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Paradoxos da atividade artística na narrativa de músicos denominados independentes

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

AMANDA PATRYCIA COUTINHO DE CERQUEIRA

PARADOXOS DA ATIVIDADE ARTÍSTICA NA NARRATIVA DE MÚSICOS DENOMINADOS INDEPENDENTES

CAMPINAS 2017

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AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro no desenvolvimento desta pesquisa. Aos colegas e amigos anfitriões em São Paulo, pela acolhida, em especial Rafael Toitio, Fellipe Melo e Ludmila Santos. Aos que me auxiliaram nas entrevistas e aos entrevistados.

Aos professores da UNICAMP que se dedicam de maneira séria e comprometida à sua atividade, o agradecimento pelo exemplo e respeito. Aos membros da banca de qualificação, pelas críticas e incentivos. À orientadora, Liliana Segnini, minha admiração e agradecimento especial pela receptividade e contribuições no amadurecimento deste trabalho. Aos colegas da UNICAMP, pela convivência e estímulo no decorrer desta pesquisa.

A todos os amigos que colaboraram de alguma forma na tarefa dos últimos anos, agradeço e dedico o resultado, do qual são, é claro, inocentes. Meus sinceros agradecimentos pelo carinho durante esse período. Aos afetos de perto, pela permanência e continuidade. À Amanda Campos, pela partilha de apreensões e alívios. À Hanna Brito, pela amizade constante. À Amanda, Marcus, Luanna, Gabi e Martinha pelo interesse e apoio.

À Katarina Negromonte, pelo incondicional companheirismo e compreensão.

À Jane, quem me ensina todos os dias a começar de novo.

Aos meus familiares, pelo alento, pela torcida e pela paciência. Especialmente, a Paulinho, pela sua espontaneidade. À Lúcia Helena, pelo bem-estar desprendido. À André, pela empatia permanente. À Wilminha, pela amabilidade do cotidiano. À minha avó, por sua fé e ternura. Aos meus pais, pelo respeito e atenção aos meus interesses, pelo companheirismo, pelas coisas simples e pelo amor sem juízo de todos os tempos.

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RESUMO

Esta pesquisa pretende investigar as relações de trabalho na indústria cultural, mais precisamente no campo da música, por meio da análise das atividades de músicos independentes. As configurações da condição independente na produção cultural têm sido definidas principalmente pelo financiamento alternativo ao Estado. Neste estudo, contudo, a proposta é entender o independente enquanto aquele que desenvolve o seu trabalho de criação, produção, promoção e distribuição de forma autônoma às gravadoras e conglomerados do entretenimento. Olhar para a categoria profissional dos músicos pela ótica da sociologia do trabalho colabora para descortinar a realidade de uma categoria até então pouco estudada no Brasil: a do artista trabalhador empresário de si mesmo. Trata-se de não somente considerar a atividade artística como profissão, mas também enquanto expressão paradigmática das transformações do mercado de trabalho atual. A reestruturação da cadeia da música estimula a atuação dos artistas independentes. A pesquisa dedica-se, então, a entender, por meio do mercado e do Estado, mas não somente, as condições de trabalho dos músicos. Analisar as especificações que permitem desenhar as morfologias do músico independente colabora para o debate teórico do trabalho artístico e das políticas públicas setoriais, em suas articulações fundamentais.

Palavras-Chave: Indústria cultural. Trabalho na arte. Política cultural. Músicos – aspectos sociais.

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ABSTRACT

This research aims at investigating working relations in the cultural industry, more specifically in the field of music, through analysis of independent musicians’ activities. The configurations of independent conditions in cultural productions have been defined, mainly, by alternative financing to the State financing. In this study, however, the proposal is to understand the independent musician as one who develops his/her creative work, production, promotion and distribution in an autonomously from recording companies and entertainment conglomerates. Considering musicians professional category by the perspective of Sociology of Work collaborates with clarifying a not so much investigated category in Brazil, which is working artist as his/her own entrepreneur. Therefore, this research not only regards the artistic activity as a profession, but also as a paradigmatic expression of the present labor market changes. Rebuilding the music chain stimulates the production of independent artists. This investigation, thus, focus on understanding musicians work conditions through both the market, and the State perspectives, besides other means. Analyzing the specifications that conveys a morphological design of independent musicians is the basis for theoretical debate on the artistic work, as well as the sectorial public policies, under their fundamental articulations.

Keywords: Cultural industry. Work in art. Cultural policy. Musicians – social aspects.

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LISTA DE FIGURAS E TABELAS

Figura 1 Distribuição de cauda longa ... 33

Tabela 1 Número de empresas, pessoal ocupado total e assalariado, salários e outras remunerações no total das atividades e nas atividades do setor cultural | Brasil

2007-2010 ... 84 Tabela 2 Comparação entre ocupados no Brasil, profissionais dos

espetáculos e das artes, por posição na ocupação | Brasil,

2011 ... 103 Tabela 3 Força de trabalho do MinC | Brasil 2006-2009 ... 180

Tabela 4 Evolução do investimento em Mecenato | Brasil

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABMI Associação Brasileira da Música Independente ABPD Associação Brasileira de Produtores de Discos ABRAFIN Associação Brasileira de Festivais Independentes BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Banco Mundial

CBO Classificação Brasileira de Ocupações

CC Creative Commons

CERTIFIC Certificação Profissional e Formação Inicial Continuada

CF Constituição Federal

CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas CNC Conselho Nacional de Cultura

CNIC Comissão Nacional de Incentivo à Cultura CNPC Conselho Nacional de Política Cultural CPCs Centros Populares de Cultura

DAC Departamento de Assuntos Culturais DIP Departamento de Imprensa e Propaganda DRM Digital Rights Management

ECAD Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ENECULT Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura FBA Festivais Brasileiros Associados

FCB Fundação do Cinema Brasileiro FDE Fora do Eixo

FGV Fundação Getúlio Vargas

FICART Fundo de Investimento Cultural e Artístico

FIRJAN Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro FMI Fundo Monetário Internacional

FNC Fundo Nacional da Cultura

FNDC Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação FUNARTE Fundação Nacional da Arte

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FUNDARPE Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco GAP Grupo de Ação Parlamentar Pró- Música

GPOPAI Grupo de Pesquisa em Política Pública

IBECC Instituto Brasileiro de Educação, Ciências e Cultura IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFPI International Federation of the Phonographic Industry IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPETURIS Instituto de Pesquisa, Estudos Capacitação em Turismo IPHAN Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional MEC Ministério da Educação e Cultura

MEI Microempreendedor Individual MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MES Ministério da Educação e Saúde MINC Ministério da Cultura

MRE Ministério das Relações Exteriores MTE Ministério do Trabalho e Emprego NPI Nova Produção Independente

OEI Organização dos Estados Ibero-Americanos OMB Organização dos Músicos do Brasil

OMC Organização Mundial do Comércio ONU Organizações das Nações Unidas

OSESP Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo OSM Orquestra Sinfônica Municipal

P2P Peer to peer

PAC Plano de Ação Cultural

PEC Proposta de Emenda à Constituição PI Propriedade Intelectual

PIB Produto Interno Bruto PNC Plano Nacional de Cultura

PNUD Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento PRODEC Programa de Desenvolvimento Econômico da Cultura PRONAC Programa Nacional de Apoio à Cultura

RBF Rede Brasil de Festivais

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SNC Sistema Nacional de Cultura

SNIIC Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais SIGLA Sistema Globo de Gravações Audiovisuais

SIM Semana Internacional da Música SPFW São Paulo Fashion Week

SPHAN Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional TIC Tecnologia de Informação e de Comunicação UBC União Brasileira de Compositores

UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development UNE União Nacional dos Estudantes

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...

