015). Romulo Fróes também garante que se os músicos independentes tocassem nas rádios, por exemplo, os seus trabalhos iam ter outra dimensão e lamenta que os poderes não “façam nada” para mudar um quadro que eles têm uma obrigação legal de intervenção, já que se trata de concessões públicas (FRÓES, 30/4/2015). O depoimento de Fróes, inclusive, levanta a defesa de cotas em programações:

Devia ter uma lei, dizendo ‘É o seguinte, você tem que tocar num sei quantas músicas por dia, dessas músicas você tem que tocar uma variedade X e você tem que tocar pelo menos 5 músicas de artistas novos e tal’. A mesma coisa vale pra TV (FRÓES, 30/4/2015).

Na mesma direção, Isaar (25/2/2016) defende a importância das TVs e rádios públicas, afirmando que “tem que ter programação com música de artista independente, que de outra forma não estaria ali”. Ela exalta o papel dos meios tradicionais de comunicação públicos, exemplifica a recepção dos ouvintes mesmo quando apareceu em um programa local “pequeno” e afirma a necessidade de distribuição/promoção da música na rádio e na TV para o fechamento do ciclo de fomento cultural do poder público.

A televisão pública, a rádio pública, elas têm esse papel e elas cumprem esse papel mesmo, sabe? Porque, uma coisa era a vida no Recife com o programa Sopa Diário, que era uma horinha, na hora do almoço, concorrendo só com programa policial, que dá uma audiência danada. E mesmo assim fazia uma diferença incrível... das pessoas passarem na rua e falarem: ‘ah, eu te vi no Sopa Diário’. E foi muito engraçado que quando eu apareci... apareceu um clipe meu segundos no NETV... aí as pessoas: ‘você voltou!’ Como eu voltei? Eu tô aqui! ‘Você voltou, te vi de novo na televisão! Eu te via no Sopa Diário, te vi no NETV! Que massa, você voltou!’ Então, é o poder da televisão. Então, imagina se uma Globo Nordeste bota quinze minutos da programação diária... Isso é uma coisa gigante, sabe? E isso fomenta público que sai pra pagar. Mas é isso que eu digo: a Prefeitura, ela poderia, enquanto Prefeitura, e o Governo do Estado, enquanto Governo do Estado... eles têm horário de publicidade, mas eles deveriam ter horário de música, sabe? Isso tá dentro. Se não dá pra tá dentro de uma Secretaria de Comunicação, que seja na de Cultura mesmo, porque isso faz parte de um fomento cultural (FRANÇA, 25/2/2016).

Finalmente, Marcelo Segreto levanta a importância da Lei da Mídia Democrática, assim como do Marco Civil da Internet.

As concessões estão concentradas, né? Não pode...! Isso não é democracia, né? Não é um meio de comunicação democrático se poucas pessoas têm um controle de todos os meios, inclusive da internet. A TV é um meio de comunicação pública. A gente tem direito de divulgar o nosso trabalho na TV, eu acho importante isso. Porque a TV, queira ou não, ela é muito mais assistida do que o nosso canal no Youtube, entendeu? Então pra gente seria importantíssimo ir num programa grande de TV. Eu acho importante músico independente no geral tentar se inserir nos meios de comunicação, no rádio. O que seria legal seria ter uma rádio e uma TV mais justos, né? Um rádio que você não tivesse que pagar 10 mil reais pra tocar um mês... Que não tivesse que pagar pra participar de um programa... (SEGRETO, 14/4/2015).

A partir das entrevistas realizadas e dos dados coletados sobre o emprego dos meios de comunicação hoje, é possível concluir que embora a internet seja o meio mais utilizado pelos músicos para distribuição e promoção de suas atividades, não há uma dispensabilidade dos meios tradicionais – rádio e tv – na dinâmica dos seus trabalhos. Além dos limites da internet em relação à remuneração do músico e alcance de público, há uma enorme lacuna no gargalo da distribuição provocada pela ausência do rádio e da TV no país, fortemente monopolizada por

uma indústria não mais fonográfica, mas da música, a qual não está propriamente em crise, mas que reconfigura o tempo todo o seu poder de articulação no sentido de manter e fortalecer os seus oligopólios. Em paralelo a esse poder de adaptação da indústria que renova os seus mecanismos de concentração, emergem e resistem espaços de mobilização alternativos e/ou independentes que sugerem todo um campo de atuação do poder público na divulgação da cultura, que extrapole os circuitos da internet.

No Brasil, apesar de consagrar assimetrias legais exclusivas em relação a outros serviços públicos (sobretudo no que se refere à renovação, ao cancelamento e aos prazos de concessões de emissoras de rádio e televisão outorgados pelo Estado para exploração privada), a Constituição Federal (CF) de 1988 constitui um marco de referência na legislação da radiodifusão no país. Como resultado de anos de luta de setores da academia e da sociedade civil organizada, nela foram inscritas normas e princípios que teriam sido capazes de alterar substantivamente a estrutura concentrada da radiodifusão brasileira no rumo de sua democratização. A realidade, todavia, revela que quase nada se avançou no que se refere às condições de funcionamento e estruturação do mercado de radiodifusão. A inoperância do Congresso Nacional na regulamentação das normas e princípios referentes à comunicação social consagradas na CF/88 já foi objeto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADOs n.º 10 e 11), as quais aguardam decisão do Supremo Tribunal Federal desde 2010.

Vale registrar, em particular, a não regulamentação de dois dispositivos constitucionais: (a) o parágrafo 5º do artigo 220 e (b) o “Princípio da complementaridade” inserido no caput do artigo 223. No artigo 220 é garantida a livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação mas, dentre outras condições, destaca em seu parágrafo 5º: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. A não regulamentação deste parágrafo e a consequente ausência de qualquer restrição à propriedade cruzada tem permitido a histórica concentração do controle da comunicação social nas mãos de uns poucos oligopólios empresariais. O caput do artigo 223, por sua vez, determina que as outorgas e renovações de concessões para o serviço público de radiodifusão devem observar “o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. A não regulamentação

do princípio da complementaridade, combinada com a não regulamentação do parágrafo 5º do artigo 220, tem permitido a manutenção do flagrante desequilíbrio estre os sistemas de comunicação social, com a predominância do sistema privado.

Diante desses fatos, permanece a questão sobre quais seriam as razões que, historicamente, tem impedido a regulamentação dos dispositivos referentes à comunicação social da CF de 1988 e a consequente ausência de avanço na democratização da comunicação. Ao longo dos anos, aqueles que defendem a democratização da comunicação têm sustentado sua posição em torno da necessidade da universalização da liberdade de expressão, do direito à comunicação no sentido de ter voz, isto é, de ouvir e ser ouvido, de acesso