13

I ARTISTAS INDEPENDENTES: CONCEITOS EM DISCUSSÃO ...

20

I.I Mercado e economia fonográfica ... 20

I.II Configurações e especificidades ... 33

I.III Narrativas acerca da independência ... 35

II TRAJETÓRIA E FORMAÇÃO ...

47

II.I Genialidade e ócio ... 48

II.II Relações familiares e profissões... 51

II.III À procura de trabalho e identidade profissional ... 72

III RETRATOS DO MERCADO DE TRABALHO ARTÍSTICO ...

76

III.I Condições estruturais ... 77

III.II Imaterialidade e mito ... 85

III.III Facetas da precarização ... 96

IV ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E MODELOS DE NEGÓCIOS..

111

IV.I Distribuição ...111

IV.II Meios de comunicação tradicionais ...125

IV.III Consumo e recepção ...135

V VIVER DE MÚSICA ...

139

V.I Indústria do show ...139

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V.III Migrações artísticas ...161

VI POLÍTICA CULTURAL NEOLIBERAL ...

169

VI.I Escolha do Estado ...169

VI.II A era dos projetos ...185

VI.III Independência e políticas públicas ...195

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...

198

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INTRODUÇÃO

A principal pergunta sociológica que orienta a discussão desse trabalho pode ser assim resumida: Quais as configurações e especificações que permitem desenhar as genealogias dos músicos independentes, tendo em vista o contexto econômico, político e social no qual é constituído o trabalho artístico? Ao longo desta pesquisa, essa indagação desdobra-se em outros questionamentos: O que distingue o trabalho artístico de outros tipos de trabalho? O que significa a vivência da independência nas atividades culturais, especialmente a partir da reestruturação na indústria musical? Qual a influência da política neoliberal no trabalho artístico considerado independente? Independente em relação a quê? Por quê? Uma relação estética e/ou uma contingência de mercado? É possível falar em graus de independência? Existem diferenças entre produções independentes e a indústria cultural? Em que medida a indústria cultural cria a ilusão da independência? Finalmente, o que poderia ser entendido como independência para fins de políticas públicas aptas a viabilizar a descentralização e diversificação da produção cultural?

Na tentativa de refletir sobre essas perguntas, esta pesquisa entrevistou 22 artistas, cujo viés de seleção considerou como independente aquele que tem a música como única, senão principal, atividade; e desenvolve seu trabalho de criação, produção, distribuição e promoção de forma autônoma às gravadoras/distribuidoras, ou seja, sem intermediários. O estudo partiu de uma inserção de campo qualitativo nas cidades de Recife e São Paulo, em razão do trânsito da pesquisadora, mas também pela dimensão da prática musical conceituada como independente, a qual vem sendo sustentada de forma diferente, de acordo com as especificidades mercadológicas e políticas de cada cidade. A abordagem qualitativa se mostrou adequada para captação de estruturas complexas, seus processos, contexto e inter-relações, no sentido de entender o modo como a experiência social é criada e adquire significado. A entrevista contou com uma organização livre em profundidade e semiestruturada, no intuito de valorizar a chance do entrevistado em dizer o que ele considera mais importante sobre a sua realidade, enfatizando as singularidades de um fenômeno e suas

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diferentes perspectivas. O roteiro aberto sofreu alterações de acordo com a trajetória de cada entrevistado previamente pesquisado.

Os processos inerentes à construção das entrevistas e análise das diferentes histórias de vidas são esforços em explorar referências que, ao final, se traduzem em importantes aspectos das estruturas sociais. Nessa direção, as entrevistas exploram variáveis, como: sentidos do trabalho artístico; estruturas de remuneração; relações familiares e de formação; locais de fala e migrações artísticas; concepções acerca da independência; fator contingência mercadológica; heterogeneidade/polivalência e empreendedorismo cultural; modelos de negócios; políticas públicas e meios de comunicação; órgãos de representação; relações de gênero, etnia e sexualidade. Trata-se de uma tentativa de descortinar as condições de sobrevivência na música considerada independente, tendo em vista as diferentes realidades e contextos em que esses trabalhos são desenvolvidos. Trata-se também de compreender as dificuldades, frustrações e conquistas vivenciadas no cotidiano dos músicos, que informam as relações sociais vividas e suas contradições. Em outros termos: diante das tensões e dinâmicas decorrentes do novo papel social e econômico dos artistas-empreendedores, quais os significados de “viver de música”? Em seu estudo sobre Mozart, o alemão Norbert Elias (1995) elabora um modelo teórico para análise sociológica do artista, o qual recupera as dimensões ontogênicas do momento histórico para entender as pressões sociais que agem sobre o indivíduo. O autor (ELIAS, 1995) demonstra que o artista sempre esteve ligado a estruturas sociais que lhe possibilitaram a realização do seu trabalho em determinadas condições históricas e sistemas de interações, denominado de configurações. Ao elaborar indagações sociológicas para compreender a relação do artista no contexto da Corte, Norbert Elias (1995, p. 62) analisa o significado de ser socialmente reconhecido como artista e ser, ao mesmo tempo, capaz de alimentar sua família. Conforma explicitado por Liliana Segnini (2014, p. 77), na sociedade contemporânea, na qual novas dimensões se colocam e outras tantas são reiteradas, a investigação de Elias parece ser ainda mais urgente, com significações diversas a ser exploradas. Nesse sentido, é um desafio para as ciências sociais entender quais as configurações que imprimem as genealogias do artista, em suas relações de dominação, exploração e autonomia.

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As particularidades da análise das configurações dos músicos independentes relacionam-se às transformações promovidas pelas tecnologias da informação e da comunicação, assim como são parte de um contexto mais amplo que informam o movimento de legitimação, proeminência e conveniência da cultura e do entretenimento dentro da cadeia produtiva recente, enquanto importante esfera econômica e de linguagem simbólica, política e social. O crescimento das indústrias culturais, durante todo o século XX, que possibilitou a expansão da arte na forma de mercadoria, hoje impulsiona e intensifica o trabalho artístico. Cada dia mais as pessoas se ocupam das atividades culturais. Nas duas bases de dados que permitem uma referência ao trabalho artístico no Brasil (IBGE/PNAD e MTE/RAIS), observa-se um crescimento do número de profissões relacionadas ao campo cultura e do espetáculo (dos quais os músicos representam o maior crescimento em números absolutos) comparado com o mercado de trabalho no país. A ênfase cronológica desta pesquisa se dá a partir dos anos 1990. Nesse período, se intensifica a Nova Produção Independente (NPI) na indústria da música brasileira, ao mesmo tempo em que setor cultural do país experimenta as acentuações das políticas neoliberais.

Inaugurada em meados do século XVII e consolidada entre os anos 1960 e 1990, a concepção de cultura como recurso (YÚDICE, 2006), tem atraído cada vez mais investimentos para as indústrias culturais e colocado em pauta a perspectiva do gerenciamento e racionalidade administrativa na área. Proliferam-se as diversas organizações agenciadoras de cultura, chamando a atenção de teóricos, governos, empresariado, terceiro setor, regulamentações comerciais, jurídicas e bancos de desenvolvimento. Na emergência de conceitos como economia da cultura, economia criativa e (re)teorizações contemporâneas do trabalho imaterial, a cultura é inscrita na agenda do empreendedorismo. Para entender em quê se traduz estes termos, a relação entre trabalho e atividade artística é base teórica para o desenvolvimento desta tese e leva em consideração sociólogos que abordaram os temas analisados em diferentes pontos de vistas (ANTUNES, 2009; BECKER, 2006; BENHAMOU, 2007; COLI, 2006; COULANGEON, 2004; MENGER, 2005; PICHONERI, 2011; REQUIÃO, 2008; SEGNINI, 2012).

A principal hipótese analítica desta pesquisa configura o trabalho artístico enquanto laboratório de flexibilidade em uma economia política das incertezas

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(MENGER, 2005), cujas representações de independência evidenciam as práticas de precariedade nesse tipo de atividade. As conclusões das análises acerca do trabalho artístico na França apontam para a ironia evidenciada por Menger (2005, p. 109): as artes que, desde há dois séculos, têm cultivado uma oposição radical em relação ao mercado, aparece exatamente como precursora na experimentação da flexibilidade, ou até da hiperflexibilidade em um mercado de trabalho ultraindividualizado e inspirado na política cultural neoliberal. A produção independente não apenas estaria incluída nesse contexto econômico e político, como seria a expressão paradigmática de uma inclusão ainda mais subsidiária, cooperada, especializada e precária no mercado cultural.

Para elucidar os sentidos do trabalho artístico e os significados da independência, as discussões dessa tese são apresentadas em seis capítulos. O primeiro capítulo denominado Artistas independentes: conceitos em discussão parte da pertinência analítica do sociometabolismo do capital de István Mészáros (2011) para situar o processo de reestruturação do capital e a emergência da cultura. O objetivo é analisar as estruturas que atuam no campo artístico, as mediações recíprocas que constituem a indústria da música no Brasil e a atuação dos músicos independentes. Destaca-se a noção de cadeia produtiva da musica, enquanto conjunto de atores e processos que conformam o panorama de produção musical. Sua sistematização está associada ao tripé produção – distribuição – consumo. Autores que analisaram o desenvolvimento da indústria fonográfica no Brasil (CAZES, 1998; DIAS, 2000; MARCHI, 2006; MORELLI, 2009; PINTO, 2011; VAZ, 1988; VICENTE, 1996) contribuem para a identificação de momentos relevantes em sua história. Na compreensão das relações de mercado e economia fonográfica é possível discutir as diferentes configurações da independência hoje, tendo em vista a narrativa dos músicos entrevistados.

O Capítulo II Trajetória e formação parte do conceito de interseccionalidade de Angela Davis (2016) para explorar classe, raça e gênero dos entrevistados, no intuito de analisar como as diferentes opressões se combinam e se entrecruzam informando os itinerários artísticos. Esse caminho conceitual é acompanhado de variáveis como idade, região e orientação sexual, indicativos da dinâmica complexa abordada pela socióloga francesa Danièle Kergoat (2010) em seu conceito de consubstancialidade nas relações sociais. A perspectiva biográfica e

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a valorização da experiência é a vereda metodológica utilizada para entender as dimensões das atividades artísticas, a criação de suas acepções e suas consequências na vida dos entrevistados. Autores que se dedicaram a estudar a ideia do artista no tempo (DURAND, 1989; WARNKE, 2001) contribuem para a análise da construção histórica que relacionada a atividade artística à genialidade, cuja ênfase coloca o trabalho artístico como exceção às outras práticas, ofuscando e idealizando a sua compreensão. A questão central que se coloca nesse capítulo é a dos mecanismos que fazem aparecer ou celebrar “talentos” e os modelos de organização de sociedade que daí derivam.

O terceiro capítulo chamado Retratos do mercado de trabalho artístico é uma tentativa mais próxima de contribuir para uma análise sociológica da arte na perspectiva da categoria trabalho. Trata-se de integrar a atividade artística na esfera do trabalho e dos constrangimentos que são singulares e que a constituem, exaltando suas peculiaridades. Para essa tarefa, o capítulo analisa as condições estruturais exploradas pelos estudiosos das indústrias culturais (ADORNO, 2002; BENJAMIN, 1994), as relações entre economia e cultura na contemporaneidade, o mercado de entretenimento global e suas desigualdades regionais. Na “nova economia”, as análises do modo de produção tem intensificado um instrumental teórico que reserva lugar privilegiado ao trabalho imaterial. Esse capítulo problematiza a investigação do trabalho imaterial realizada pelos chamados neomarxistas (NEGRI; LAZZARATO, 2001; GORZ, 2009) para incluir pressuposto da produtividade, segundo o arcabouço analítico marxiano. A finalidade da reflexão é demonstrar como a sociopolítica da cultura tem sido composta de contradições para o trabalho artístico, tendo em vista as facetas da precarização presentes na inserção das subjetividades artísticas no contexto mercadológico.

O capítulo IV Organização do trabalho e modelos de negócios analisa o desenvolvimento dos sistemas técnicos que propiciam novas vias de acesso à música, ao mesmo tempo em que influencia as práticas dos atores envolvidos nessa cadeia. Por um lado, observa-se o esforço das inúmeras estratégias das gravadoras e distribuidoras em manter sua relevância enquanto intermediárias, historicamente oligopolizadas. Por outro, brechas se abrem e se alargam para a atuação dos músicos independentes. Os resultados dessas tensões estão presentes nos dados da indústria da música hoje. Nesse contexto, emerge em importância a discussão

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dos meios de comunicação tradicionais – rádio e TV – na estruturação do mercado musical, bem como a responsabilidade do poder público no tema. Finalmente, o capítulo faz uma relação entre o uso da internet e a recepção da música considerada independente. A partir da lógica da distinção de Bourdieu (2008), são abordadas as capacidades de produzir práticas e obras classificáveis, além da capacidade de diferenciar e de apreciar essas práticas, constituindo o mundo social representado, segundo um universo simbólico muito específico.

O quinto capítulo Viver de música investiga as formas que os músicos encontram de encarar os desafios do trabalho artístico e como eles se percebem nessa conjuntura. Cuida-se de uma investida em avaliar as estruturas de renda básica dos músicos tendo em vista a centralidade da indústria do show hoje, as formas de contratos e cachês, a dinâmica dos festivais independentes e suas remunerações. Nesse quadro, analisam-se o engendramento de um comportamento empreendedor, assim como sua institucionalização. A autogestão e o empreendedorismo de si mesmo guardam suas vinculações com as faces da precarização, assim como são parte das contradições do trabalho artístico. Esse capítulo também explora as migrações artísticas e os aspectos mercadológicos, econômicos e políticos presentes nas cidades de São Paulo e Recife, para contextualizar as perspectivas que o viver de música independente assumem em cada espaço específico.

Por último, o Capítulo VI Política cultural neoliberal recupera a trajetória histórica das políticas públicas setoriais como fator que atua sob as condições da atividade artística. Trata-se de desenhar a construção do campo cultural no Brasil no intuito de informar o percurso, a escolha e o lugar do Estado. Pesquisadores atentos às políticas culturais (CALABRE, 2009; CHAUÍ, 2006; RUBIM, 2008; WU, 2006) auxiliam a entender o ambiente de crescente participação das empresas no financiamento do trabalho artístico, cujo corporativismo preconiza o processo de hegemônico de privatização dessa gestão hoje. Acentuam-se a centralidade dos interesses empresariais, o crescimento do mercado de projetos, os gestores especializados em editais, a burocracia cultural e as desigualdades regionais de recursos. A partir dessas reflexões, o capítulo procura contribuir para a elaboração de uma definição conceitual do músico independente, tendo em vista a ideia de

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critérios para prioridades nas políticas públicas no que se refere aos incentivos, no propósito de descentralizar a produção e a distribuição dos recursos culturais.

Esse trabalho ainda conta com registro audiovisual do campo, considerado como meio de análise, interação, desdobramento e propagação da pesquisa, ampliando a possibilidade metodológica, de linguagem e de comunicação. A escolha dessa técnica também serve à desmistificação da ideia de dom ou talento natural que permeia o trabalho do músico. Se o trabalho artístico, especialmente o musical, seria o principal reino da criatividade, da abstração e do tempo livre, área da emancipação e da subjetividade, o registro audiovisual auxilia a inserção dessa atividade no mundo real, não como produto de um estágio de inspiração quase sempre fetichizada, mas também como processo (também) de trabalho consciente e racional.

De todas as profissões reconhecidas pela sociedade industrial contemporânea, aquelas ligadas às artes são as menos estudadas. Além de se constituíram um campo econômico recente, trazem em torno de si ambiguidades conceituais que não são tratados pela sociologia e que fogem, de certo modo, ao quadro temático estudado pela sociologia do trabalho. Esta pesquisa se propõe a apresentar um conjunto de reflexões na tentativa de contribuir para o debate teórico acerca do trabalho artístico, em meios às discussões de regulamentações e políticas públicas culturais, da comunicação e do trabalho, em suas articulações fundamentais.

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I ARTISTAS INDEPENDENTES: CONCEITOS EM DISCUSSÃO

A primeira dificuldade metodológica desse trabalho encontra-se na definição do músico independente. Sua historicidade frequentemente ligada à reestruturação da indústria fonográfica estadunidense não deve ser aplicada por simples analogia à indústria brasileira sem que ocorram generalizações analíticas. Mesmo assim, existe uma conexão entre um processo universal que se particulariza com contradições: a reestruturação do capital nas diferentes esferas produtivas, entre elas a cultura. Por isso, o campo analítico em que se situa a discussão do trabalho artístico musical independente é parte do contexto mais amplo que o filósofo húngaro István Mészáros (2011) chamou de sociometabolismo do capital.

Mészáros (2011) parte do núcleo formado pelo tripé Capital, Trabalho e Estado para analisar as bases materiais sobre as quais se fundamentam as condições de produção e reprodução social no capitalismo contemporâneo. Reconhecer a dimensão das estruturas sociais que atuam no campo artístico é importante para compor as múltiplas facetas do trabalho artístico independente, cujas tensões se caracterizam pelo complexo inter-relacionado dessas mediações recíprocas. Enquanto a indústria da música (da qual faz parte a indústria fonográfica) emerge com destaque no mercado cultural, sua organização ao longo do tempo anuncia, assim como ajuda a explicar, as diferentes formulações do conceito de músico independente hoje.

I.I Mercado e economia fonográfica

A música destaca-se na paisagem midiática contemporânea quanto à intensidade de sua mundialização. Seus formatos e reprodutores praticamente eliminam fronteiras para a sua difusão. A ênfase da música na expansão e consolidação da indústria do entretenimento é identificada na sua especificidade. Do conjunto das mercadorias produzidas na indústria cultural, a música se distingue por meio da grande interação que estabelece com todos os meios de comunicação, sobretudo no seu engajamento com a forma. A mercadoria musical, além de poder

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ser ouvida no reprodutor fonográfico de cada um a partir do ato de compra ou escolha do formato, está presente no rádio, na TV, no cinema, na publicidade, nos computadores.

Ao mesmo tempo em que há uma crescente mundialização da música no contexto das indústrias culturais, destaca-se que a indústria fonográfica se caracteriza, historicamente, como setor de grande concentração e rentabilidade de oligopólios. Isso pode ser explicado por meio da produção dos meios técnicos, necessários à acumulação, que fez surgir o mediador que é também o investidor. A economia de modo mediado também é a que mais sente o impacto das alterações tecnológicas em sua organização produtiva e distributiva. A contradição presente no movimento geral da indústria fonográfica pode ser assim resumida: a indústria busca a acumulação por meio da tecnologia, essa tecnologia ao mesmo tempo em que favorece a acumulação da indústria coloca em questão a própria necessidade da indústria enquanto mediadora. A relativização da importância da indústria, por sua vez, aflora uma crise, até que a indústria, finalmente, provoca uma reorganização.

Para compreender as ambiguidades presentes no movimento geral de reorganização da indústria fonográfica que intensifica a atuação dos músicos independentes, o pesquisador Luiz Carlos Prestes (2004, p. 34) ressalta a pertinência da noção de cadeia produtiva da música, enquanto conjunto de atores, processos e ambientes que conformam o panorama de produção musical. Sua sistematização está associada ao tripé produção – distribuição – consumo, cuja estrutura organizacional informa os diversos atores dessa cadeia, assim como as formas peculiares de subordinação do trabalho.

Essa história pode ser contada a partir do momento em que o ouvinte pode levar para casa não apenas a partitura que poderia ser executada por seu piano, mas também a música executada1. Marcia Dias (2000, p. 43) analisa a fase inicial da indústria fonográfica, mecânica e elétrica, em que o trabalho dentro do estúdio se resumia a reunir os músicos contratados pela gravadora na sala de

1 O engenheiro de produção Davi Nakano (2010, p. 629) explica que até o final do século XIX, o

consumo de música só era possível em apresentações ao vivo, já que não havia tecnologia de gravação de som comercialmente viável. Naquele contexto, a produção e o consumo de música se organizavam ao redor das editoras e publicadoras de partituras musicais. Com a invenção do fonógrafo, durante as primeiras décadas do século XX, diversas empresas começaram a produzir e comercializar equipamentos de reprodução, popularizando marcas como a Gramophone e a Victrola.

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gravação, posicioná-los a distâncias variáveis do microfone em função do volume relativo que cada instrumento deveria ter sobre o conjunto, abafá-los, se fosse o caso, e depois gravar a música o número de vezes que fosse necessário até a obtenção do registro considerado ideal. A gravação se limitava a ser o registro do desempenho real do artista, uma vez que o produtor do fonograma ou o engenheiro do som não modificavam qualitativamente o produto. Diante dessa configuração, o economista José Paulo Pinto (2011, p. 84) afirma que, nas duas primeiras fases da indústria fonográfica, a subordinação do trabalho dos músicos era apenas formal, típica da manufatura.

A partir dos anos 1970, a estrutura organizacional da indústria da música se complexifica, permitindo uma análise mais apurada das relações sociais de trabalho e de produção no setor, enquanto ramo da indústria cultural. A antropóloga Rita Morelli (2009) esclarece que a estrutura organizacional da indústria da música dessa época apontava para a clara distinção entre atividades criativas e artísticas, de um lado; e o trabalho voltado para a produção material, de outro. A visão dualista ou dicotômica do processo de produção podia ser observada na organização dos espaços, nucleados em dois ambientes. Nos estúdios, terreno de atuação dos músicos, intérpretes, produtores e técnicos de som produtores da denominada fita máster, espécie de matriz do material sonoro dos futuros fonogramas. E na fábrica, onde atuavam trabalhadores que transformavam aquele material no produto final, o disco, em condições de ser distribuído e comercializado.

No decorrer dos anos 1970 observa-se a progressiva especialização dessa organização produtiva na indústria da música. Trata-se da verticalização e hierarquização dos departamentos das gravadoras em diversos setores segundo padrão fordista de produção. Tal situação indicava uma estrutura bem mais complexa de profissionais distribuídos em diferentes áreas: artística (equipes de produção, composta por orquestradores, regentes e produtores; técnica (especialistas em áudio e eletrônica); comercial (marketing, capa/embalagem, produção, distribuição e promoção dos discos); e industrial (matrizes). Os enormes quadros de trabalhadores das gravadoras multinacionais que atuavam no Brasil refletiam essa estrutura. José Paulo Pinto (2011, p. 42) relata que a Phonogram, por

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exemplo, que contava com 170 empregados e 150 artistas em 1968, passou a ter, em 1974, o contingente de 500 empregados para atender apenas 28 artistas.

A consolidação da indústria fonográfica brasileira nos anos 1970, ao elevar a divisão do trabalho, trazia consigo também complexidade maior em relação à remuneração dos trabalhadores, fazendo com que cada grupo se relacionasse de forma diferente com a gravadora. José Paulo Pinto (2011, p. 77) afirma que a forma salarial era geralmente restrita aos técnicos de estúdio e aos trabalhadores de reprodução de discos e fitas. Os músicos (os de apoio, e não os intérpretes principais) usualmente recebiam cachês por empreitadas (gravações) e, quando não cediam todos os seus direitos às gravadoras, recebiam pequena parcela da quantia arrecada pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), que remunera os direitos conexos ao direito do autor. No caso dos autores (ou compositores) normalmente havia participação percentual nas vendas dos discos. Já os intérpretes cediam às empresas os direitos exclusivos sobre as suas interpretações – por até 10 anos, em alguns casos – recebendo em troca quantia fixa e/ou participação na venda dos discos (que não chegava a 5% do preço do varejo).

Segundo Morelli (2009, p. 47), durante a década de 1970 no Brasil, a indústria do disco crescia a taxa média de 15% ao ano, acompanhando o crescimento acelerado do mercado de bens de consumo, em especial o mercado de aparelhos de reprodução sonora. A partir de 1976, empresas estrangeiras vieram a se estabelecer no país, cujos efêmeros sucessos internacionais deram lugar à conquista da “franja” do mercado brasileiro de disco. Intensifica-se a consolidação do mercado de discos no Brasil, cujo marco mais citado é o lançamento da etiqueta Som Livre pelo Sistema Globo de Gravações Audiovisuais (SIGLA). A etiqueta das trilhas de novelas desponta em 1977 como líder do mercado brasileiro de discos.

Cresce cada vez mais a importância do trabalho do produtor artístico, enquanto criador dos aspectos mercadológicos da produção fonográfica. Nesse contexto, ainda que a atividade dos músicos fosse absolutamente necessária ao desenvolvimento da indústria da música, o avanço da racionalização econômica na indústria fonográfica relativiza a autonomia e criatividade artística, subjugada pelo papel do produtor. Nesse sentido, o trabalho dos músicos se torna cada vez mais

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produtivo porque se destina ao mercado e aos seus constrangimentos. A pesquisadora Luciana Requião (2008, p. 23) descreve que o olhar estratégico do produtor era capaz de criar produtos com elevados potenciais de venda, o qual era responsável pelo surgimento comercial de uma grande diversidade de artistas e segmentos musicais.

O mercado brasileiro de discos chega ao último ano da década de 1970 em 6º lugar no ranking mundial. Durante toda a década de 1970 é possível concluir que a indústria fonográfica se estruturou de forma verticalizada, complexa e hierarquizada, cujo papel central era atribuído ao produtor artístico. No entanto, durante a década de 1980 a venda de suportes físicos diminuiu consideravelmente. José Paulo Pinto (2011, p. 104) desta que embora a conjuntura macroeconômica não fosse a única explicação para a crise do setor, a diminuição do ritmo de acumulação do capital global que ocorreu durante a década de 1970 afetou as principais indústrias fonográficas internacionais e nacionais. Aliadas a esse fato, surgem as fitas cassetes e suas cópias domésticas, as quais embaraçam a utilidade dos discos.

No mercado estadunidense consolida-se o processo de reestruturação produtiva da indústria fonográfica, cujo modelo aberto de acumulação pós-fordista flexibiliza e desverticaliza a produção. Entre as estratégias encontradas pela indústria fonográfica para manter ou aumentar a sua margem de lucro, destaca-se a aceleração do processo de terceirização produtiva. O lema do it yourself fortalece a formação de pequenas empresas fonográficas que possuem meios próprios de produção, colocando em relevo as relações entre o indivíduo empreendedor autônomo versus a América corporativa. A figura do músico independente passa a ter maior visibilidade, ao mesmo tempo em que a indústria se concentra nas tarefas de distribuição e promoção. A reestruturação da cadeia econômica musical representa um novo contexto social, de forte influência tecnológica e elaborado a partir de um rearranjo de critérios.

No Brasil, embora não se possa falar propriamente em uma reestruturação de um regime fordista para um regime pós-fordista na indústria fonográfica, é possível destacar as mudanças das relações sociais de trabalho e de produção entre artistas e gravadoras de discos. O sociólogo Eduardo Vicente (1996,

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p. 102) analisa o conjunto de inserções tecnológicas no fazer musical a partir de 1980 que torna viável a terceirização da produção. O quadro de pessoal da indústria fonográfica é substancialmente diminuído. Os profissionais da música passam a atuar, cada vez mais, de forma autônoma. Sob sua responsabilidade está a minimização dos riscos e custos assumidos pelas grandes gravadoras, assim como o papel de descobrir talentos e renovar o setor.

Desestabiliza-se a clássica distinção de tarefas entre as atividades artísticas e técnicas sobre a qual se assentava a própria hierarquia da indústria fonográfica nos anos 1970. Um conjunto de procedimentos tecnológicos passa a ser introduzidos na produção e faz com que a gravação faça parte do próprio processo de composição musical. A partir da reorganização produtiva na cadeia da economia musical nacional, o processo de criação passou a ser influenciado pelas possibilidades de edição, resgate de obras, sampling, reapropriação, entre outros mecanismos técnicos2.

O embaralhado das fronteiras, proporcionado pelos equipamentos que permitem a integração de múltiplas funções, sugere aos músicos a necessidade de formação técnica e musical mais complexa, capaz de lhes permitir a realização das diversas etapas do processo de produção musical. O conhecimento necessário para a operação dos novos meios tecnológicos passa, frequentemente, pela aquisição do próprio equipamento. Diante disso, as possibilidades de produção musical, para o artista, se tornam cada vez mais ligadas à aquisição dos recursos tecnológicos que possibilitam essa criação, de forma que o músico é cada vez mais submetido à estrutura de produção/consumo no fazer musical. Proliferam-se o surgimento dos estúdios caseiros. Estavam reunidas as condições para a consolidação de uma produção e, posteriormente, de uma cena independente brasileira.

2 Vicente (1996, p. 45) elenca a importância dos seguintes equipamentos tecnológicos relacionados à

produção: samplers, sintetizadores, drum machines, sequencers, módulos, multi-timbrais, módulos de efeito, gravadores digitais, dawes, softwares, arranjadores. E explica algumas funções básicas: o sampleamento: envolve a digitalização de quaisquer amostras sonoras e seu posterior processamento, armazenamento e produção; a sintetização: incorpora as amostras sonoras e equipamentos que permitem a execução de trilhas musicais complexas a partir de uma única fonte; o sequenciamento: programação de diferentes trilhas instrumentais de uma música a partir de programas de computador ou aparelhos eletrônicos (os sequencers), que podem então ser reproduzidas em estúdios ou em apresentações ao vivo. Essas técnicas permitem uma ampliação do grau de manipulação do som, uma vez que digitalizado ele pode ser copiado (e reproduzido em outro trecho da música), acelerado, retardado, distorcido, transposto, afinado etc.

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O compositor e arranjador brasileiro Henrique Cazes (1998) historiciza a música independente nacional a partir do registro de Chiquinha Gonzaga.

Entre tantos pioneirismos da vida da compositora, a produção fonográfica independente foi um deles. Chiquinha (Gonzaga) e o marido João Batista abriram uma fábrica de discos no bairro do Engenho Novo (na cidade do Rio de Janeiro). Mesmo tendo durado pouco (1920 a 1922), a gravadora serviu para lançar artistas importantes (...). Mais tarde, Antônio Adolfo liderou o movimento da produção independente, mas teve o juízo de não abrir uma fábrica (CAZES, 1998, p. 39).

Além de Chiquinha Gonzaga, citam-se como primeiras experiências independentes de gravadoras, ainda em 1929, as produções de Cornélio Pires e Carmen Miranda3. No entanto, a cena independente tem como marco histórico mais citado o lançamento do disco “Feito em Casa”, em 1977 (selo musical “Artezanal”), por Antonio Adolfo, após inúmeras recusas de gravadoras atuantes no país em contratar o seu trabalho. No mesmo período, outros artistas brasileiros já fomentavam o debate sobre a independência, produzindo e gravando os seus discos às próprias custas. É o caso do lançamento do LP Paêbiru de Zé Ramalho e Lula Côrtes em 1972 – entre outros títulos produzidos de modo autônomo nos estúdios da gravadora pernambucana Rozenblit – assim, como a edição do disco de bolso d´O Pasquim, o Tom de Jobim e o Tal de João Bosco, no mesmo ano.

Experiências como as citadas acima estimularam o lançamento de diversos trabalhos independentes. Esse processo culmina na emergência, a partir de 1982, da Lira Paulistana, a qual, embora não tenha significado uma novidade no marco precursor da música considerada independente no país, representou a passagem de experiências isoladas, para uma atitude coletiva. A criação musical de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e outros artistas na década de 1970 encontrara um local de convergência, um ponto de encontro. Naquele contexto, Gil Nuno Vaz

3 Em 1929, Cornélio Pires tomou a iniciativa de produzir um disco de violeiros da região de Piracicaba

(interior de São Paulo). Em fins da década de 1970, passou a ser considerado o pioneiro no mercado de música sertaneja além de símbolo da produção independente. Também é citada como iniciativa independente a gravação do primeiro 78 r.p.m de Carmen Miranda pela gravadora Brunswick, em 1929.

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(1988, p. 26) avalia que o critério principal de definição do independente era a insubmissão mercadológica e estética às exigências das grandes gravadoras. Na leitura do texto de Vaz (1988) percebe-se, contudo, uma imprecisão sobre a característica fundamental que distinguiria o músico independente desse período. A independência se caracterizaria por uma relação econômica de produção, única via de acesso ao mercado, portanto uma contingência mercadológica? Ou a escolha de uma atitude estética, um espaço de resistência cultural frente à organização da indústria?

Segundo Eduardo Vicente (1996, p. 132), o grupo Lira Paulistana não foi um movimento musical, mas uma iniciativa empresarial que consistiu na montagem de um núcleo de produção e difusão artística formado por um teatro, uma gráfica e um selo fonográfico, cujos músicos eram consequências mais diretas de uma falta de opção mercantil, do que propriamente uma opção política e/ou estética. Em primeiro lugar, porque não existia ligação clara entre a cena independente e algum grupo político ou estético. Em segundo, porque os nomes de mais destaque da cena independente, rapidamente aceitavam os convites feitos por grandes gravadoras, como aconteceu com a Boca Livre que assinou com a EMI em 1981. Por grandes gravadoras, também chamadas de majors, entende-se aquelas empresas internacionais de produção, entre as quais destacam-se a Sony Music, Polygram, EMI, WEA, BMG e MCA. Essas seis empresas detinham 74% da distribuição mundial de música no início da década de 1972 (VICENTE, 1997, p. 178).

Tendo em vista a diversidade das noções de independência, Gil Nuno (1988, p. 23) sistematiza três graus de autonomia do artista frente às gravadoras: o primeiro seria o independente propriamente dito, situação em que o músico assume integralmente as responsabilidades e custos de sua criação, gravação e distribuição (o autor cita como exemplo o disco “Feito em Casa” do Antonio Adolfo). O segundo nível de dependência seria a associação cooperativa com outros músicos independentes, possibilitando a consecução de estrutura e atividades em comum. Num terceiro nível, o músico manteria uma relação comercial com o produtor fonográfico, na base de negociação de condições. Nesse último caso situa-se o grupo Lira Paulistana, que se associou a gravadora nacional Copacabana.

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Durante toda a década de 1980 cresce acentuadamente o número de lançamentos fonográficos considerados independentes no terceiro nível descrito por Gil Nuno (1988), os quais ganhavam notoriedade junto ao público e à crítica especializada. Nos anos 1990 estabelece-se, então, uma cena independente com força suficiente para dar vazão a diversos segmentos do mercado. Os músicos independentes – associados aos festivais e com o apoio de veículos da mídia especializada, como a MTV Brasil – revelam diversos nomes capazes de despontarem no cenário nacional, os quais passam a assinar contratos com as majors, consolidando as relações de terceirização e complementariedade. É importante destacar que o sucesso estratégico da indústria fonográfica em terceirizar a produção dependia fundamentalmente do domínio estrito sobre as vias de distribuição, já que, caso isso não ocorresse, estava aberta a possibilidade para que os novos selos conquistassem sua autonomia e passassem a disputar o controle direto do mercado.

Nesse contexto, o rearranjo da indústria fonográfica na década de 1990 terceiriza, flexibiliza e subcontrata a produção às empresas de pequeno porte conceituadas como independentes, as quais se tornam cada vez mais dependentes da estrutura das grandes gravadoras para distribuir, promover e divulgar os seus trabalhos. Várias empresas de pequeno porte desenvolveram ou mesmo foram criadas em função de diferentes níveis de cooperação e especialização com as grandes companhias fonográficas4. Essa composição da reestruturação produtiva levou Vicente (1996, p. 145) a concluir que a configuração dos artistas e produtores independentes dos anos 1980 e 1990 não significava uma ameaça ao controle das grandes gravadoras, no sentido de representatividade no mercado. Sua articulação é o que permitia o desenvolvimento do modelo aberto de produção, por meio da relação de interdependência das empresas autônomas e especializadas que, ao final, jogavam sempre a favor das grandes empresas, permanecendo altamente vulneráveis às forças do mercado e às ofertas monopolistas.

4 Vicente (1996, p. 61) relata que, entre os profissionais que saíram da Warner, muitos criaram suas

próprias empresas fonográficas, como Pena Schmidt (Tinitus), Conie Lopes (Natasha Records) e Nelson Motta (Lux). Além deles, Mayrton Bahia, ex-Odeon e PolyGram, criou a Radical Records, Marcos Mazzola, também saído da PolyGram, criou a MZA e Peter Klam, ex-diretor da Warner e da PolyGram, criou a Caju Music. Entre os artistas que eram ou já tinham sido contratados de grandes gravadoras e que criaram suas próprias empresas citam-se Ivan Lins (Velas), Dado Villa-Lobos (RockIt!), Marina Lima (Fullgás), Ronaldo Bastos (Dubas), Egberto Gismonti (Carmo), entre outros.

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No mesmo sentido, a economista francesa François Benhamou (2007, p. 43) considera que, no setor da indústria fonográfica, a oferta está estruturada sobre a forma de “oligopólio com franjas”. Algumas empresas dominantes, por vezes implantadas desde longas datas, comandando as redes de distribuição, constituem o núcleo do oligopólio. Em sua periferia, pequenas e médias empresas, dependentes das maiores, sobretudo em matéria de distribuição, divulgação e promoção, formam sua franja necessária. Segundo a pesquisadora, as companhias mais importantes tendem a deixar uma grande parte da inovação sob a responsabilidade de sua franja. Atentas, porém, às novidades de criação, procuram apropriar-se delas assim que o mercado é criado. Desse modo, as pequenas empresas desempenham o papel de viveiro de criação, muitas vezes adotando estratégias de nicho, especializando-se em áreas pouco ocupadas, de maneira a atrair uma clientela cativa e firmar sua reputação. Os obstáculos ao desenvolvimento surgem depois, sobretudo na distribuição, o que resulta num pequeno índice de sobrevivência das empresas novas. As pequenas companhias precisariam, portanto, das maiores para escoamento dos seus produtos, o que explicaria o grau de concentração na parte final dessa cadeia comercial.

Diante desse desenho do setor musical, Vicente (1996, p. 79) explica que existe também uma pequena fatia do mercado incorporada aos circuitos autônomos de produção e consumo musical, resultado da emergência de diversas cenas locais de música, cuja viabilidade comercial assegurara a sobrevivência de alguns músicos e empresas independentes. Vicente (1996, p. 82) considera como circuitos autônomos aqueles que, sem a presença de grandes gravadoras ou redes de mídia de alcance nacional, fornecem condições para as apresentações musicais, produção e divulgação dos artistas que os integram. Esses pequenos circuitos dispensam as grandes gravadoras, uma vez que dentro deles toda a cadeia de produção musical já está em funcionamento. Tal fatia do mercado frequentemente tem uma localização geográfica definida ou relaciona-se a identidades étnicas, religiosas e urbanas.

Finalmente, se a tecnologia foi o trunfo da indústria fonográfica na reestruturação da sua produção que impulsionou os primeiros circuitos conceituados como independentes no Brasil, a partir dos anos 2000 essa mesma tecnologia

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trouxe a dificuldade de controle das grandes gravadoras em continuar a sua estratégia de concentração na distribuição. O desenvolvimento da técnica estimulou a criação de tecnologias digitais, como o formato MP3 e os softwares de trocas de arquivos via internet, os quais trouxeram como consequência a crise de formatos físicos.

O processo de reorganização e reconfiguração da indústria brasileira da música, impulsionada pela emergência das novas tecnologias de produção e reprodução digitais, tem consolidado a produção independente no Brasil. Os anos 2000 experimentam a proeminência de gravadoras com sistemas autônomos de realização em relação às majors, cujo funcionamento tem assegurado êxitos comerciais e crescente relevância no cenário cultural nacional. O pesquisador Leonardo De Marchi (2006) estuda a Nova Produção Independente (NPI) e explica que o uso do adjetivo “nova” faz remissão a experiência do período analisado anteriormente nas décadas de 1970/80.

Segundo De Marchi (2006, p. 128) a NPI é resultado do complexo processo de reorganização da indústria fonográfica brasileira, frente às transformações nas formas de produção, distribuição e consumo, promovidas pelo regime técnico-econômico. Aproveitando-se das condições do mercado musical no Brasil, surgem empresas que passam a assumir novas funções dentro da cadeia produtiva contemporânea, cuja principal representante é a gravadora Biscoito Fino. Segundo o autor (DE MARCHI, 2006, p. 129), a principal característica diferenciadora da NPI em relação à produção conceituada como independente nas décadas de 1970/80 tem sido a crescente profissionalização do setor, assim como o respaldo no grande capital nacional.

Nesse contexto, o critério de independência que tem prevalecido no Brasil tem sido aquele que faz oposição às majors, ou seja, a definição da independência se dá a partir da negação do capital estrangeiro. As novas gravadoras independentes, além de não trabalharem necessariamente com músicos relegados do negócio fonográfico (a Biscoito Fino, por exemplo, distribui artistas como Chico Buarque e Maria Bethânia), conta com estrutura organizacional parecida com a das majors. No caso da Biscoito Fino, além da gravadora somar profissionais experientes da indústria fonográfica, a empresa tem respaldo do capital especulativo

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de grande grupo do sistema bancário nacional, o que pode ser percebido na trajetória da gravadora.

Kati de Almeida Braga entrou para a história corporativa brasileira. A empresária transformou o Banco Icatu (criado pelo pai Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, para administrar os rendimentos financeiros da família), em Icatu Holding, por meio de várias atividades – da construção civil a área de seguros, da publicidade a produção. No âmbito do entretenimento, a empresária criou a Biscoito Fino, fechou contrato com a EMI em Portugal e a Disc Music, na Espanha, para levar a música nacional à Europa. Também abriu escritório na França e negocia com companhias locais a criação de um selo brasileiro. O grupo também colabora com a Conspiração Filmes e Lumiére. No início de 2012, comprou 25% de participação na DM9, holding publicitária (ÉPOCA, 2002).

A partir da definição do independente que se encerra no antagonismo às grandes gravadoras estrangeiras, é possível concluir que o desenvolvimento e consolidação da NPI brasileira vêm movimentando novas tensões e articulações no que tem se entendido como independente. Nesse contexto, fica evidente o quanto a noção de música independente e seus derivados – cena independente, artista independente, gravadora independente – deve ser problematizada e especificada enquanto categoria analítica para compreender a heterogeneidade das relações do mercado e do trabalho artístico musical. Em outros termos, a expansão de uma produção considerada independente no país impõe a necessidade de uma identificação, distinção e definição mais clara entre os diferentes agentes que ocupam esse campo.

Dados da International Federation of the Phonographic Industry (IFPI) (2012, p. 3) retratam que em 2012 as independentes (critério de oposição às majors) foram responsáveis por 25,3% dos lucros mundiais com música, seguidas pela Universal (23,5%), EMI (13,4%), Sony (13,2%), Warner (12,7%) e BMG (11,9%). Ou seja, esses cinco conglomerados ficaram com mais de dois terços de todo o faturamento do mercado da música. No Brasil, a avaliação feita pela Associação Brasileira dos Músicos Independentes (ABMI) em 2012 aponta que 90% da produção de fonogramas está nas mãos de independentes às majors. No entanto, a participação dessas empresas independentes gira em torno de 12 a 25% no

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faturamento de todo o mercado fonográfico. Nesse caso, observa-se a alta concentração de venda por parte das majors em torno de poucos nomes. Ou seja, mesmo com o aumento do número de selos independentes, o mercado musical permanece concentrado nas mãos das grandes gravadoras.

Diante da desproporcionalidade entre a produção e a representatividade no mercado, a configuração do comércio musical nacional se enquadra no conceito de “cauda longa” criado em 2004 pelo físico e escritor estadunidense Chris Anderson. O termo é baseado nas distribuições de dados da curva de Pareto, cuja figura abaixo é caracterizada pelo prolongamento horizontal muito comprido em relação ao prolongamento vertical. O consumo de produtos costuma seguir um padrão semelhante ao da curva, com poucos produtos sendo muito consumidos (os chamados produtos hits) e muitos produtos sendo pouco consumidos (os não-hits).

Figura 1 – Distribuição de cauda longa

Fonte e elaboração <http://labinove.blogspot.com.br/2008/10/cauda-longa.html>

Finalmente, nesse contexto em que número reduzido de corporações ainda assume o protagonismo mercadológico do ambiente cultural, este trabalho se volta para a emergência de movimentos, redes e meios autônomos de expressão, interação e mobilização capazes de qualificar o campo independente no mercado

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brasileiro de música, considerando a pluralidade de formas de estruturação de suas atividades.

I.II Configurações e especificidades

Um estudo realizado pelo Grupo de Pesquisa em Política Pública para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (GPOPAI, 2010) destaca as duas definições básicas de independência no campo musical brasileiro hoje. A primeira, e tradicional, é caracterizada pela exclusão do capital estrangeiro das grandes gravadoras. A partir desse critério, a tipologia independente pode ser utilizada para designar tanto o músico que produziu seu CD em um estúdio caseiro, quanto a Biscoito Fino, por exemplo, que mesmo sem contar com o capital estrangeiro tem respaldo no grande capital privado nacional articulado internacionalmente. A segunda caracterização do independente tem sido definida recentemente a partir da autonomia econômica em relação ao Estado, ao adotar sistemas de financiamento alternativo às leis de incentivo público.

A terceira definição, e pressuposto conceitual desta pesquisa, parte da autonomia econômica do próprio artista, em todas as fases da cadeia musical (criação, produção, distribuição e promoção/difusão), tendo ou não financiamento público. A partir daí procura-se entender como esses artistas criam, produzem, distribuem e promovem seus trabalhos, quais suas formas de financiamento, de contratação, suas redes de relações no mercado e no campo da música, assim como as dificuldades dessa forma específica de atividade frente ao mercado e às políticas públicas culturais. Quer dizer, uma análise sociológica do músico enquanto trabalhador autônomo e empresário de si mesmo, em conexão com as políticas públicas setoriais.

No conceito que parte da autonomia econômica, entretanto, percebeu-se que a definição do que faria parte ou não de uma cena independente se apresenta como objeto de permanentes disputas simbólicas e estéticas. Os fenômenos musicais autônomos, sobretudo massivos e populares (como o tecnobrega

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paraense5, o arrocha na Bahia ou o funk carioca) tendem, geralmente, a não ser

vistos como parte da cena independente, embora sejam produzidos fora da estrutura das grandes gravadoras e de forma autônoma. Por outro lado, o hip hop, o rock alternativo e os gêneros denominados híbridos ou inclassificáveis têm sido categorizados como independente pela mídia, espaços de consagração e festivais especializados, aliando aspectos estéticos que conferem uma aura cult à produção. O que indica que na conceituação independente está em jogo um conjunto de posições e tomadas de posições de agentes de um determinado universo simbólico e profissional, negociando espaços privilegiados de prestígio e poder (BORDIEU, 1989, p. 23).

A genealogia do músico independente para fins desta pesquisa conjugou três fatores: a) vive senão exclusivamente, preponderantemente da música; b) tem autonomia econômica; e c) tem sido categorizado como independente pela mídia e festivais especializados (no decorrer desta pesquisa ficou evidente o atributo cult da amostra independente). A partir desta genealogia foram realizadas entrevistas com 22 artistas. São eles: Alessandra Leão, Angelo Souza (Graxa), Anna Tréa, Caio Lima, Catarina Lins de Aragão, Cleyton José da Silva (Guitinho), Fábio Trummer (Fabinho), Felipe Cordeiro, Fernando “Catatau”, Gilberto Amaral (Gilú), Hugo Gila, Isaar França, José Guilherme Lima (Missionário José), Juçara Marçal, Luísa Maita, Marcelo Segreto, Marcia Castro, Otávio (Tatá Aeroplano), Ricardo da Silva (Rico Dalassam), Romulo Fróes, Tiago Andrade (Zé Cafofinho) e Yuri Rabid. Embora esta pesquisa tenha elaborado um conceito prévio de músicos independente para fins metodológicos, são as próprias narrativas dos artistas entrevistados que localizam os vários sentidos da independência.

5 O tecnobrega foi analisado em 2006 por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O

estudo entrevistou 76 bandas, 273 aparelhagens e 259 vendedores ambulantes de CDs e DVDs em Belém do Pará. Segundo a pesquisa (LEMOS, 2008, p. 21), o tecnobrega se expandiu de maneira independente das grandes gravadoras e dos meios de comunicação de massa, por meio da multiplicação de estúdios caseiros e a produção musical de baixo custo, e se tornou um modelo de negócio que criou novas formas de produção e distribuição. O processo de produção, circulação e promoção dessa cadeia envolve uma estrutura complexa suficientemente articulada, composta por casas de festas, shows e vendas nas ruas. Nesse contexto, a não ser por valor simbólico e como forma de prestígio, pertencer à gravadora não é relevante. Quando os músicos percebem que as vantagens de ter contrato com gravadora podem ser obtidas ou substituídas pela ação de outros agentes – bom estúdio caseiro onde se possa fazer a produção e a estrutura de venda informal – o contrato com empresas da indústria fonográfica deixa de ser a melhor opção. Diante disso, 88,37% das 76 bandas de tecnobrega analisadas na amostra nunca tiveram contrato com gravadora ou selos. Por fim, é importante destacar que, mesmo considerando a “eficiência locacional” do tecnobrega, a maioria dos artistas não consegue viver “só” de suas atividades com as bandas.

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I.III Narrativas acerca da independência

Tendo em vista a diversidade das concepções de independência na história da música brasileira, um dos primeiros tópicos lançados nas entrevistas diz respeito à dificuldade no termo/categoria/conceito “músicos independentes” para pesquisa. A pergunta foi provocativa à reflexão e procurou explorar o que os artistas entendem por essa expressão, sua configuração hoje, suas singularidades e especificidades nacionais e regionais, se se colocam nessa categoria, porquê e como. As variações das respostas deixam em evidência muitas perspectivas diferentes e expõe tensões entre os sentidos da independência e/ou autonomia hoje.

Na fala dos artistas entrevistados, a caracterização do independente se fundamentam desde a clássica oposição à major, passando pela exclusão do financiamento estatal, até o destaque para a liberdade artística e a aura indie ou cult ligada, sobretudo, à exclusão dos meios tradicionais de comunicação. No decorrer das narrativas observam-se, ainda, falas que sustentam noções de graus de independência, a figura do “operário da música”, a contingência da condição de independência e as ideias que não saúdam a exclusão dos meios tradicionais de comunicação, mas a reivindicam.

a) Oposição às majors

A primeira e principal referência de independência nos artistas entrevistados é, de forma geral, o critério estadunidense de oposição às majors (capital estrangeiro). Algumas reflexões especificam melhor a ideia de independente, enquanto outras se limitam a reconhecer a amplitude do termo na crítica da nomenclatura. Nesse sentido, a cantora, compositora e instrumentista pernambucana Isaar entende que a independência está ligada à queda das grandes gravadoras internacionais, mas destaca a incerteza conceitual do termo. Ela usa a nomenclatura “alternativa” para caracterizar o que está fora do “quadrado das gravadoras” e enxerga o enorme guarda-chuva que essa caracterização pode abarcar (FRANÇA, 25/2/2016).

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